Introdução

Além de indicar os hits de cada dia, o que as paradas do Spotify podem revelar? Como jornalista de música, sempre tento entender o sobe e desce diário deste ranking. Resolvi procurar mais: compilar as listas e procurar tendências maiores.

Com isso, descobri um “hit secreto” que nunca foi número 1, entendi mais do gosto dos brasileiros ao longo do tempo e revi conceitos de “canção chiclete” e de domínio das paradas.

Juntei todas as listas de 200 músicas mais ouvidas por dia do Spotify no Brasil do início de 2017 até 13 de julho de 2020. A análise considera 33,2 bilhões(!) de audições individuais de 2720 músicas de 680 artistas nestes 1.289 dias.

Usei o R, linguagem de análise estatística e produção de gráficos. É o meu primeiro projeto neste programa, então tentei explorar bastante os dados e gráficos. Ainda há muito para explorar e aprender.

O início dos dados é janeiro de 2017 por limitação prática - o Spotify Charts não tem paradas anteriores. Mas este é o período mais significativo do serviço, quando ele se tornou mais relevante e popular no Brasil, como a própria análise indica.

Investiguei cinco perguntas abaixo usando estes dados. Você pode ver tudo em sequência abaixo ou clicar no menu à esquerda para ver cada uma.

1 - Qual é o maior hit do Spotify Brasil até hoje?

2 - Quem é o rei (ou rainha) do Spotify Brasil?

3 - Como as audições variam durante a semana?

4 - Quais são os estilos mais presentes nas paradas?

5 - Como as audições variam ao longo dos anos?

1 - Qual é o maior hit?

Streams em um dia

O primeiro ranking foi fácil - e teve resultado impressionante. Criei um gráfico com as maiores audições diárias de uma faixa no Brasil. Anitta foi campeã disparada. “Vai malandra” teve 12 dos 15 maiores audições diárias.


…na tabela

Para quem quiser ver mais sobre os recordes diários, também gerei a tabela abaixo com as 100 primeiras músicas neste quesito. Dá para navegar pelos nomes das faixas e também clicar nos botões abaixo da tabela para ver até o 100º lugar.


Mais tempo em 1º

Mas hit não é só a música tocada sem parar em um dia. Outras faixas ficaram por mais tempo no topo “Todo mundo vai sofrer” teve 90 dias de liderança.

Mas a verdadeira campeã é “Liberdade provisória”, que ficou por 98 dias, somadas a versão ao vivo e de estúdio (cada uma com 49 dias de liderança).


…na tabela

Também fiz a tabela ampliada com as 63 músicas que chegaram ao primeiro lugar desde 2017, organizadas por tempo de permanência.


Campeões de resistência

Em uma análise ampliada, o jogo vira de novo. Será que um hit também pode ser a música que nunca sai das paradas, mesmo fora do número 1? Neste caso, ninguém supera Believer, dos Imagine Dragons.

Ela foi lançada em fevereiro de 2017, chegou no máximo ao 30º lugar, mas aparece no top 200 do Spotify Brasil até hoje (!).


…na tabela

Aqui a tabela com as 100 campeãs de resistência nas paradas.


Mais streams no total

Para conciliar todos os quesitos, busquei a música com mais streams totais no período. Eu nunca adivinharia o hit campeão de streaming no top 200 do Brasil: “Lençol dobrado”, de João Gustavo e Murilo com o Analaga, projeto do produtor sertanejo Dudu Borges.

O mais surpreendente é que a faixa mais tocada no total nunca chegou ao número 1 da parada. O máximo foi o 2º lugar. Mas ela somou uma permanência longa (617 dias, e continua até hoje) com uma média alta de streams: 289.443 por dia.


…na tabela

Nesta tabela com o top 100, incluí streams totais, posição máxima, permanência e média diáriade streams.

Não separei por artista, pois há músicas relevantes que tiveram cadastros de dois artistas principais, como a própria “Lençol dobrado” (Análaga e João Gustavo e Murilo).


Lençol Dobrado x Vai Malandra

Para terminar, comparei as músicas que me intrigaram: uma pelo pico e outra que superou todas as outras no total de forma oposta, sem estrondo.

Uma foi inalcançável nos 50 metros e outra, na maratona.

Vale dar mais atenção aos “hits secretos”. “Lençol dobrado” é um sertanejo com arranjo meio tropical house que é mais relevante do que parece.

É uma comparação legal que só uma olhada rápida nas paradas do dia a dia não mostraria.

Só para reforçar, o ranking só considera audições no Brasil, não internacionais, e feitas no período em que a música estava entre as 200 mais tocadas.


2 - Qual artista é campeão?

Esta resposta é bem mais difícil aqui. O problema é que o ranking do Spotify não categoriza bem músicas em parceria - ele indica apenas o artista principal de um “feat.”. Não tem nem na API do Spotify, com dados super detalhados sobre cada faixa.

Então, os dados deste item só consideram o artista principal de cada faixa. Mas dá para ver algo parecido com o item anterior: Anitta aparece mais no número 1, e Marília Mendonça fica mais na parada (vale notar que Anitta lança menos álbuns e mais singles avulsos).

Mais presentes no nº 1

Aqui estão os artistas que mais apareceram como nome principal no número 1.


… na tabela

E a tabela com os 100 principais.


Mais presentes no top 200

Aqui os artistas que mais figuraram no Top 200 como um todo.


… na tabela

E a tabela com os 100 principais.


Mais streams no total

Aqui os artistas com maior soma de streams.

Vou reforçar: os dados só consideram o artista principal da faixa, não o “feat” completo. Tanto Marília Mendonça quanto Anitta têm vários feats (incluindo um entre as duas, “Some que ele vem atrás”, que aqui é creditado a Anitta, que é o primeiro nome da faixa).


… na tabela

E a tabela com os 100 principais.


Anitta x Marília

Aqui fiz uma comparação entre Anitta e Marília Mendonça para mostrar que Marília tem mais streams, mas Anitta tem maior média de streams e chance de aparecer bem no ranking a cada aparição.

Para tentar ser mais exato, incluí manualmente todos “feats” que citam os nomes delas nos títulos.



Fator popularidade do Spotify

Apesar da falha em categorizar os “feats”, o Spotify tem uma boa ferramenta automática de comparação: o índice de popularidade. A empresa não abre o algoritmo, mas diz calcular o índice pelas audições de cada faixa do artista, com maior peso para as mais recentes, e disponibiliza via API. Há um empate de sertanejos na primeira posição.

Como as audições recentes têm mais peso no índice, ele é legal para ver artistas em alta. Os que me supreenderam aqui foram Luisa Sonza e os Barões da Pisadinha, duo baiano já estourado no YouTube, plataforma mais popular, mas que parece crescer também no Spotify.

Para lembrar: extraí os dados no dia 13 de julho. Vamos ver depois como o ranking vai mudar…

No gráfico acima, filtrei os artistas brasileiros. O índice de popularidade do Spotify é um número global, e não por país, como os outros dados da parada. A tabela geral, incluindo os gringos (que ganham de lavada nas audições totais, claro), está abaixo.



3 - Como é audição na semana?

Variação de artistas

Como as paradas são tabeladas por dia, essa compilação é uma ótima chance de saber como a audição varia durante a o tempo. Veja como mudam os artistas mais presentes ao longo da semana. A diferença que mais me marcou foi da dupla Anavitória. O fofolk delas desce no finde.

Variação de estilos

E a variação de estilos? No fim de semana, o brasileiro ouve ainda mais música nacional - em especial, sertanejo e funk.

4 - Quais os gêneros mais fortes?

A categorização de estilos é outra falha do Spotify. É possível baixar pelo API uma lista própria, mas é desorganizada e com critérios duvidosos (MC G15 seria brega-funk). Mas consegui aproveitar para corrigir na mão as categorias dos 680 artistas presentes.

Estilos mais ouvidos

Aqui estão os estilos mais ouvidos entre as faixas do Top 200 do Spotify no Brasil. Não esperava o rap brasileiro no top 5.

Estilos entre 2017 e 2020

Aqui, como a audição dos 5 principais estilos no top 200 variou desde 2017. Em geral, pop estrangeiro caiu, enquanto funk e sertanejo subiram. Mas isso não é constante - no início de 2020, os movimentos parecem se inverter, com pop estrangeiro retomando um pouco de espaço.

Gospel e k-pop

Destaquei aqui o crescimento de dois gêneros bem menores, mas que tiveram destaques recentemente no top 200 - o gospel e o k-pop.

5 - Como varia audição no ano?

Os picos do verão

No fim, volto ao início: o fenômeno de “Vai malandra” me fez notar outra coisa: todos os maiores picos de audição diários - não só desta música - acontecem em meses de verão.

“Hit do verão” não é só um clichê. “Vai malandra”, “Jenifer”, “Deu onda”, “Bola rebola” - todas são fenômenos ricos para o jornalismo musical e que acontecem entre dezembro e fevereiro.

Aqui está o número diário de streams da faixa nº1 de cada dia ao longo dos anos. “Vai malandra” foi um fenômeno impressionante, mas não fugiu do tipo de curva anual.

Crescimento geral

E não é só o número 1. A audiência geral do top 200 do Spotify sempre sobe mais perto de janeiro. Em geral, ela vem aumentando, com estes movimentos de onda na virada do ano. Vale relembrar, de novo, que é só a audiência do top 200, não o volume total do Spotify.

Não dá para cravar que a audiência total do Spotify, incluindo das músicas fora das paradas, também siga este comportamento.

Mas dá para ver como, em 2020, a queda neste grupo foi grande no início da pandemia. É cedo para dizer se não é um movimento natural, que aconteceu nos anos anteriores, de descida no primeiro semestre. Até porque o volume voltou a subir. Vejamos a curva do próximo verão…