Este documento apresenta algumas observações sobre os exercícios econométricos realizados na NOTA TÉCNICA Nº 77/2020–SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL de 25 de maio de 2020. Para que a leitura seja facilitada para aqueles que tenham interesses em pontos específico, a mesma estrutura de seções e subsseções da nota técnica é representada aqui.
Na P4 da NOTA TÉCNICA Nº 77/2020–SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL é é possível ler
- O conceito utilizado foi comparar a arrecadação verificada a cada dia com os faturamentos realizados cujo vencimento se dariam no mesmo dia. O gráfico a seguir apresenta o nível percentual de perda de arrecadação verificado no primeiro semestre de 2019, aqui utilizado como valor de referência, na linha azul. A linha amarela, representa o nível total acumulado de perda de arrecadação desde o dia 18 de março de 2020, quando os impactos da pandemia se mostraram mais pronunciados. As linhas laranja e cinza mostram o crescimento marginal da perda de arrecadação desde 18 de março em dois recortes temporais, acumulado desde 18 de março de 2020 (cinza) e a média móvel de sete dias (laranja).
Ainda pertimente ao mesmo tópico, na P5 da NOTA TÉCNICA Nº 77/2020–SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL é apresentada a estimativa
- Em grandes números, a perda de arrecadação do setor no primeiro semestre de 2019 foi de 2,4%, crescendo para 10,2% no período da pandemia. O impacto estimado da pandemia, portanto, é da ordem de 7,8% do faturamento realizado no período.
O texto é claro em apontar que a estimativa do impacto do COVID-19 obtida é baseada unicamente nos dados da carga de 2019. Ressalte-se que, assim como o COVID-19 é um fator idiossincrático que afeta o ano de 2020, a metodologia utilizada ignora que há fatores idiossincráticos que afetaram o ano de 2019 também.
A literatura aponta que temperatura do ar é uma variáveis que mais impactam o consumo de energia elétrica, como pode ser visto em Cicala (2020). Se nos países do hemisfério norte o maior impacto se dá no inverno, por conta de uso de equipamentos de aquecimento de ar, no Brasil o maior impacto da temperatura se dá no verão, quanto os aparelhos de refrigeração de ar são acionados. No caso de 2019, há evidências de que as medições de temperatura observadas neste ano foram superiores às observadas em 2020. A @ref(fig:temperaturas) apresenta as médias mensais das temperaturas médias e máximas para a cidade de São Paulo de janeiro de 2001 a 27 de maio de 2020. Os dados meterológicos são provenientes da estação Sao Paulo (IAG), do Instituto Nacional de Meterologia (INMET). Os dados do IBC-BR foram obtidos com o pacotes BETS, de Ferreira et al. (2018).
Médias mensais das temperaturas médias e máximas diárias.
A @ref(tab:tabelatemperaturas) apresenta as médias mensais das temperaturas médias e máximas para a cidade de São Paulo de janeiro de 2001 a maio de 2020. Nela é possível observar que a média das temperaturas médias diárias observadas no período selecionado pela ANEEL é três graus Celsius menor em 2020 do que em 2019. Quando consideradas as médias das temperaturas máximas, a diferença é de dois graus Celsius.
| Médias das médias | Médias das máximas | |
|---|---|---|
| 2015 | 21 | 24 |
| 2016 | 22 | 26 |
| 2017 | 21 | 25 |
| 2018 | 22 | 26 |
| 2019 | 22 | 26 |
| 2020 | 19 | 24 |
Assim, recomenda-se que estimação dos efeitos do COVID-19 na carga e na receita das companhias de distribuição de energia elétrica considere mais de um ano de observações e um conjunto de variáveis explicativas explicativas para determinação da carga.
Na P8 da NOTA TÉCNICA Nº 77/2020–SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL é apresentada a estimativa
- A figura a seguir monetiza o problema de perda de arrecadação. Busca responder à pergunta de quanto custa ao setor elétrico, diariamente, o crescimento marginal da perda de arrecadação verificada desde o início da pandemia. Trata-se do custo médio diário, desde 18 de março de 2020, da diferença entre os níveis de perda de arrecadação verificados no período da pandemia e aqueles verificados no primeiro semestre de 2019. A perda diária é da ordem de R$ 53,6 milhões, totalizando uma perda acumulada até o dia 17 de maio de aproximadamente R$ 3,3 bilhões. 19. A figura a seguir monetiza o problema de perda de arrecadação. Busca responder à pergunta de quanto custa ao setor elétrico, diariamente, o crescimento marginal da perda de arrecadação verificada desde o início da pandemia. Trata-se do custo médio diário, desde 18 de março de 2020, da diferença entre os níveis de perda de arrecadação verificados no período da pandemia e aqueles verificados no primeiro semestre de 2019. A perda diária é da ordem de R$ 53,6 milhões, totalizando uma perda acumulada até o dia 17 de maio de aproximadamente R$ 3,3 bilhões.
As mesmas observações aplicadas à subseção anterior cabem a esta, uma vez que a estimativa da perda de arrecadação é dependente do nível de carga e está sujeita aos mesmos fatores de variação.
P6 da NOTA TÉCNICA Nº 77/2020/SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL é possível ler
- Os dados por distribuidora são apresentados na figura a seguir. As barras alaranjadas representam o nível de perda de arrecadação no período da pandemia, enquanto as barras azuis representam o período de referência (primeiro semestre de 2019). Nota-se, regra geral, forte elevação da perda de arrecadação. A Conta Covid tem por objetivo injetar liquidez nas distribuidoras na proporção da variação marginal da perda de arrecadação1, ou seja, a diferença entre as barras.
Ressente-se aqui da dispobinilização dos dados por distribuidora, para que os mesmo exercícios possam ser realizados por especialistas no setor e mais bem compreendidos pelos consumidores.
Na P8 da NOTA TÉCNICA Nº 77/2020–SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL é apresentada a estimativa
- A metodologia utilizada para estimar os valores de perda de arrecadação entre o início da pandemia e dezembro de 2020 consistiu em projetar no perfil da curva média Brasil apresentada pelas próprias distribuidoras2 , a média mensal dos valores apurados pela ANEEL entre o início da pandemia e 17 de maio de 2020.
Há que se notar que esta estimativa deve ser considerada tendo em mente que o cenário está em constante evolução. Note-se, por exemplo, que os padrões de isolamento social exigidos e praticados pelas autoridades certamente irão apresentar grande variação ao longo do ano.
Nos parágrafos 35 a 37 são apresentadas as regressões que, supostamente (a redação poderia ser mais clara), estimam a queda de consumo por grupo de consumidores para cada uma das ditribuidoras consideradas. A pergunta que cabe aqui é o porquê de não utilizar o market share de cada distribuidora e, a partir da queda na carga obervada e na tarifa praticada para cada um destes grupos, estimar a perda de receita. A nota de rodapé número 7 aponta que apenas 46 distribuidoras apresentaram dados com tal desagregação. Foi este o motivo de não ser fazer mais simples?
Na regressão aprensenta no parágrafo 33 e 34 a única medida de qualidade de ajute apresentada é o \(R^2\). Caberia aqui apresentar outras medidas de qualidade de ajuste.
Na P11 da NOTA TÉCNICA Nº 77/2020/SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL, de 25/05/2020 é possível ler
- Dessa forma, utiliza-se no Cenário 2 os resultados do modelo de Regressão Linear Fuzzy - RLF, proposto por Tanaka, Uejima e ASAI (1982)10, e detalhado por Ross (2010)11. Adotou-se o modelo não difuso, função de pertinência triangular simétrica. Como dados de entrada, utiliza-se o PIB real trimestral12 e variação de mercado trimestral SAMP (ano de referência contra ano-1).
Há algums pontos que devem ser observados em relação a este parágrafo. O gráfico @ref(fig:indicescargaeatividade) apresenta a relação entre a carga mensal total dos sistemas interligados do Setor Elétrico Brasileiro (SEB) e o Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil (IBC-BR) no período de 2003 (ano em que esta série começou a ser publicada) e o último dado disponível de cada uma das séries (abril para a carga e março para o IBC-BR). Ambos índices estão apresentados com base 100 em dezembro de 2002 para que a comparação entre a evolução das duas séries seja mais conveniente. Os dados de carga foram obtidos no site da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para cada um dos submercados, e agregados diariamente e nacionalmente. Os dados do IBC-BR foram obtidos por meio do pacote BETS, Ferreira et all. (2018), da linguagem estatística R.
Índices mensais de carga média e de atividade econômcia.
A análise descritiva das séries oferece alguns elementos importantes para a metodologia econométrica que deve ser perseguida.
Ambas apresentam comportamento típico de séries temporais não estacionárias. Esta observação enseja a realização de testes de estacionariedade antes de que a relação entre as duas estimada.
Caso seja concluído que ambas as séries são não estacionárias, a literatura indica que deve ser estimado um modelo de cointegração.
Caso seja verificada uma relação de longo prazo entre as duas variáveis, deve-se investigar a existência de relações de causualidade de Granger e, a partir daí, estimar os efeitos de uma variável sobre a outra. O chamado Modelo de Correção de Erros. Estes efeitos são extremamente importantes para incorporar adequadamente os efeitos dinâmicos na previsão.
No documento e no parágrafo citado é apresenta uma técnica não usual da estimação da relação entre as séries estudas. A técnica não testa a não estacionariedade das séries que geraram as observações das variações utilizadas, nem considera a possibilidade de cointegração nas séries de atividade econômica.
Além destes pontos, a relação entre as duas séries sugerida pelo gráfico enseja a suspeita de quebra estrutural, principalmente a partir de 2014, ano em que a economia nacional entra em recessão, mas a carga de eletricidade parece acompanhar este movimento. Esta possibilidade de quebra estrutural, já reconhecida por muitas àreas comerciais de distribuidoras de energia elétrica que têm causado dificuldades em seus profissionais no exercício de previsão de mercado, motivou o uso de séries mensais. Veja que, dada a quebra estrutural, é necessário identificar janelas de observações que apresentem possível relação de longo prazo. Este exercíco é delicado, uma vez que implica, necessariamente, a perda de muitos observacões. Considerado que há alguma estabilização a partir de 2017, teríamos, então, pouco mais de doze observações trimestrais para estimar uma relação de longo prazo. Segundo as melhores melhores referências, 12 observações não é suficiente, principalmente quando se consideram que os efeitos defasados devem ser testados. Juselius (2008) é uma excelente referência sobre o tema.
Na P11 da NOTA TÉCNICA Nº 77/2020/SGT/SFF/SRM/SRD/GMSE/ANEEL, de 25/05/2020 é possível ler
- Toda a modelagem consta da aba “Cenários Mercado PIB (RLF)” da planilha a ser disponibilizada em apenso à presente Nota Técnica, sendo que para a solução é utilizada a ferramenta solver do Excel, modelo Simplex. A figura abaixo apresenta a distribuição dos dados, bem como regressão linear e RLF.
A utilização de técnicas econométricas de séries temporais permitiria que a dinâmica do efeito da atividade econômica sobre a carga fosse estimada, não imposta por um hipótese. Ressalte-se que a escolha de um modelo cross section não permite que os efeitos defasados de uma série sobre a outra seja adequadamente estimado.
Estas observações têm o objetvo de contribuir aumentar a compreensão sobre as medidas tomadas pela ANEEL e aprimoramento das mesmas.
Cicala, S., Early Economic Impacts of COVID-19 in Europe: A View from the Grid, disponível aqui, 2020.
Ferreira et al., BETS: Brazilian Economic Time Series, 2018.
Juselius, K. The Cointegrated Var Model, Mehodology and Applications, Advanced Texts in Econometrics,Oxford, 2008.