O objetivo deste post é:
O modelo hidrológico GR4J apresentado por Charles Perrin, Vazken Andréassian e Claude Michel em 2003, faz parte de uma família de modelos hidrológicos(modelos GR) desenvolvidos a partir de pesquisas promovidas pelo Instituto de Pesquisa Nacional de Ciência e Tecnologia para o Meio Ambiente e Agricultura (Institut national de recherche en sciences et technologies pour l’environnement et l’agriculture- Irstea ) do governo Francês, uma instituição pública que opera sob a supervisão conjunta do Ministério da Pesquisa e Ministério da Agricultura da França e que, recentemente, se fundiu ao Instituto Nacional para Pesquisa em Agricultura (Institut national de la recherche agronomique- Inra) formando o novo Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente (Institut national de recherche pour l’agriculture, l’alimentation et l’environnement-INRAE) francês.
Antes de se chegar à “famosa” versão publicada no artigo de 2003, muita pesquisa e trabalho foram realizados por diversos colaboradores (dentre eles um brasileiro) ao longo de mais de 2 décadas. Os primórdios da família de modelos GR remontam à década de 80, quando as primeiras versões desse grupo de modelos hidrológicos começaram a ser desenvolvidas pela Equipe de Hidrologia do Irstea (agora Inrae) a partir de pesquisas conduzidas na bacia experimental de Orgeval (vide Figura 1), com área de drenagem de 104 km². Trata-se de uma sub-bacia do conhecido rio Sena, na França, cujos dados hidrométricos são monitorados pelo observatório ORACLE do Inrae, desde 1962.
Figura 1: Bacia hidrográfica experimental de Orgeval (Adaptado de Garnier et al.,2014 e Garniear et al.,2016)
Pode-se dizer que Claude Michel (vide Figura 2) um dos integrantes pioneiros do grupo de hidrologia do antigo Irstea e que hoje está aposentado, é o pai dessa família de modelos tendo desenvolvido as primeiras versões que foram sendo modificadas, adaptadas para diferentes passos de tempo (horário, diário, mensal e anual) e aprimoradas ao longo de décadas de estudos. Diversos alunos e pesquisadores do grupo atuaram no desenvolvimento e aprimoramento desses modelos, dentre eles Charles Perrin e Vazken Andréassian (vide Figura 2) que juntos publicaram o artigo intitulado Improvement of a parsimonious model for streamflow simulation, em 2003, onde o modelo GR4J foi apresentado formalmente à comunidade científica.
Figura 2: Autores do modelo GR4J
As primeiras tentativas de se desenvolver um modelo de conversão chuva-vazão para a bacia experimental de Orgeval foram apresentadas em 1980, para passos de tempo mensal, em um trabalho intitulado Comparaison de plusieurs techniques de reconstitution de débits moyens mensuels (que traduzido para o português, com ajuda do google tradutor, seria: Comparação de diferentes técnicas para reconstruir fluxos médios mensais) de autoria de S. Rifaat, cuja versão digital não consegui encontrar na internet em uma rápida pesquisa.
Ainda no início da década de 80, cerca de 3 anos depois do trabalho de Rifaat, Claude Michel publicou um artigo em francês intitulado:Que peut-on faire en hydrologie avec un modèle conceptuel à un seul paramètre (traduzindo para o português com ajuda do google tradutor, seria: O que pode ser feito em hidrologia com um modelo conceitual com um único parâmetro)
Bem, uma olhada rápida nos esquemas e equações do trabalho original em francês (apesar das minhas limitações no idioma) sugerem que o artigo discute um modelo hidrológico para passos de tempo diário, inicialmente, com um reservatório associado a um parâmetro, mas, na sequência, propõe-se um melhoramento para o modelo com dois reservatórios associados a um mesmo parâmetro (“a”), ou seja, como se os parâmetros associados a capacidade de armazenamento dos dois reservatórios fossem idênticos (vide Figura 3, a seguir).
Figura 3: Estrutura do modelo hidrológico com um reservatório e aprimoramento com dois reservatórios, conforme proposto por Michel (1983)
Ao longo dos anos seguintes, ainda durante a década de 80, a versão original do modelo GR2 foi testada em outros estudos subsequentes tendo sido aprimorada posteriormente por meio de uma modificação que incluiu um terceiro parâmetro à estrutura do modelo, parâmetro este associado a uma constante de tempo atrelada a uma hidrógrafa unitária. A versão com 3 parâmetros foi batizada de GR3 e oficialmente apresentada no artigo Un modèle pluie-débit à trois paramètres(Um modelo chuva-vazão a 3 parâmetros) em 1989, por Edijatno e Claude Michel.
Dando sequência aos testes, ajustes e aprimoramentos no modelo GR3, destaca-se a participação dos trabalhos desenvolvidos pelo professor brasileiro Nilo de Oliveira Nascimento do Departamento de Engenharia Hidráulica e de Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O professor Nascimento defendeu sua tese de doutoramento em 1995, intitulada Appréciation à l’aide d’un modèle empirique des effets d’actions anthropiques sur la relation pluie-debit à l’échelle du bassin versant onde, dentre outros aspectos, avaliou a performance do modelo GR3 e propôs melhorias para o seu aperfeiçoamento. Em um dos documentos que compõem sua tese (Anexos do Capítulo 1), registra-se que o terceiro parâmetro do modelo foi acrescido após levantamentos e testes realizados em mais de 120 bacias em diferentes regiões da França que indicaram a necessidade de melhor representar “lag times” ou defasagem de tempo na propagação do fluxo entre bacias.
Figura 4: Professor Nilo Oliveira Nascimento do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG
Contudo, a tese destacou que o modelo de 3 parâmetros não apresentou boa performance em pequenas bacias com córregos de drenagens intermitentes. O documento ressaltou que estudos estavam sendo realizados à época para investigar os motivos da baixa performance nessas localidades e que os primeiros resultados indicavam a necessidade da inclusão de um componente no modelo para levar em consideração o fluxo subsuperficial entre bacias. A hipótese levantada fora de que efeitos de trocas de umidade entre bacias vizinhas e/ou o fluxo subterrâneo não levado(s) em consideração pelo modelo nas pequenas bacias pudesse explicar a baixa performance nessas circunstâncias. O estudo explica ainda, que mais de 40 componentes distintos foram testados na estrutura do modelo e apresenta o esquema indicado na Figura 5, a seguir, como a solução adotada à época.
Figura 5: Esquema apresentado dentro dos documentos em anexo à tese do Prof. Nascimento para daptação do modelo GR de 3 parâmetros para 4 parâmetros
Em 1999, quatro anos após a publicação de sua tese, o prof. Nascimento juntamente com mais 4 autores (Edijatno, Yang, Makhlouf e o Claude Michel) publicaram o artigo intitulado GR3J: a daily watershed model with three free parameters em que o modelo GR3, agora referenciado como GR3J é apresentado com base nas melhorias desenvolvidas durante a pesquisa de sua tese de doutoramento.
Finalmente, depois de todo este período de aprimoramentos do modelo, Charles Perrin, Claude Michel e Vazken Andréassian publicam o artigo Improvement of a parsimonious model for streamflow simulation com a reestruturação do modelo em uma versão com 4 parâmetros, o consagrado GR4J, iniciais do termo em francês modele du Génie Rural à 4 paramètres Journalier. Se usarmos o google tradutor para checar a tradução literal seria algo como, Modelo de Engenharia Rural com 4 parâmetros para passos de tempo diário , não sei se esta seria a melhor tradução… mas, enfim,… acho que encerramos por aqui este resumo histórico.
Muito mais detalhes do histórico de outras versões da família de modelos GR ( para passos de tempo mensal, horário ou anual) podem ser consultados no site do grupo de hidrologia do INRAE, de onde retirei boa parte do conteúdo deste post. Além do histórico dos modelos, o site contém uma série de referências de artigos, publicações diversas e descrições dos modelos, incluindo a apresentação de pacotes em R já desenvolvidos com aplicações didáticas de funcionamento deles. Talvez, um dia eu faça um post sobre o pacote airR que contém esta família de modelos no R.
Um outro material interessante para quem gostar desta parte dos bastidores dos modelos é esta entrevista com o Charles Perrin e o Vazken Andréassian.
Por agora, a ideia era fazer um breve registro da história deste modelo e vamos ficando por aqui.
Para quem tiver interessem em compreender melhor o passo a passo de funcionamento do modelo, cenas do próximo post…