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Palavras-chave: economia mineral, ouro, commodity mineral.
Este capítulo trata da Economia Mineral do Ouro para o Brasil. O estudo foca na análise de dados, tanto revisitando os históricos e integrando-os a uma visão mais moderna como pela integração dos mesmos às diversas fontes, sejam elas internacionais e nacionais. Além da análise exploratória, propomos uma nova experiência visual acerca da apresentação de um relatório técnico. Isso porque apresentamos, sempre que possível, as informações analisadas em gráficos dinâmicos e interativos para que o leitor tenha uma melhor compreensão das informações apresentadas.
O relatório parte da análise do panorama internacional e seu contexto histórico para, em seguida, tratar do caso brasileiro. Utilizamos essa metodologia devido à natureza dos sistemas econômicos e, principalmente, aqueles ligados as commodities, que são sistemas abertos e, portanto, sujeitos as mudanças provocadas pelos diversos agentes econômicos, políticos, governamentais com influência transnacional. Sempre que possível fundamentaremos o estudo com casos concretos e traçaremos um paralelo com o Brasil.
Antes das descobertas de ouro no Brasil, Portugal passou de 1580 a 1640 sob o domínio espanhol. Saiu dele enfraquecido, e, por isso, buscava ajuda internacional para não perecer, já que sua marinha, outrora temida, estava quase extinta (Albuquerque 1977). Em seguida, entrou na Guerra da Sucessão da Espanha e também estava em conflito com este país no Brasil na região do rio Prata que envolvia limites territoriais e o comércio do couro de boi. Na região norte do Brasil, o conflito se acirrava com a França sobre o território da margem esquerda do rio Amazonas e no Maranhão. Instalados em Caiena (atual Guiana Francesa) desde 1676, os franceses penetravam o Brasil pelo rio Amazonas e conseguiram atingir o forte de Araguari, no atual Amapá. A França exigia o Maranhão para abandonar seus desejos pela margem esquerda do rio Amazonas. Com a Inglaterra, a conversa era financeira e comercial, pois lhes devia dívidas contraídas do Tratado de 1654, o débito português era tamanho que todos os lucros do comércio açucareiro eram transferidos para a Inglaterra, que os usou para seu processo de industrialização. Com a Holanda, tinha dívidas de cerca de 4 milhões de cruzados que seriam pagos em dinheiro ou em açúcar, sal e tabaco pela ajuda na libertação da Angola e o auxílio prestado contra a Espanha (Albuquerque 1977).
O Brasil era estratégico para toda Europa, pois dali saia o açúcar, o pau-brasil, o tabaco e as primeiras amostras de ouro, logo, para Portugal não era uma opção perder sua hegemonia no Brasil. Portugal era assediado pelos quatro países: Inglaterra, Holanda, França e Espanha. Dentre eles, haveria de sair um acordo que contrataria guerra com outros. O assédio da Inglaterra e da Holanda sobre Portugal exercia-se pela força naval, que se tornava hegemônica em suas conquistas ultramar e, por isso, eram mais atrativas a Portugal no intuito de defesa do comércio das Índias. Força esta que França não possuía muito menos a Espanha. Por fim, aceitou um acordo (Tratado de Methuen) com a Inglaterra e a Holanda. Entre os objetivos de Portugal, está o apoio para proteção do ataque francês ao Norte e do espanhol ao Sul. Espanha declara guerra a Portugal em 30 de abril de 1704, bem no início do século XVIII, a Guerra de Sucessão da Espanha abre mais uma frente de batalha. Somente em 1712, que Portugal livra-se do julgo francês e espanhol, ambas, declinando de seus interesses no Brasil (Albuquerque 1977; Pinto 1979).
O Tratado de Methuen (1703), mais conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, teve consequências imediatas sobre a produção aurífera brasileira. Feito para defender-se da França e da Espanha, Portugal, sem indústria desenvolvida, se comprometia a comprar produtos industrializados ingleses. A Inglaterra e aliados defenderam o Brasil de invasores, mas a ajuda mostrou-se cara demais. Com o acordo, Portugal criou um déficit em sua balança comercial com a Inglaterra, e com base nos princípios econômicos mercantilistas à época empobrecia, pois mais saia ouro na forma de moeda para a Inglaterra do que conseguia obter noutras praças. As descobertas de ouro no sertão brasileiro, de onde sairiam toneladas de ouro coincidiram com esse desequilíbrio comercial luso-inglês. Albuquerque (1977) sugere que a Inglaterra sabia das descobertas de ouro no Brasil, e isso talvez tenha sido o catalizador para a assinatura do Tratado de Methuen, com ele, a Inglaterra destruiu de uma vez por todas toda a pretensão industrial portuguesa. Enquanto o Brasil estava desolado ao final dos seiscentos e início dos setecentos, transformar-se-ia pelo desejo do ouro num crescente geográfico, demográfico e econômico (Pinto 1979).
A Europa submetia-se ao sistema de troca padrão bimetálico em que o ouro e a prata eram os metais que definiam a unidade monetária. Sua escolha é condicionada pelas facilidades de conservação, de transporte e de divisibilidade, o que tornou tais metais historicamente um padrão de medida monetário. Até o século XIX, Portugal tinha como única política monetária, as manipulações da moeda (Sousa 1999).
Os metais preciosos compreendem uma das principais causas da queda da economia mercantilista, pois com o declínio de produção do ouro e da prata da América espanhola, o metal se escasseava, mas os gastos das Nações europeias continuavam em ritmo acelerado. Isso levou à recessão no continente europeu, decorrendo inevitavelmente à inflação. O déficit de metais preciosos (moeda) continuou em declínio por toda a segunda metade do século XVII, o qual afetou profundamente a economia portuguesa.
Um período de guerras (1640 a 1660) combinado a outros fatores que extrapolam o assunto aqui tratado levaram aos problemas monetários a partir de 1670 juntamente com deterioração da balança comercial. Assim, temos 1688 como o marco temporal de alteração da política monetária adotada com maior ênfase durante as guerras da Restauração (Sousa 1999).
O pensamento mercantilista dominante era de que países são classificados em ricos ou pobres segundo um indicador principal: a balança comercial; quanto mais positivo fosse o saldo de sua balança comercial, mais rico o país; o inverso era verdadeiro. O câmbio era fixo e estipulado pelo valor de conteúdo de metais na moeda no sistema bimetálico que definiam a moeda portuguesa, o real (Fig. 1). Como exemplo, em 14 de junho de 1688, o marco1 de ouro e de prata valiam 96 mil e 6 mil réis, respectivamente. Ambos os metais, por lei, deveriam ter seus conteúdos de metais fixados. No caso da moeda de ouro seria de 11/12 ou 91,667% ou 22 quilates de ouro, e a prata de 11 dinheiros. Nessa sistemática a valorização de um metal acarretará a desvalorização do outro gerando bandas de flutuação (Sousa 1999; Wallerstein 1976).
Figura 1: Real português vigente entre 1706 a 1750. Fabricada em prata com 1,88 g e 18 mm de diâmetro (Imagem: MA-Shops negociante de moedas).
O primeiro problema enfrentado por Portugal foi o cerceio que consistia na raspagem do ouro da moeda que fazia seu valor intrínseco (conteúdo em metal precioso) ser menor, assim, decaindo seu valor de compra e inibindo sua comercialização a peso. Para resolvê-lo, regularizou-se a produção das moedas por um novo equipamento que inibia o crime de lesa-majestade punido com pena de morte e confisco dos bens. A prática criminosa afastava as moedas “boas”, pois estas eram resguardadas para uso nas transações com o exterior. Essa prática de guardar as moedas com maiores valores (conteúdo de metal precioso) ficou conhecida como entesouramento, uma prática rejeitada pelo pensamento mercantilista da época, pois gerava a retirada de moeda de circulação tornando os preços maiores e deixando o comércio mais difícil afetando toda a economia da colônia e do império, ou seja, gerava inflação (Pinto 1979; Albuquerque 1977; Sousa 1999).
O segundo problema envolveu a correção monetária do ouro e da prata em 1688 com o objetivo de preservar o valor da moeda e, também, evitar o entesouramento. Parte dele, resolvido pela retirada das moedas cerceadas de circulação pelo pagamento de 5% de juros pagos pela Casa da Moeda. Com o passar do tempo, o prêmio passou para 10% e, por fim, para 20%, que também era pago por moedas novas produzidas pelos métodos mais modernos. Na mesmo sentido, Portugal faz preferência pela retirada das moedas de menor valor (tostões e vinténs), deixando as de maior valor (réis) às necessidades de Estado e dos controladores do capital mercantil. Houve restrição também com relação ao peso das moedas estrangeiras, p.ex., a pataca espanhola, a mais usada nas principais praças da América portuguesa, com mais de 7,5 oitavas2 valia 800 réis (ou seja, moeda com 1 g de ouro mais prata = 225,79 réis) (Pinto 1979).
Não só a coroa exercia seu poder de persuasão por normativos, mas também os locais - câmara e principais moradores - influenciavam na valorização da moeda. De tal modo, que para atrair mais moeda para o reino, praticavam-se os levantamentos que consistia em desvalorizar o real (moeda portuguesa) em relação ao metal e outras mercadorias por meio do levantamento do valor em réis das moedas circulares. Enquanto uma pataca valia 640 réis num local, em outro, que praticava o levantamento, valeria 700 réis. Era uma prática tolerada pela coroa portuguesa mesmo sendo de sua exclusiva responsabilidade a legislação monetária. Isso criava um microssistema próprio que não conversava com a legislação lusitana que estabelecia uma taxa de câmbio de 100 réis por pataca de prata. Com a prática colonial, era melhor manter o dinheiro e o comércio na vila, do que pagar o câmbio imposto pelo império e, assim, evitava-se o comércio internacional (Albuquerque 1977; Pinto 1979).
Foram seis as causas da desmonetização brasileira ao final dos seiscentos. Primeiro, a menor quantidade de dinheiro em circulação provocaria necessariamente queda no preço dos produtos coloniais, pois tornariam os senhores de engenho, lavradores e plantadores de fumo propensos a aceitar preços mais baixos. Aceitar o câmbio proposto era deflacionar a economia local, o que prejudicaria o processo de realização de ganhos na circulação. Reduzir o poder de compra dos açucareiros era reduzir o investimento em escravos e nos insumos nacionais e europeus. Segundo, envolve a queda dos preços do açúcar no mercado global e inflação dos custos de produção. Terceiro, a inflação dos produtos importados europeus. Quarta, a queda da arrecadação da alfândega pela desmobilização dos engenhos diminuindo as exportações. Quinta, a queda de arrecadação dos contratos, pois, com menos dinheiro em praça, os lances3 diminuíam. Sexto e último, como consequência da menor arrecadação de impostos de exportação, começou a ameaçar os salários dos “servidores” civis, militares e religiosos do Estado.
Figura 2: Tostão português Pedro II. Era produzida com prata massa de 1,75 g e 17 mm. (Imagem: MA-Shops, comercialização de moedas).
A saída portuguesa foi injetar dinheiro na economia colonial com a instalação de uma Casa da Moeda no Brasil cuja proposta inicial era emitir dois milhões de cruzados em moedas provinciais de ouro e de prata. Destes, um milhão para a Bahia, 600 mil para Pernambuco e 400 mil para o Rio de Janeiro. A produção seria temporária, até a meta estabelecida, e os numerários não poderiam deixar o Brasil. Cada marco de prata produziria 53 moedas de tostão (Fig. 2) com peso de uma oitava e 14 grãos. A partir da reforma de agosto de 1688, o mesmo tostão passaria a valer 120 réis (1 grão = 1.395 réis) para o câmbio português, mas na colônia, em função do processo de levantamento, valia 1.667 réis, uma inflação de 19,5%.
Os metais preciosos eram extraídos desde a pré-história de poucas minas na Europa (p.ex., Alemanha) e da África (p.ex., Zimbabué e Congo), mas eram pequenas quantidades que atendia a uma baixa demanda ou difíceis de serem retirados da região como nos depósitos africanos (Chaudhuri 1994). Isso mudou completamente a partir do século XV, pois uma variedade de circunstâncias, como o comércio com a Ásia, a transformação de ouro e prata em prataria e joias, e a acumulação de tesouros eclesiásticos, haviam compensado a produção das minas a ponto de provavelmente esgotar o estoque de dinheiro em circulação (Haring 1915). Era necessário encontrar mais metais preciosos. Isso foi um dos principais motivos que levaram à descoberta do Novo Mundo: a convicção de que navegando para o oeste poderia ser encontrada a terra dourada de Zipangu de Marco Polo. Entre 1500 e 1550, as navegações espanholas encontraram ouro e prata na América Central e na costa oeste da América do Sul cujos depósitos ultrapassaram a produção de minério japonês (Haring 1915). Essas descobertas não só adicionaram um novo aporte de metais preciosos ao mundo, mas também abriram uma nova rota comercial - o comércio do Atlântico -, que competiria com a rota das Índias Orientais. Mesma época em que se expande a metalurgia e consequentemente o uso de diversos tipos de metais: ferro, chumbo, cobre, estanho, mercúrio e diversos tipos de ligas (Haring 1915).
Após as descobertas nas Américas, o ouro e a prata eram minerados nas minas do Peru e do México cujos metais foram usados, principalmente, para propostas monetárias para a produção da moeda espanhola da figura 3. Chaudhuri (1994) sugere que o aumento da oferta de moeda favoreceu o choque econômico em todo o mundo. Por um lado, o dinheiro se tornou barato, os bens encareceram e essa alta favoreceu a oferta e a produção de commodities. Por outro, os três séculos seguintes (séc. XVI – XVIII) refletiram-se numa fase expansiva da atividade econômica mundial.
Figura 3: Moeda espano-holandesa cunhada em 1636. Fabricada em ouro com massa de 10,98 g (Fonte: MA-Shops, comercialização de moedas).
A partir do século XVI, bancos de Génova deram início à transferência dos tesouros americanos da Espanha para o resto da Europa. Na sequência, Amsterdã se torna o centro financeiro, assim, os bancos holandeses assumem a redistribuição dos metais preciosos. O padrão monetário muda do ouro para a prata, mas sempre sofria de problemas de flutuações das razões de ouro e prata nas moedas. Para abastecer o mercado monetário europeu, Chaudhuri (1994) estima que a Europa consumiu durante os 20 primeiros anos do século XVI cerca de 15 toneladas de ouro do Novo Mundo. Essa produção atingiu pico entre 1551 a 1560 e decaiu até as descobertas de ouro no Brasil no início do século XVIII. Daquela região, saiu mais prata, o mesmo autor sugere que a produção atingiu 86 toneladas. Todavia, entre 1500 e 1700, o mesmo autor estima que foram extraídos entre 40 Kt4 a 70 Kt de prata.
As lavras de ouro da América espanhola envolvia pouca consideração técnica, pois o metal ocorria em depósitos aluvionares. A prata, por outro lado, era encontrada em minerais sulfetados (argentita, proustita) ou sulfossais que sofreram o processo de lixiviação por água e concentrando-se na forma de cloreto de prata com uma grande concentração de prata pura, portanto, necessitava de tratamento especial. As minas de prata, geralmente, tinham vida-útil curta, e, com a técnica de mineração da época, as mais longas duravam 30 anos (Chaudhuri 1994).
Antes, no início do século XVII, a emigração era de Portugal para o Brasil com o intuito de montar a indústria açucareira no litoral do nordeste, o que se tornou uma das principais rendas para Portugal no período. No auge da produção açucareira, uma arroba de açúcar era vendida no Brasil por 650 réis e em Portugal a 1.850 réis com lucro de 285%. Em 1639, a produção de açúcar atingiu o pico de 600.000 arrobas (9 toneladas) (Albuquerque 1977). Em comparação, a produção de açúcar no Brasil em 2021 – 2022, o Brasil produziu 186 Mt5, equivalente a 22% da produção mundial (IEA-SP6) .
O declínio da produção açucareira iniciou-se por volta de 1660 quando o Brasil se encontrava em profunda recessão. Em 1665, a produção de sal tornou-se ilegal, em 1696 foi proibida a remessa de dinheiro, ouro e prata do Brasil, em 1698 foi proibida a elevação do preço do fumo, como também com o vinho e o mel em 1657. Em 1698, não havia incentivos para as fundições de ferro no Brasil, o que encarecia o custo de modernização dos engenhos de açúcar (Albuquerque 1977). Outros fatos importantes do período são a escassez de moeda, a queda dos preços de suas principais mercadorias, o choque de oferta internacional de açúcar e de tabaco com disputa por mercado com a Inglaterra, a inflação pelos custos de produção dos engenhos, o déficit na balança de pagamentos e, para piorar, a reforma monetária de 1688 que pretendia uma deflação de 10% da moeda. Nesta época de decadência, deu-se início ao movimento inverso de emigração, pois quem podia fugia para a Europa, enquanto a maior parte dos engenhos era fechada como relata Pinto (1979) p. 46 sobre a situação da produção açucareira em Salvador (Fig. 4):
“Hoje, veem-se no Recôncavo desta cidade e capitania, antigamente florentíssima, vinte e quatro engenhos desamparados e demolidos por falta de espírito que os animava, nos escravos que os fabricavam, e os outros engenhos se desconhecem do que foram por igual motivo de desamparo. (…)”.
Figura 4: Engenho de açúcar na Bahia (autor desconhecido).
É consenso de que a economia luso-brasileira foi influenciada pelo Tratado de Methuen de 1703 (Albuquerque 1977; Pinto 1979). À época, uma das soluções para o déficit da balança comercial portuguesa era a busca por metais preciosos. Pedro II enviava cartas à colônia incentivando tal empreitada prometendo recompensas aos paulistas que na época eram os únicos com experiência mineira, pois desde o século XVI exploravam os arredores de São Paulo (Pinto 1979).
As primeiras descobertas foram feitas na região de Curitiba e Paranaguá em 1660 ao final do século XVII com uma produção de 110 kg de ouro. Contou com uma casa de fundição a qual funcionou até 1735. Na região, ainda se descobriu ouro em Iguape, Cananéia e São Paulo. Mas, as maiores descobertas ainda estavam por vir em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso (Albuquerque 1977; Pinto 1979).
Simultaneamente às descobertas da região sul e sudeste do Brasil, a bandeira liderada por Fernão Dias Pais alcança as Gerais em 1675. Nessa região, as notícias de descoberta de ouro datam de 1692 a 1695 de origem aluvionar como relata o governador Sebastião de Castro Caldas: “até o presente eram dezoito ou vinte ribeiros, cujo ouro e seu rendimento era o melhor que tem havido”, para em seguida, utilizar métodos de escavação para lavra dos veios auríferos. Em função das características dos depósitos auríferos, havia a necessidade de mão de obra intensiva. As notícias mais promissoras surgem das regiões de Tripuí, Carmo, Gualacho, Ouro Preto, Paraopeba, Serro do Frio, Rio das Velhas, lnficionado, Pitangui, Pará, Itatiaiuçu, Catas Altas, Santa Bárbara, Prata, Brumado, Caeté́, Rio das Mortes, entre outras. Quase todas, ainda hoje, centros produtores de ouro.
Nas Gerais, a produção de ouro tem forma bimodal com dois picos de produção nos quinquênio de 1735 - 1739 e 1765-1769, declinando em seguida. Isso levou a uma corrida pelo ouro em toda essa região atraindo pessoas tanto das lavouras de cana de açúcar como aventureiros de Portugal (Pinto 1979). Veja Figura 5.
Figura 5: Produção Histórica de ouro durante o Ciclo do Ouro, dados para todo o século XVIII (Fonte: Pinto (1979)).
Compare os dados de produção histórica da figura 5 com a produção de moeda de ouro (amoedação) efetuada na Casa da Moeda de Lisboa para o mesmo período na figura 6. Observe a escala de produção quase semelhante com a produção de moeda desde o início do século até o pico na década de 1750. Há uma defasagem de cerca de 10 anos entre a produção de ouro no Brasil e a cunhagem de moeda em Portugal.
Figura 6: Amoedação decenal de ouro entre 1691 e 1797. Dados compilados de Sousa (1999).
As descobertas de ouro na Bahia ainda é assunto nebuloso. Registros históricos põem as descobertas entre 1702 e 1703 em jazimentos próximos ao litoral, provavelmente, de origem aluvionar. Mas foi com a bandeira de Sebastião Pinheiro Raposo que em 1718 surgem notícias de descobertas de ouro em Jacobina (7,0 kg) e Rio das Contas (13,2 kg). Entre 1743 a 1745, as minas de Jacobina e Rio das Contas produziram 25,1 kg e 71,1 kg de ouro respectivamente. Além dessas minas, Araçuaí representava outra região aurífera com uma produção de 3.243 kg de ouro entre 1728 a 1736. Todavia, em 1757, Araçuaí foi incorporada a Minas Gerais. Embora com três distritos auríferos, a maior produção sempre foi do distrito de Rio das Contas cujo pico de produção foi atingido entre 1718 a 1730 seguido por rápido declínio e decadência (Pinto 1979).
Em Mato Grosso as descobertas foram na região de Coxipó Mirim por volta de 1718. Seguiram-se descobertas em Forquilha (1720), Sutil (1722), Ribeirões de Santana e Brumado (1734), rio Arinos (1739) e Corumbiara (1745). Região onde incorreu nova corrida do ouro e, consequentemente, uma explosão demográfica. Mas diferentemente das regiões do litoral e do sul e sudeste brasileiros, na porção norte do Mato Grosso os garimpeiros encontraram as dificuldades da floresta amazônica: rios com corredeiras, enchentes, malária e tribos indígenas não amigáveis (p.ex., cavaleiros, guaicurus e paiaguás). A mina de Sutil em um só dia produziu 2,1 kg de ouro e, em um mês, 5.880 kg em aluvião. Mas o declínio das minas mato-grossenses foi rápido, dez anos de produção renderam 75 kg de ouro entre 1724 a 1734. O declínio foi alcançado apenas entre 1768 a 1770, mesmo assim, foi descoberto outro em Poconé cuja produção deu-se até 1869. As produções para a região podem ser observadas na figura 5 cujos valores assemelham-se a Minas Gerais (Pinto 1979).
Em Goiás, as descobertas foram consequência da bandeira do Anhanguera. As primeiras regiões auríferas descobertas entre 1728 a 1733 são arraiais de Barra, Ouro Fino, Ferreiro, Anta, Santa Cruz, Guarinos e Meia Ponte. Em seguida, no eixo do rio Tocantins entre 1734 a 1739 nos distritos de Natividade, Crixás, Traíras, São José dos Tocantins e São Félix. Por último, entre 1740 a 1750, arraiais de Cavalcante, Arraias, Pilar, Conceição, Carmo, Santa Luzia, Cocal e Anicuns. O pico de produção para todas essas regiões foi de 12 toneladas de ouro no quinquênio de 1735-1739 com declínio acentuado para 750 kg no final do século. Pinto (1979) ainda relata que de todas as regiões auríferas brasileiras, Goiás foi a de existência mais brilhante e fugaz, pois seu auge e decadência ocorreu em um espaço temporal de menos de 20 anos. Veja figura 5.
Com as descobertas de ouro, o que estava caro ficou caríssimo, explode a inflação. Os escravos foram desviados das lavouras para as minas, o êxodo foi tamanho que se proibiu o deslocamento deles de Pernambuco e da Bahia para o sul, local de saída das bandeiras. Na mesma toada, com o abandono da lavoura, os alimentos também sofreram inflação. Surgem diversas cidades (p.ex., Ouro Preto e Cuiabá) devido à migração das zonas canavieiras do litoral para o sertão brasileiro. Era o fim da atividade açucareira no Brasil e, ao final do século XVIII com o esgotamento do minério aluvionar e supergênico, o fim do Ciclo do Ouro (Albuquerque 1977; Pinto 1979; Sousa 1999).
Na história do homem, o ouro sempre foi dicotômico, pois pode ser estudado do ponto de vista de mercadoria e de moeda. Estudar o comportamento econômico do ouro é, portanto, estudar geopolítica. Ao longo do tempo, o metal esvaziou-se do conceito monetário para, cada vez mais, aproximar-se do conceito de bem mineral. Tudo isso interferindo no processo de determinação do preço, consequentemente, na produção e em sua distribuição espacial (Wanderley 2015; Sousa 1999; Friedman 1990).
A monetização do ouro ocorre desde 700 a.C. na Grécia durante o império romano (Green 2007). Ao fim da Idade Média e início do Mercantilismo, o ouro foi o bem mais procurado e desejado da época e suas maiores acumulações se deram no Peru, México e Brasil (Wanderley 2015; Sousa 1999; Friedman 1990). Por meio dele, foi possível financiar as expansões marítimas da Europa e foi o causador das primeiras recessões, inflações e guerras em grande escala, envolvendo o binômio império – colônia. Pela sua cobiça, impulsionou a emigração e a descoberta de diversos depósitos minerais em suas novas colônias, um deles, o Ciclo do Ouro no Brasil (1690-1790) quando o país alcançou a liderança mundial na produção do ouro. Hoje, num mundo globalizado, o metal é negociado em bolsas de valores e utilizado como hedge para proteção de riscos financeiros (Friedman 1990).
O padrão ouro tomou corpo no mundo ocidental desde o final do século XVII, e oficializado no século XVIII durante a ascensão do capitalismo. Com hegemonia inglesa, o padrão ouro ou ouro-libra era definido pelas reservas de ouro de cada país. Neste contexto, quem tivesse mais ouro em reservas, exercia maior poder financeiro global. O primeiro abalo desse padrão ocorreu com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A guerra gerou hiperinflação e altos gastos públicos para reconstrução, o que tornou inviável a manutenção desse padrão monetário, pois foi impossível manter o câmbio de antes da guerra com as reservas esvaziadas. O fim da guerra também causou o fim da hegemonia inglesa (Friedman 1990). O segundo abalo ao padrão ouro veio com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando foi implantado o Sistema Bretton Woods, com ele, o câmbio foi fixado abaixo de US$ 35 (dólares americanos) a onça-troy (oz) (Friedman 1990). A partir daquele momento, a emissão de moeda pelos bancos centrais deveria ser calculada em relação ao dólar americano, transportando para os Estados Unidos o mando da política monetária internacional. Mas o que significava isso em termos de dólares? Se o FED (banco central estadunidense) desejasse emitir mais dólares, deveria adquirir mais reservas de metal (veja Roosevelt’s Gold Program). O método de obtenção de recursos foi feito pela emissão de dívida pública (Bonds - títulos públicos estadunidenses). Com o aumento da taxa de juros, o ouro fluiria para os cofres públicos, a diminuição da taxa de juros retiraria ouro dos cofres. A partir da década de 1960, o Sistema Bretton Woods, baseado em ouro, não pôde mais sustentar a demanda por reservas internacionais. O processo de extinção do câmbio fixo iniciou-se em 1971 pelo Acordo Smithsonian, o qual foi substituído por um câmbio flexível e volatização do preço do metal (Friedman 1990; Wanderley 2015). Mas foi em 12 de fevereiro de 1973 que os Estados Unidos desvalorizam o dólar em mais de 10% para US$ 42/oz terminando com o Sistema Bretton Woods e a vinculação da moeda em ouro (veja a queda da produção mundial de ouro a partir de 1970 e sua elevação na década de 1980 na figura 10 ) (IMF 1973).
O comércio internacional deve ser visto como um método indireto de produção que está em constante transformação. O capitalismo e a globalização surgiram em ondas de transformação, a primeira delas, com a implementação de ferrovias, navios a vapor e telégrafo no início do século XIX. Mas a onda de prosperidade experimentada naquele momento deprimiu-se com as duas grandes guerras, a Grande Depressão e uma pandemia gripal. A boa-venturança só retornou na década de 1970. Desde a ampliação da metalurgia, os produtos primários minerais passaram a ser um componente principal no mundo e, especialmente, no moderno, juntamente, com as commodities agrícolas. Entre os bens minerais, merece destaque na atualidade os combustíveis minerais (Fig. 7), enquanto os metais preciosos constituem uma diminuta parte do comércio internacional, mas extremamente importante para os mercados da joalheria, de componentes eletrônicos (Friedman 1990; Wanderley 2015). O processo de desvinculação do ouro como lastro monetário iniciado em 1971, trouxe volatilidade para o ouro afetando diretamente os preços do metal (IMF 1973). Desde então, o ouro passou a ser negociado em bolsas de mercadorias e futuros como um investimento contra o risco cambial. Essas mudanças tiveram reflexo na geopolítica, pois o ouro tornara-se parte do mercado global de commodities, não apenas um bem estratégico de financiamento estatal. Muito embora em muitos países, a sua extração ainda é feita em regime de monopólio (p.ex., Venezuela, Bolívia).
A partir de 1980 até o fim do século XX, o ouro mercadoria era utilizado principalmente na joalheria. Os lucros exorbitantes auferidos com o metal e as altas taxas de inflação transformaram o metal num ativo financeiro para a proteção de risco (hedge) devido sua estabilidade e como fundos de índices (ETFs – Exchange Traded Funds), um meio fácil de exposição aos preços do ouro sem a inconveniência de estocar as barras auríferas. Com o boom das commodities no início dos anos 2000 (ver Fig. 9 e 10), principalmente, pela demanda da Índia e da China. Mas, estima-se que essa demanda nova não favoreceu as altas dos preços (Shafiee and Topal 2010). Atualmente, sugere-se que o motor de valorização do metal esteja ligado com múltiplas variáveis que reflete o curto e o longo-prazo na economia (Shafiee and Topal 2010; WGC 2022): a inflação (valor do dólar americano), a taxa de câmbio do dólar (relação inversamente proporcional), demanda mundial de joias e usos industriais, proteção da riqueza, investimentos e a produção do ouro. Todos esses fatores serão delineados em seção própria quando trataremos dos aspectos microeconômicos do ouro. Abaixo, a Tabela 1 apresenta os principais eventos ligados ao ouro.
Tabela 1: Principais eventos relacionados com o ouro entre 1972 a 2008 relacionando com os governos brasileiros e o PIB do Brasil (Fonte: Reuters, 2009 e dados deste informe).
A seção apresenta o quadro internacional do mercado de minerais, de metais precisos e do ouro. A ideia é visualizar como o ouro se comporta em todos estes mercados. Neste momento, usaremos apenas dados de produção de minério como vetor de informação à análise da demanda do metal precioso, do tamanho do mercado e do estabelecimento de seu movimento ascendente ou descendente.
Após a paralisia das cadeias de suprimentos provocada pelo pico da pandemia de Covid-19 entre 2020 a 2021, o desafio em 2022 deslocou-se para a guerra na Ucrânia (World Bank Group 2022). O relatório do Banco Mundial prevê a alta de diversas commodities na esteira desses acontecimentos de escala mundial pelo choque de demanda combinada com a fraca produtividade de commodities pelo baixo nível de investimento nos últimos anos como se observa pela tendência de queda entre 2012 a 2020. Exemplos dessas altas, veremos na elevação dos preços do barril do petróleo (Brent) de 42%, aumento da energia de 20%, aumento do trigo em 40% com atingimento do pico histórico (Fig. 7).
Figura 7: Variação dos preços de commodities selecionadas: agricultura, alimentos, energia, fertilizantes, metais base e metais preciosos. Os valores são apresentados como índices cujo ano-base corresponde ao ano de 2010 (Fonte: Banco Mundial).
O índice de preços de minerais, que relaciona os metais base produzido pelo Banco Mundial, alcançou 13% no início de 2022, entre as maiores altas estão níquel, alumínio e zinco. Enquanto o índice de metais preciosos da mesma instituição aumentou apenas 4% no mesmo período impulsionado pela alta demanda em investimentos para proteção da inflação e para proteção de risco, principalmente, relacionado com a guerra na Ucrânia (World Bank Group 2022).
O mercado de metais preciosos é agrupado em cinco categorias: combustívies minerais (86,1%), Ferro e Merais Ferrosos (8,86%), Minerais Industriais (4,45%), Metais Não Ferrosos (0,572%) e Metais preciosos (0,000176%) (Fig. 8). Para melhor visualização do volume de metais preciosos e de ouro minerados anualmente apresentamos um exemplo. Como exemplo, temos que de cada tonelada de minério produzido ao ano apenas 1,76 gramas seriam de metais preciosos, mas 10,8% dessa massa corresponderiam a ouro ou 0,19 gramas (Fig. 9).
Figura 8: Distribuição das cinco categorias de tipologias de minério para o ano de 2019 (Fonte: World Mining Data).
Figura 9: Distribuição dos elementos que compõem os metais preciosos nesta análise: ouro, prata, EGP (platina, ródio e paládio) em quilograma (Fonte: World Mining Data para 2020).
O negócio de metais preciosos vai muito bem como observado pela curva de produção total mundial de metais preciosa representada pelo compósito delineado pela curva da figura 10. Essa curva corresponde a soma das produções de prata (87,9%), ouro (10,8%) e EGP (Elementos do Grupo da Platina) (1,3%) cuja proporção destes elementos é apresentada na figura 9. O somatório destes elementos alcançou ca. 14 Kt em 1984 e 31,5 Kt em 2019 (Fig. 10). O dado da World Mining Data mostra uma escalada de produção de 225% em 35 ano. Isso equivale a uma taxa de crescimento de 6,43% a.a.. Com essa taxa de crescimento anual, o mercado de metais preciosos dobra de tamanha a aproximadamente 11 anos. Assim, podemos estimar que este mercado corresponde a ciclos decadenciais.
Figura 10: Produção mundial de metais preciosos para o período entre 1984 a 2019 (Fonte: World Mining Data).
O ouro acompanha a tendência de crescimento dos metais preciosos como se observa na figura 11 que apresenta sua produção histórica mundial entre 1681 a 2020, e para diversos outros países selecionados. Nota-se neste mercado a tendência de alta desde o final do século XIX, mesma época em que a moeda era lastreada em ouro. Muito embora o fim do lastro da moeda tenha se encerra em 1971 (veja pico no gráfico) a demanda por ouro continuou por diversos outros fatores, pois as utilidades do ouro se diversificaram num mundo cada vez mais globalizado. A produção mundial variou de 106 toneladas em 1850 a 3.478 toneladas em 2020, o que equivale a uma evolução de aproximados 3.281% em 170 anos (vide Tabela 2). Isso corresponde a uma taxa de crescimento de 19% a.a.. Com este crescimento, o mercado do ouro dobra de tamanho a cada 3,6 anos.
Tabela 2: Visualização da produção histórica de ouro entre 1681 a 2020. (Dado: Our World in Data).
A partir das taxas de crescimento apresentadas, deduzimos que o mercado do ouro é mais dinâmico e volátil dentre os metais preciosos, porquanto mais suscetível a variáveis diversas. O pico histórico de produção foi atingido em 2018 com 3.652,8 toneladas de ouro. Mas em 2020, o mercado esteve em tendência de queda. Parte disso seja derivado da pandemia de Covid-19 que se iniciou no mesmo ano e afetou as cadeias de produções mundiais.
A produção histórica mundial destacada pela curva “Mundo” da figura 11 correlaciona-se com diversos eventos históricos, alguns deles, compilados na Tabela 1. Entre os países selecionados para comparação na mesma figura, destacamos a China que até 1976 produzia 3 toneladas de ouro, muito similar ao Brasil que, na mesma época, produziu 5 toneladas do metal precioso. A partir de então, o país asiático aumentou sua produção exponencialmente. Ultrapassou o Chile em 1977, o Brasil em 1990, o Canadá em 1997, os EUA em 2006 e a Austrália em 2007. Hoje, é o país que mais produz ouro no mundo (veja Tabela 4 e Figura 13).
Figura 11: Distribuição da produção histórica de ouro entre 1681 a 2020. (Fonte: Our World in Data e World Gold Counsil).
O mercado do ouro vive, desde o início do século XX, estabelecendo altas recordes. Mas em quais partes do mundo há a maior e a menor produção? Isso é explicado pela figura 10 e 11 que identifica a produção aurífera mundial e em relação às regiões mundiais da última década respectivamente e a Tabela 3 apresenta a média de produção para cada uma dessas regiões.
Embora a China seja o maior produtor de ouro mundial (Tabela 4 e Figura 12), é o continente africano que produz a maior parte do ouro do mundo com 930 toneladas de ouro (t Au) em 2020 e média de 798 t Au no período de 2010 a 2020, o que representa 24% da produção mundial, e corresponde a uma taxa de crescimento de 49,73%. A segunda maior produção foi da Ásia para o decênio 2010 – 2020 com pico de produção de 722 t Au em 2015. Desde então, a produção dos países asiáticos decaiu com uma taxa de crescimento de 0,91% para o período. No intervalo temporal, a Ásia produziu 660,13 t Au (20%), mas uma axa de crescimento de 0,91%. Em terceiro lugar, a América do Central e Sul com uma produção de 549,44 t Au (16,6%), todavia, essa região do mundo é a única com taxa de crescimento negativa, muito disso, atribuída à pandemia de Covid-19. Em quarto lugar está a América do Norte com uma produção de 479,69 t Au (14,5%) e uma taxa de crescimento de 12,23%. Em quinto lugar, os Estados Independentes com uma produção de 435,04 t Au (13,2%) e uma expressiva taxa de crescimento de 68,65%. Em último lugar, a Europa produziu apenas 25,9 t Au (0,8%), mas é o continente com maior taxa de crescimento com 110,8%. Para melhor visualização da evolução da produção e da taxa de crescimento visualize o gráfico da Figura 12 em conjunto com a Tabela 3.
Figura 12: Produção de ouro total nas regiões mundiais. Estados Independentes referem-se aos países formados após a dissolução da ex-União Soviética (p.ex., Rússia, Uzbequistão, Cazaquistão, Ucrânia, Quirguistão, outros) (Fonte: World Gold Counsil).
A produção de ouro está relacionada ao PIB e à PPC dos países listados na Tabela 4 e Figura 13. Foram escolhidos para essa análise, os dez países com maior produção aurífera junto com os produtores da América Latina. O intuito é observar a posição do Brasil no mundo e na América Latina. No gráfico podemos discriminar agrupamentos de países com características similares dessas variáveis. Em geral, observamos que quanto maior a produção de ouro de país, maior o PIB e a PPC. A partir deste gráfico podemos discriminar quatro agrupamentos de países.
Tabela 3: Média da produção das regiões mundiais (toneladas métricas), proporção de cada região na produção mundial (%), produção acumulada (%) e taxa de crescimento (%) do período entre 2010 a 2020. Dados da figura 11 ordenados pela proporção de produção de ouro.
A Tabela 4 apresenta a lista com os países produtores de ouro juntamente com dados de reserva bancárias de ouro, PIB (Produto Interno Bruto) e PPC (Paridade de Poder do Compra). Os dez maiores produtores são China, Rússia, EUA, Canadá, Gana e Brasil, México, Uzbequistão e Indonésia.
O primeiro grupo de países é formado pelos gigantes econômicos correspondendo aos maiores PIB (acima de US$ 10 trilhões) e PPC (acima de US$ 20 trilhões) como os EUA e a China, mas são divergentes quanto à produção de ouro (200 – 400 t Au), maior no gigante asiático com cerca de 370 toneladas de ouro (t Au) em 2020.
O segundo agrupamento compreende os países com economia intermediária com PIB entre US$ 1 a 1,5 trilhões e produção de ouro entre 100 a 300 t Au. Neste grupo encontramos o Brasil em estreita relação com o México nas três variáveis analisadas, o Canadá em posição intermediária em termos de produção aurífera e a Rússia e Austrália no mesmo patamar de produção de ouro (ca. 300 t Au), todavia, a Rússia apresenta maior PPC.
Tabela 4: Dados dos países produtores de ouro. Os países foram classificados com relação à produção aurífera para o anos de 2020, exceto Venezuela (2017); Reservas compreende a diferença entre as reservas com ouro daquelas sem ouro (US$ Bilhões); PIB: Produto Interno Bruto (US$ Bilhões) e PPC: Paridade Poder de Compra (US$ Bilhões).
O terceiro grupo de países compreende as pequenas economias, correspondendo aos países com PIB entre US$ 60 a 500 bilhões e produção de ouro inferior a 150 t Au. Importante observar que o Peru, embora seja o maior produtor de ouro da América Latina, em 2020 ficou abaixo do Brasil e do México. Entram neste grupo os países da América Latina junto com Uzbequistão (102 t Au) e Gana (140 t Au).
O quarto e último agrupamento são formados pelos países periféricos da América Latina, Nicarágua e Suriname. São aqueles com PIB menor que US$ 12 Bilhões e PPC menor que US$ 40 bilhões e produção aurífera não superior a 30 t Au.
Figura 13: Relação entre a produção de ouro e o PIB dos dez países com a maior produção de ouro (veja tabela 4) junto com os países do bloco da América do Sul e Central para o ano de 2020 (Fonte: World Gold Counsil e Banco Mundial).
Noutro arranjo, a relação entre as reservas de ouro dos bancos centrais dos países com relação ao PIB e ao PPC (Fig. 14), vê-se uma ordem diferente de agrupamento entre os países. Nota-se que a diferenciação dos países pelas reservas auríferas ocorre por uma divisão abrupta de valores. Problema resolvido pondo a escala vertical em logaritmos.
Os países com maiores reservas de ouro em seus bancos centrais são EUA (US$ 455 bilhões), Rússia (US$ 140 bilhões) e China (US$ 119 bilhões), como também são os que apresentam os maiores valores de PPC. Eles formam um gap abrupto com o Uzbequistão (US$ 20 bilhões), que, por conseguinte, distancia-se do agrupamento seguinte composto por México (US$ 7 bilhões), Venezuela (US$ 6,7 bilhões), Brasil (US$ 4 bilhões), Austrália (US$ 3 bilhões) e Argentina (US$ 3 bilhões). As reservas auríferas desses países estão próximas do Peru (US$ 2 bilhões) e Equador (US$ 1 bilhão). Países com reservas de ouro abaixo de um bilhão de dólares são representados por Gana, Colômbia, Suriname, República Dominicana e Chile.
A partir das relações lineares entre reservas de ouro, produção, PIB e PPC concluímos que ocorre uma relação linear positiva entre todas essas variáveis. No caso apresentado foram selecionados apenas os países produtores de ouro, portanto, a escala de produção é linear (Fig. 13), o que não ocorre com as reservas de ouro destes países que apresenta um forte gap entre o grupo formado por Rússia, EUA e China e o resto do mundo (Fig. 14). Neste contexto, o Brasil ocorre como uma economia média, ora similar ao México em termos de PIB e produção de ouro, ora similar a Austrália em relação ao PIB e às reservas auríferas dos bancos centrais. Isso mostra que em relação aos países produtores de ouro, o Brasil ainda possui espaço para o crescimento de sua economia mineral.
Figura 14: Relação entre das reservas de ouro e o PIB dos dez países com a maior produção de ouro (veja tabela 4) junto com os países do bloco da América do Sul e Central para o ano de 2020 (Fonte: World Gold Counsil e Banco Mundial).
Na América Latina, Brasil (22%), Peru (20%), Colômbia (11%) e Chile (7%) são os maiores produtores de ouro para 2020 (Fig. 15, selecione na legenda do gráfico os países destacados). Enquanto o Peru reduz sua produção de 184 t Au em 2010 para 98 t Au em 2020, representando uma queda de 53%, o Brasil aumentou sua produção em uma taxa anual de 15% a.a.. Colômbia e Chile oscilam entre altas e baixas, mas sempre em um patamar não superior a 57 t Au.
Figura 15: Produção de ouro total na América Latina no último decênio. (Fonte: World Gold Counsil).
Após sabermos quais são os principais países produtores de ouro na América Latina, faz-se necessário entender sua produção e desenvolvimento econômico no decênio 2010-2020. Essa relação entre produção e crescimento econômico evidencia-se na figura 16. O eixo y dessa figura apresenta a produção aurífera para Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela em forma de índice cujo ano-base refere-se ao ano de 2010 (2010 = índice 1). Todas as ocorrências acima de 1 mostram aumentos da produção de ouro, pontos abaixo são declínios produtivos. Observa-se que na América Latina, os países formam dois agrupamentos. O primeiro é formado pela Venezuela, Argentina, Chile, Colômbia e Brasil e o outro apenas pelo Peru. Do primeiro agrupamento percebemos uma forte similaridade de produção entre Venezuela, Chile e Colômbia e Argentina. O Brasil destaca-se pelo seu expressivo aumento de produtividade ao contrário da Argentina que declina a cada ano (observe as figura 15 e 16 em conjunto). A partir do segundo agrupamento, Peru, embora tenha a maior produção do continente, encontra-se em franco declínio de sua produção para o período analisado. Especula-se que essa queda produtiva peruana tenha ocorrido em função da Covid-19 (Benites and Bebbington 2020).
Figura 16: Dispersão entre Índice (ano-base = 2010) e produção de ouro (toneladas métricas). Valores acima de 1 mostram crescimento produtivo e abaixo de 1 queda produtiva (Fonte: World Gold Counsil).
Neste ponto, apresentamos a estrutura do mercado de ouro global objetivando destacar a relação entre a oferta e a demanda pelo metal precioso. Além disso, discorrer sobre as flutuações das cotações para o estabelecimento de marcos de valor para tomadas de decisões, sejam ligadas à exploração mineral, ao hedge ou ao investimento.
O ouro difere da maior parte dos bem minerais que são negociados em bolsas de valores, pois, quando usado como instrumento financeiro, tem seu valor elevado em tempos de crises. O exemplo disso ocorreu na mais recente crise financeira global dos Subprimes de 2008, quando os preços elevaram-se 6% enquanto a maior parte das commodities minerais desvalorizava-se em cerca de 40% (Shafiee and Topal 2010).
Do ponto de vista da oferta o dado decompõe-se na soma da produção mineira7 (média de 3.300 t Au), da produção líquida de hedge8 (média de -7,91 t Au) e da quantidade de ouro reciclado9 (média de 1.300 t Au), o qual pode ser obtido a partir da conversão de joias ou de equipamento eletrônicos, ou seja, oriundo da demanda (Tabela 5).
Tabela 5: Dados de oferta de ouro entre 2010 - 2021 em toneladas métricas. PLH: produção líquida de hedge (Fonte: World Gold Counsil).
Do lado da demanda, o ouro apresenta diversos usos discriminados na Tabela 6. Enquanto suas variações temporais dos principais tipos demandados são apresentadas na Figura 17. Joalheria é a maior demanda de ouro com uma média de 2.200 t Au no período analisado e apresenta pouca oscilação no período com um aumento em sua demanda de 8,4%. A segunda maior demanda vem de investimentos financeiros (p.ex., barras, moedas e ETFs) com média de 1.300 t Au, mas apresentou uma queda considerável desde 2010 de 1.600 t Au para 1.000 t Au em 2021, o que representa uma queda de 37%. Os bancos centrais estão em terceiro lugar com média de 470 t Au e apresentam uma tendência inversa a dos investimentos, pois sua procura cresceu de 80 t Au em 2010 para 455 t Au em 2021, uma alta de 469%. Enquanto, o setor de tecnologia com média de 350 t Au, em quarto lugar, declina sua demanda linearmente desde 2010, estabilizando-se em 2016. Para todo o período analisado esse setor atingiu o declínio de -28%.
Tabela 6: Discriminação da demanda total por ouro entre 2010 a 2021 (Fonte: World Gold Counsil).
Figura 17: Principais demandas de ouro ao longo de 2010 a 2021 (Fonte: World Gold Counsil).
Do ponto de vista da relação entre as curvas de oferta e da demanda (Fig. 18), a oferta dada pela produção mineira de ouro não atende sozinha a demanda global pelo metal nobre. A partir dos dados apresentados pelas Tabelas 4 e 5 (World Gold Counsil), isso só ocorreria com a oferta sendo suprida por outra fonte de oferta como o ouro reciclado a partir de joias e das reservas dos bancos centrais como demonstrado pela linha azul da figura 18. Por exemplo, compare a produção mineira da figura 18 com a da figura 11 (aplique o zoom no intervalo de 2010 a 2020), que corresponde ao período de maior produção mundial de ouro da história da humanidade cujo pico histórico foi atingido em 2018 com uma produção aproximada de 3.650 t Au.
Para Shafiee and Topal (2010) as flutuações dos preços do ouro variam de acordo com a produção e o valor dos seus estoques de país para país e de mina pata mina numa relação de aproximação e afastamento dessa oferta da curva da demanda. Em geral, o movimento pode ser idealizado em termos de curto e longo prazo cuja idealização econômica para o Brasil é apresentada na figura 27 ao final do capítulo.
No curto prazo, são dois os principais fatores: o risco financeiro e a recessão. Os principais fatores de alta dos preços (hedge) e a desvalorização do dólar americano (USD) contra outras moedas junto com a inflação internacional e as altas dos preços do petróleo. Assim, o hedge funciona como uma compensação contra as oscilações de curto prazo contra as movimentações do dólar e da inflação.
O risco financeiro e o hedge relacionam-se à proteção de incertezas (“asset demand”), pois o ouro é considerado um estoque de valor (Aye, Chang, and Gupta 2016). A inflação é o maior risco que os investidores, os bancos e os governos desejam proteção (Shafiee and Topal 2010; Aye, Chang, and Gupta 2016). Para Beckmann and Czudaj (2013) e Tkacz (2007), a alta da inflação, a demanda por ouro sobre na mesma proporção, o que levará o metal nobre a se tornar um verdadeiro indicador de inflação. Em uma estrutura de proteção inflacionária atual e futura, implica no uso do ouro como hedge afetará tanto o preço de curto como o de longo prazo.
Figura 18: Relação entre Oferta (total e ouro minerado) e Demanda (total) (Fonte: World Gold Counsil).
No longo prazo, há três principais fatores que se relacionam a inelasticidade do ouro: produção mineira, ouro como ativo financeiro e o uso de ouro em ETFs.
Com relação à produção de ouro, a mesma é influenciada pelos (super) ciclos das commodities que pode variar de 10 a 35 anos segundo a teoria do economista Nikolai Kondratieff (veja a figura 7). Isso ocorre porque no setor mineral é normal um atraso entre e a oferta a demanda, já que pode levar 10 anos ou mais para pôr em produção uma mina de grande porte. Em matéria publicada pelo jornal Financial Times (FT), os economistas identificam quatro ciclos desde a década de 1880. O primeiro ciclo ocorreu até 1930 com o rearmamento e reconstrução pós a Segunda Guerra Mundial. O terceiro ciclo período relaciona-se com o choque dos preços de petróleo na década de 1970, o que causou elevação generalizada das commodities e alta da inflação. O quarto ciclo é atribuído ao crescimento da China no final da década de 1990, o que proporcionou elevação generalizada das commodities, o que beneficiou diretamente o mercado brasileiro. A questão da atualidade é se vivermos um novo superciclo ou não. Segundo analistas da FT, não. Para eles, as commodities vivem apenas uma recuperação de seus preços, não um superciclo. Além de a produção mineira ser influenciada por uma alta demanda, há também questões intrínsecas ligadas à lavra do metal como o aumento crescente dos custos de mineração, a decadência da exploração mineral e as dificuldades, cada vez maiores, de descobertas de depósitos minerais (Shafiee and Topal 2010).
Do ponto de vista do longo prazo, o ouro como ativo financeiro relaciona-se com as expectativas futuras da inflação e dos riscos do mercado (p.ex., guerras). Este fator de influencia nos preços do ouro também se relaciona com o consumo do ouro em ETFs. Os ETFs surgiram no mundo das finanças como um meio de diversificação do portfólio a um baixo custo no fim da década de 1990. No caso específico do ouro, este tipo de investimento divide-se em dois tipos, os “Gold ETFs” e “Gold Future”. O primeiro tipo é negociado similarmente às ações de bolsa de valores, e tornou-se um investimento muito popular, pois permitiram aos pequenos investidores se exponham ao ouro por meio de pequenos investimentos. O outro tipo trata de contratos futuros de compra e venda de ouro. No mercado brasileiro, a B3 negocia ETFs de ouro conhecido pelo código GOLD11, um Fundo de Índice. A figura 19 apresenta os retornos da ETF brasileira ao longo de um ano contra dois benchmarks: CDI e Ibovespa. Observa-se que o fundo historicamente perde do CDI, mas ganha da bolsa de valores. Globalmente, a demanda de Gold ETFs registrou um aumento de 269 t de ouro para o primeiro quadrimestre de 2022 (WGC 2022).
Figura 19: Gráfico de rentabilidade da ETF GOLD11 em azul contra as rentabilidades do CDI e do Ibovespa (Fonte: ANBIMA).
Os preços do ouro aumentaram 4,3% no primeiro quadrimestre de 2022 devido ao aumento da inflação e do risco geopolítico, maior do que o impacto das altas das taxas de juros nas economias avançadas (p.ex., EUA). Com o aumento dos riscos mundiais, os investidores aumentaram a demanda por ETFs para proteção. Mas, posteriormente, recuaram com o aumento da taxa de juros estadunidense (FED), porque numa política monetária restritiva o aumento da taxa de juros retira dinheiro da economia, o que diminuirá os investimentos com o intuito de redução da inflação. Na ponta de risco global, a guerra na Ucrânia tem impacto direto na produção de ouro e, consequentemente, em seu preço, pois a produção aurífera da Rússia equivale a 10% da produção mundial (Fig. 20).
Figura 20: Preços de ouro em USD / onça troy para o período entre 1968 a 2022 (Fonte: NASDAQ).
A WGC (2022) estima que em 2023, o preço do ouro cairá cerca de 10%, mesmo com o grande aumento de demanda dos bancos centrais de 469% e dos investimentos em ETF. Isso porque as políticas monetárias de aumento das taxas de juros das principais economias mundiais em conjunto com os riscos de guerra são movimentos mais fortes. Especificamente, a ameaça de venda de ouro pela Rússia. No caso, o segundo país com as maiores reservas auríferas (140 t Au, veja a figura 14) em seu banco central, pois esse país poderia vender suas reservas no mercado para se financiar em função das restrições impostas ao país devido à guerra contra a Ucrânia.
No Brasil, o ouro juntamente com alumínio, cobre, ferro, grafita, manganês, nióbio e urânio, é classificado como um bem mineral que detêm vantagens comparativas e que são essenciais para a economia pela geração de superávit da balança comercial do País (MME / Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral: Resolução nº 2, de 18 de junho de 2021).
Em termos de reservas minerais10, o Brasil está na sexta posição mundial com 2.400 toneladas de ouro in place equivalente a 4,44% das reservas mundiais(Tabela 7). Considerando uma produção de 107,01 toneladas por ano e não havendo novas descobertas, as reservas brasileiras durariam cerca de 22 anos, ou seja, os depósitos se exauririam em 2052. A figura 21 apresenta as curvas de exaustão para os países listados na tabela 7.
Tabela 7: Reservas minerais mundiais de ouro junto com a produção anual em 2022 e a exaustão esperada dos depósitos em anos. A soma total de ouro mundial é considerada como 54.000 t Au (Fonte: USGS).
De um modo geral, percebemos a partir da figura 21 e dos dados da Tabela 7 que o tempo de exaustão das reservas auríferas dos principais produtores de ouro mundiais, considerando a atual produção de ouro de 2022, agrupa-se até o ano de 2038. Neste contexto, o Brasil, com estimativa de exaustão para 2052, encontra-se a meio termo entres aqueles países e os com altas reservas como Austrália e África do Sul. Entre todos estes países, o Brasil assemelham-se à Indonésia, Rússia e Peru. Nota-se, portanto, que a maior parte dos países apresenta uma taxa de exaustão com inclinação similar, os mais destoantes são Austrália e África do Sul.
Figura 21: Curvas de exaustão para os principais produtores de ouro mundiais. A inclinação da curva corresponde à relação entre produção anual e as reservas, quanto mais inclinada à curva, maior a produção em relação às reservas como no caso da Austrália (Fonte: USGS).
Nesta seção avaliamos em detalhes a estrutura da produção mineral brasileira de ouro nacional junto com o potencial arrecadatório da atividade mineira. Todos os dados apresentados foram obtidos do Relatório Anual de Lavra (RAL) da Agencia Nacional de Mineração (ANM) de acesso público. A partir destes, inicialmente, apresentamos a produção bruta e de concentrado de ouro e, ainda, a dimensão do mercado de ouro no cenário nacional. Em seguida, analisaremos a arrecadação da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral) obtida dessa commodity. Assim, por meio do valor arrecadado da compensação financeira, é possível indicar o valor que a exploração de ouro pode gerar para os entes federativos e, indiretamente, apontar as províncias minerais com maior potencial mineral para geração de renda.
O Brasil é produtor essencialmente de minérios metálicos e não metálicos. O ouro é classificado no primeiro tipo, objetivo de nossa análise. A figura 22 apresenta a produção bruta de minério para todas as classes de minérios com o intuito de comparação. Observe que a produção de metálicos alcançou o pico em 2015 quando sua produção atingiu o valor de 440 Mt de ROM, e declínio para 324 Mt em 2020, parte disso, em função da pandemia de Covid-19.
Figura 22: Produção bruta de minério discriminado por classes minerais (toneladas de ROM). (Fonte: ANM).
Na classe dos metálicos, o minério de ferro é o predominante na economia mineral brasileira com 56,9% seguido por ouro com 14,6% (Fig. 23). Em relação aos estados brasileiros, a produção aurífera de concentrado entre 2010 a 2020 pode ser visualizada na figura 24. As maiores produções de concentrado de ouro em 2020: Minas Gerais (38,5 t), Pará (34 t), Mato Grosso (14,6 t), Goiás (14 t), Bahia (8 t), Maranhão (7 t), Amapá (4,5 t), Rondônia (1,4 t), Paraná (305 kg), Amazonas (108 kg) e Tocantins (7 kg). Observa-se também a formação de dois agrupamentos de estados produtores. O primeiro formado por Amapá, Bahia, Goiás, Maranhã, Minas Gerais, Mato Grosso e Pará e o segundo compreendendo Amazonas, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia e Tocantins.
Figura 23: Discriminação da classe de minérios metálicos. (Fonte: ANM).
O primeiro grupo é composto pelos estados tradicionalmente produtores de ouro cuja produção esteja acima de 500 kg de ouro ao ano (veja traço vermelho na figura 24 cuja escala está em logaritmos), enquanto o outro agrupamento são todos os estados com produção de concentrado abaixo disso. Os intervalos de produção também são mais estáveis no primeiro grupo como Minas Gerais que sempre apresentou alta produtividade, ao contrário do segundo agrupamento que apresenta amplitudes expressivas.
No contexto de produtividade, mais à frente, analisaremos se a produtividade nos estados brasileiros é função do tipo de depósito aurífero ou um atributo da gestão das empresas exploradoras.
Figura 24: Distribuição da produção de concentrado de ouro por estados entre 2010 a 2020. A escala vertical está em logaritmos (Fonte: ANM).
A CFEM é uma contraprestação pela utilização econômica dos recursos minerais dos entes federativos devida aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e aos órgãos da administração da União estabelecida pelo §1º, art. 20 da Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei 13.540 de dezembro de 2017.
A CFEM apresenta natureza de preço público ou tarifa e, portanto, não tributária. A sua arrecadação é de competência da ANM. O contribuinte compreende o titular do direito minerário que exerça a atividade mineira, o primeiro adquirente de bem mineral extraído sob o regime de permissão de lavra garimpeira, o adquirente de bens minerais arrematados em hasta pública e, todo aquele que exerça, a título oneroso ou gratuito, a atividade de exploração de recursos minerais com base em direitos do titular original.
Deve-se a CFEM quando ocorrer à primeira saída por venda do bem mineral sobre a receita bruta, deduzidos os tributos incidentes sobre a comercialização; no ato de arrematação de direitos minerário em hasta pública; na primeira aquisição de bem mineral extraído sob o regime de permissão de lavra garimpeira; no consumo do bem mineral sobre a receita bruta calculada considerando o preço corrente do bem mineral e na exportação sobre a receita calculada que considera como base de cálculo, no mínimo, o preço parâmetro definido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil normatizado pelo art. 19-A da Lei nº 9.430 de 27 de dezembro de 1996. As alíquotas de incidência da CFEM variam de 1% a 3,5%. Especificamente o ouro é majorado em 1,5%. Por fim, o valor da CFEM arrecada depende duas variáveis básicas: quantidade minerada (produção) e preço do minério no momento da operação.
A arrecadação da CFEM ouro equivale em média a 4% da arrecadação da CFEM total entre 2010 a 2022. Em toda a série histórica, a participação do ouro na arrecadação da CFEM aumenta linearmente. O valor médio para a participação do ouro na compensação financeira é principalmente sustentado pelo agrupamento de valores entre R$ 200 milhões do total contra R$ 8 milhões de ouro entre os anos de 2010 a 2017 (veja Fig. 25). A partir de 2018, a arrecadação da CFEM ouro atinge sequências de recordes até o pico histórico de R$ 45,46 milhões em janeiro de 2021. Mesmo ano em que a arrecadação do ouro estagnou-se num intervalo entre R$ 30 a 38 milhões, enquanto outros bens minerais aumentavam a arrecadação total.
Figura 25: Arrecadação da CFEM total vs. CFEM ouro entre 2010 a 2022 (Fonte: ANM).
Para compreendermos a disparada da arrecadação da compensação financeira relativa ao ouro é necessário avaliarmos se a mesma derivou da oferta (produtividade) ou da demanda (preço da commodity). Para desvendar tal origem, confeccionamos uma matriz de correlação entre quatro variáveis: CFEM total, CFEM ouro, Produção de concentrado de ouro e preço do ouro (Fig. 26). Por meio dela vemos que a CFEM total é fortemente correlacionada com a CFEM ouro, haja vista que o ouro faz parte do total e também se correlaciona positivamente com a quantidade de ouro produzido e com o preço do metal nobre, já que, indiretamente, essas variáveis impactam a arrecadação total da compensação financeira.
Figura 26: Matriz de correlação pelo método spearman para CFEM total, CFEM ouro, produção de ouro contido em toneladas e preço do ouro (Fonte: ANM e NASDAQ).
Na série histórica analisada, a CFEM ouro apresenta forte correlação positiva com a produção (0,76) e não com o preço (0,13), enviesando a ideia de que um crescimento por oferta e não por demanda. A correlação linear mostra apenas a relação entre as variáveis no cálculo da arrecadação da compensação financeira, ou seja, que base de cálculo (quantidade produzida) influencia mais o preço final do que o preço do ouro. Isso ocorre porque, em geral, a produção das minas e das lavras garimpeiras legalmente constituídas é relativamente mais estável do que o preço do ouro praticado no mercado internacional.
Figura 27: Idealização das curvas de demanda (curva azul) e de oferta (curva vermelha) para o mercado aurífero brasileiro. O eixo y representa os preços do ouro e o eixo x a quantidade produzida. Os “PEs – 1, 2 e 3” são os pontos de equilíbrios entre a oferta e a demanda nos diferentes contextos apresentados.
A situação econômica do aumento da arrecadação da CFEM ouro é ilustrada pela figura 27 pela relação entre as curvas da oferta e da demanda. De início, imagine um ponto de equilíbrio entre as forças da oferta e da demanda no ponto PE1 num dado preço (P1) e quantidade (Q1). Em seguida, imagine que estamos vivendo o momento de restrição dos preços do ouro no vale formado entre 2013 a 2018. Neste ponto, há a queda dos preços de P1 para P2 que desloca a curva da demanda de D1 para D2, o que gera a queda da demanda de Q1 para Q2, o que explica o vale de produção de ouro brasileiro na figura 11 e a baixa arrecadação da CFEM ouro no mesmo período como observamos na concentração de pontos da figura 25.
A partir de 2018, os preços do ouro saltam de US$ 1.185/oz troy para o pico de quase US$ 2.000/oz troy em 2020. Explicamos essa elevação dos preços pelo deslocamento da curva da demanda de D2 para D3 impulsionada pela elevação das cotações do ouro de P2 para P3, o que gerou aumento de renda, aumento da produção de ouro brasileiro e, por conseguinte, aumento da arrecadação da CFEM ouro causando o efeito espalhamento observado na figura 25, pois as elevações seguiram-se a momentos de queda causando as flutuações nos valores arrecadados (veja os gráficos de produção na Fig. 11 e de preços na Fig. 20).
O mercado de ouro brasileiro divide-se em dois tipos, nas pessoas jurídicas e físicas que negociam o ouro como mercadoria e nas instituições do mercado financeiro que o utilizam como ativo financeiro. A Tabela 8 apresenta os principais participantes legalizados do mercado aurífero brasileiro.
O ouro como mercadoria é negociado pelas mineradoras, pelas diversas pessoas jurídicas que exploram pequenas áreas e pelas pessoas físicas, que somados, representam 72,2% de todo o mercado. Neste relatório, consideramos que todos os envolvidos nesse mercado são detentores de direitos minerários. Desta porcentagem total, as mineradoras representam 65% do mercado de ouro do Brasil com um faturamento anual de aproximadamente R$ 18 bilhões em 2021, uma arrecadação de R$ 263 milhões em CFEM e uma produção estimada de 58,5 toneladas de ouro. São elas: Kinross, AngloGold, Yamana, Equinox, AngloGold, Jaguar, Great Panther, Aura Minerals, NX Gold e Serabi. Em seguida, temos as diversas pessoas jurídicas que totalizam 7% do todo. Elas faturaram cerca de R$ 2 bilhões em 2021 e arrecadaram R$ 30 milhões em CFEM, o que equivale em nossa análise um comércio de aproximadamente 6,5 toneladas de ouro no mesmo ano. As pessoas físicas representam apenas 0,045% de todo o mercado. Em 2021, elas faturaram R$ 12 milhões e arrecadaram R$ 180 mil em CFEM, isso tudo equivale a 41 Kg de ouro.
Tabela 8: Dados de faturamento na comercialização do ouro no Brasil. Para a quantidade de ouro minerado estimamos um preço do ouro de R$ 300/gramas (Fonte: ANM).
Do ponto de vista do ouro como ativo financeiro, temos as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) como o segundo maior player do mercado de ouro do Brasil. São elas: D’Gold, Parmetal, Fênix, Ouro Minas, Carol, Coluna, Patacão e Dillon. As DTVMs totalizam 28% do mercado brasileiro com base nisso faturaram R$ 1,7 bilhões e arrecadaram R$ 112 milhões em CFEM. Baseando-se nestes valores estimamos que a o setor financeiro movimentou cerca de 25 toneladas de ouro em 2021.
Finalmente, chegamos ao final do capítulo sobre a economia mineral do ouro, e nesta seção apresentamos os principais desafios do mercado aurífero brasileiro e, por fim, apresentamos nossas conclusões.
Os maiores desafios do setor mineral em relação ao ouro no Brasil foram destacados pela sociedade civil e dos diversos outros órgãos governamentais (Justo et al. 2020; Manzolli et al. 2021). A invasão de terras indígena por garimpeiros ilegais é a maior delas, principalmente, as tribos que habitam as maiores províncias auríferas brasileiras como no Tapajós no Cráton Amazônico. Segundo relatório da Febrageo (2020), os maiores riscos estão nas áreas de fronteira mineral como aquelas localizadas no Cráton Amazônico, mais especificamente, na região conhecida como “Cabeça do Cachorro”. Região agravada pelo sua localização em região de fronteira, pelo desflorestamento ilegal da vegetação, pela destruição da fauna, pela invasão de terras indígenas e pelo afastamento do poder estatal brasileiro.
Outro estudo feito em conjunto entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), IBAMA, ICMBio e Ministério Público Federal (Manzolli et al. 2021) também destacam os crimes cometidos pelo avanço do garimpo ilegal em terras indígenas e, complementa a análise relacionando a compra e a venda de ouro com os crimes ambientais nessas regiões. Em números, os autores do estudo afirmam que 49 toneladas de ouro se originam da prática ilegal. Das áreas ilegais, 13% dos requerimentos nunca foram explorados, portanto, classificados como “títulos minerários fantasmas” e que 87% das áreas legais são exploradas além dos limites permitidos pela ANM. Os autores contabilizam um prejuízo socioambiental de R$ 31,4 bilhões, o que equivale a 116% de todo o faturamento de ouro em 2021 (veja Tabela 8).
Concluímos o capítulo destacando que o ouro vive um momento de forte choque de demanda impulsionado por diversos fatores: inflação mundial, risco financeiro, proteção cambial, fortificação das reservas nos bancos centrais, o uso em joalheria e em ETFs. Nunca antes na história da humanidade o preço do ouro havia alcançado preços tão elevados, o que fez a demanda aumentar a produção do metal precioso na mesma proporção. Em meio a este alto nível de demanda, nem mesmo a pandemia global causada pelo Covid-19 impactou a produção brasileira elevando a arrecada de CFEM a níveis impressionantes (veja figura 16 e 25).
No Brasil, as áreas produtivas ainda continuam sendo as mesmas que foram descobertas no período colonial cujo ouro financiou a Revolução Industrial inglesa. Destacam-se entre elas, as províncias minerais hospedeiras de greenstone belts como em Minas Gerais, Goiás, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Amapá. Desde o século XX, a região do Cráton Amazônico despontou como fronteira mineral, onde muitas empresas fizeram descobertas importantes, p.ex., Oz Minerals (OZ Minerals Limited 2020). Mas, para o Brasil chegar a um nível de excelência neste setor tão lucrativo será preciso controlar a ação criminosa que acorre justamente nas porções mais promissoras para a expansão do comércio aurífero brasileiro.
Marco = 8 onças (~230 gramas) = 64 oitavas.↩︎
Oitvavas: corresponde à oitava parte da onça, se uma onça = 28,3495 g, uma oitava será 3,543 g↩︎
O açúcar era vendido por meio de leilão de contratos.↩︎
Kt: milhares de toneladas.↩︎
Mt: milhões de toneladas.↩︎
IEA-SP: Instituto de Economia Agrícola de São Paulo.↩︎
Produção Mineira Mundial: O volume (em peso fino) de ouro extraído globalmente. Isso inclui uma estimativa para o ouro produzido como resultado da mineração artesanal e de pequena escala (ASM), que é amplamente informal (Dado da WGC).↩︎
PLH: Mede o impacto no mercado físico das vendas a prazo de ouro das mineradoras, empréstimos e posições de opções. O hedge acelera a venda de ouro, uma transação que libera ouro (de estoques existentes) para o mercado. Com o tempo, a atividade de hedge não gerar um aumento líquido na oferta de ouro. “De-hedge” – o processo de fechamento de posições cobertas – tem o impacto oposto e reduzirá a quantidade de ouro disponível para o mercado em um determinado trimestre (Dado da WGC).↩︎
Ouro Reciclado: Ouro proveniente de produtos fabricados que foram vendidos ou prontos para venda, que é refinado de volta em barras. Isso se refere especificamente ao ouro vendido por dinheiro. Não inclui ouro trocado por outros produtos de ouro (por exemplo, por consumidores em joalherias) ou sucata de processo (ouro de trabalho que nunca se torna parte de um produto fabricado, mas retorna como sucata a um refinador). A grande maioria – cerca de 90% – do ouro reciclado é ouro de alto valor (principalmente joias) e o restante é ouro recuperado de resíduos industriais, incluindo laptops, telefones celulares, placas de circuito etc. Para obter mais detalhes sobre reciclagem, consulte The Ups e Downs of Gold Recycling, Boston (Dado da WGC). Consulting Group e World Gold Council, março de 2015.↩︎
Reservas indicadas de ouro.↩︎