Precisamos começar a ver as políticas sociais sob outra perspectiva, tanto sua criação, quanto seu sentido. Sem desconsiderar os estudos anteriores tão importantes para a continuação e atualização de sua ideologia, mas de maneira crítica a tal, visto que nenhum pensamento é absoluto e interpretações distintas são válidas para a fomentação do debate. A questão aqui deixa de ser então as suposições do posicionamento de Marx sobre a utilização das políticas sociais, e sim como podemos usufruir de sua teoria para adicionar a esse debate. Em que momento histórico as relações de classe começam a se entrelaçar com as políticas sociais e como reconstruir esse conceito por um viés marxista.
Para isso é necessário desvincular-se de estigmas muito comuns que repercutem quando damos início a esse debate. Não vale apegar-se a reducionismos que fomentem visões dicotômicas entre economia e política ou Estado e sociedade, tampouco cabe aqui ideias maniqueístas entre burguesia e classe trabalhadora. Necessita-se ter uma visão mais totalizadora e abrangente de leitura e interpretação, que busca agregar concepções que perpassam certo fenômeno social.
Nesse sentido, reconstruiremos em parte o conceito de políticas sociais antes abordado, sem desvinculá-lo de sua origem. Contaremos com a complexidade de agentes como a política, a economia, as classes sociais e as forças sociais, para entender sua funcionalidade e sua introdução frente a história desses mecanismos. Sobre essa lógica, a tradição marxista visualiza a burguesia através de sua ação da forma de produção e reprodução e, por conta disso, como as relações sociais fomentam a desigualdade social.
Assim, desvendaremos como, ao longo do século XX mudanças no âmbito social e econômico incentivaram o pensamento, com certa desconfiança, das políticas sociais e qual o seu real propósito, onde dentro de todo esses jogos políticos pode-se tirar proveito, se é que em algum momento isso faz sentido. Partiremos do fundamento keynesianista de que o Estado amplia sua função, apropriando-se das questões sociais através de regulamentações, o que não elimina a lógica de produção e reprodução criticada por Marx. E ainda, como a ideia de Keynes de quebrar esse anti ciclismo econômico, em decorrência de crises podem contribuir no fomento dessas políticas.
Visto que o capitalismo se beneficia por meio da obtenção de lucro, ou seja, através da busca pela mais-valia (Marx, 1988), essa apropriação é presente em diferentes contextos históricos e teve graus e níveis de desenvolvimento diferentes. Antes mesmo das políticas sociais entrarem nesse meio, podemos visualizar cada modo de produção capitalista: o capitalismo concorrencial (século XIX), o imperialismo clássico (fins do século XIX até a Segunda Guerra Mundial) e o capitalismo tardio (pós-1945 até os dias de hoje) (Behring, 2008, 17).
Por volta do período da Grande Depressão, as políticas sociais começaram a ter mais força, justamente pela instalação dessa fragilidade do cenário vigente, e crescem ainda mais no pós Segunda Guerra Mundial até a década de 60. Nesse mesmo contexto, o capitalismo começa a ganhar forças e a mais-valia se intensifica, o que implica na piora da vida dos operários. Entretanto, com tamanhos obstáculos, a ideia keynesiana de pleno emprego ganha certa notoriedade, junto a isso, a pressão do movimento operário conquista a baixa das taxas de mais-valia. Por conta de uma soma de fatores de produção há uma estagnação do emprego e da produtividade, o capitalismo ameaça uma nova crise, porém com as ideias intervencionistas keynesianas, consegue amortecer-la aumentando de novo as taxas de lucro. Entretanto tais políticas geraram consequências como um “mar de dívidas”, a crise fiscal e a inflação. A política social entra nesse contexto a medida que se torna imprescindível, dentro desse cenário tão caótico e preocupante, à vida de milhões de famílias. Tal conquista só pode existir por uma movimentação dos trabalhadores pela articulação de seus direitos, visto que, para a burguesia o que estava em jogo no momento era a regulamentação do mercado.
Sequência-se com um cenário totalmente incentivador dos interesses de aceleração dos meios de produção e ao mesmo tempo da extensão da regulamentação, que gera, em parte, redistribuição de salário. Ou seja, com essa construção do capitalismo tardio e as crises das estratégias keynesianas, aumenta-se o desemprego estrutural, sendo imprescindível a maior atuação de políticas sociais, entretanto, a demanda por superlucros aponta para a diminuição do governo com gastos sociais.
Na tradição marxista, a política social no capitalismo pós 1945 serviu como uma das estratégias anticrise. Entretanto, não deveríamos restringir tal conceito a seguridade social, quando por exemplo falamos no contexto da guerra-fria com o inchamento dos orçamentos militares, e sim ampliá-lo para um conjunto de medidas econômicas/políticas tais como garantia de cestas básicas para a população de baixa renda, compra de equipamentos de consumo coletivo, dentre outras inúmeras medidas (Faleiros, 1980 e 1986; e Aglietta, 1991).
A política social está, portanto, no centro do embate econômico e político deste fim de século. Seguindo o viés marxisma devemos analisar contextos fora da ideia da quebra anticíclica de Keynes e abrir para os pontos onde a luta operária se fez presente, superando o discurso de caridade e beneficiência da burguesia. O movimento operário conquistou e impôs seus direitos e princípios. Os seguros sociais garantiram trabalho com salários correntes e para além da segurança, houve sim uma certa distribuição de renda horizontal, como visto antes, através da “implementação de sistemas nacionais de seguridade com contribuição tripartite (usualmente), tomando emprestado as enormes somas disponibilizadas por esses mecanismos de poupança forçada” (Behring, 2013, 19).
Portanto, as políticas sociais não compactuam com o capitalismo e sim com uma verdadeira distribuição de renda e riqueza. Ela pode se fazer ao contraponto do modelo keynesiano. Não dá para reduzi-la só por ter sido introduzida ao capitalismo, nem a ser de dominância de interesses burgueses, é preciso vê-la como meio também econômico dada a escassez de recursos. Nas palavras de Elaine Rossetti Behring
“Constata-se, que a política social - que atende às necessidades do capital e, também, do trabalho, já que para muitos trata-se de uma questão de sobrevivência - configura-se, no contexto da estagnação, como um terreno importante da luta de classes: da defesa de condições dignas de existência, face ao recrudescimento da ofensiva capitalista em termos do corte de recursos públicos para a reprodução da força de trabalho.”
Concluímos então que a tradição marxista proporciona argumentos sobre a explicação do significado social na dinâmica da produção e reprodução das relações sociais em todas as esferas do capitalismo. “A crítica da economia política marxista é, na verdade, referência imprescindível, embora não absoluta, para enfrentar os desafios postos pela realidade complexa e instigante do nosso tempo. “ (Behring, 2013, 25).