Nome <- “Eduardo Rumenig Souza”

Programa <- “Doutorado em Educação Física”

N_Usp <- 6310410

Data_entrega: “31/07/2019”

Desafio Final

Breves comentários

O trabalho final da disciplina, descrito a seguir, será utilizado para compor um artigo que está atualmente em processo de elaboração, e possui como título: “The influence of (non)motorized transportation for daily commuting inequalities and revenues in Sao Paulo”. A rigor, a proposta foi utilizar um indicador que expressasse desigualdade em termos de mobilidade urbana; que no presente trabalho é descrito como “social speed”. O conceito, cunhado por um geográfo australiano chamado Paul Tranter [https://www.researchgate.net/publication/303438453_Effective_speed_Cycling_because_it's_faster], permite estimar a desigualdade em termos de renda mensal e modal de transporte. Grosso modo, consiste na adição do tempo de trabalho socialmente necessário para custear o modo de transporte utilizado nos deslocamentos cotidianos, que por sua vez pode variar em função do salário hora. Portanto, a velocidade seria estimada dividindo a distância do trajeto cotidiano pelo tempo de deslocamento adicionado ao tempo de trabalho para custear o tipo de transporte. Na presente proposta, os modais considerados foram ônibus (transporte público), automóvel privado, bicicleta e pedestrianismo.

Ademais, estimei os débitos e créditos gerados pelo tipo de transporte utilizado pelos passageiros de São Paulo. Os valores foram obtidos de “Gössling, Stefan, et al. “The social cost of automobility, cycling and walking in the European Union.” Ecological economics 158 (2019): 65-74”; que, a rigor, considera os custos com manutenção de infra-strutura, acidentes de trânsito, morbidade e mortalidade, seguros, ocupação do espaço público e diversos cálculos atuariais. Embora tenha sido elaborado utilizando indicadores de paíse da UE, decidi empregar na proposta, em função da ausência de informações acerca dos mesmos dados para o Brasil. O transporte ativo (bicicleta e caminhada) parece gerar uma receita positiva de aproximadamente 0.18 euros por km para bicicleta e 0.35 euros por km para pedestres. Por sua vez, o automóvel produz uma receita negativa de aproximadamente 0.11 euros por km. O câmbio é aproximadamente R$ 4.21.

A base de dados utilizada nas estimativas foi a pesquisa ODMetro(2017), recentemente publicada.

Enfim, foi imbuído desse objetivo que estruturei meu trabalho final. Espero que apreciem.

Preparando a base de dados

Uma das etapas mais morosas foi justamente a primeira: Preparar a base de dados! Havia uma infinidade de dados na tabela original e, para minha surpresa, as distâncias das viagens não foram estimadas pela equipe do metrô. Na planilha, constava apenas a geolocalização da origem : destino, e em UTM. Então, selecionei as possíveis variáies de interesse (colunas), restringindo as informações apenas para o município de São Paulo, cujo código é 36 (muni_dom = 36).

metro_od <- read_sav("/home/erumenig/Documents/Artigos/Social Speed/Projeto final R/Banco de dados/OD_2017.sav")

mobilidade <- metro_od %>%
  filter(muni_dom == "36") %>% 
  select(zona, muni_dom, data, fe_fam, renda_fa, fe_pess, idade, sexo, grau_ins, vl_ren_i, n_viag, fe_via, 
         dia_sem, tot_viag, zona_o, zona_d, muni_o, co_o_x, co_o_y, zona_d, muni_d, co_d_x, co_d_y, modo1, modo2,
         modo3, modo4, h_saida, min_saida, anda_o, h_cheg, min_cheg, anda_d, duracao, modoprin, tipvg, vl_est, pe_bici) %>% 
  rename(lat_o = "co_o_x", long_o = "co_o_y", lat_d = "co_d_x", long_d = "co_d_y") %>% 
  drop_na(c(lat_o, long_o, lat_d, long_d)) %>% 
  unite(tempo_origem, c(h_saida, min_saida), sep = ":", remove = F) %>% 
  unite(tempo_destino, c(h_cheg, min_cheg), sep = ":", remove = F) %>% 
  mutate(duracao_s = duracao*60)

Subsequentemente, fiz a conversão de UTM para longitude : latitude, para, finalmente, estimar a distância da viagem. Utilizei as informações georreferenciais fornecidas pela OD Metro, a saber: Sistema de Coordenadas: UTM - SAD69 Datum horizontal: Córrego Alegre (23) [EPSG:22523] Digitalização: Planimétrica Erro admissível: até 10 (dez) metros

proj4string <- "+proj=utm +zone=23S +south +epsg=4326 +datum=WGS84 +units=m +no_defs "

# Origem
xy <- data.frame(mobilidade$lat_o, mobilidade$long_o)

# Transformed data
pj <- project(xy, proj4string, inverse=TRUE)
latlon_o <- data.frame(lat_o=pj$y, long_o=pj$x)
Origem <- latlon_o

# Destino
xy <- data.frame(mobilidade$lat_d, mobilidade$long_d)

# Transformed data
pj <- project(xy, proj4string, inverse=TRUE)
latlon_d <- data.frame(lat_d=pj$y, long_d=pj$x)
Destino <- latlon_d

options(digits = 12)
Origem <- rownames_to_column(Origem, var = "ID")
Destino <- rownames_to_column(Destino, var = "ID")
mobilidade <- rownames_to_column(mobilidade, var = "ID")

localizacao <- right_join(Origem, Destino, by = "ID") %>% 
  mutate(long_o = if_else(condition = (long_o > 180),
                                 true = (long_o - 360),
                                 false = long_o)) %>%
  mutate(long_d = if_else(condition = (long_d > 180),
                         true = (long_d - 360),
                         false = long_d))

Para que o código funcionasse, entretanto, precisei transformar as coordenadas long : lat de -360 : 360 para -180 : 180, porque, se entendi bem, são as referências para o hemisfério sul.

Com a distância e o duração dos deslocamentos, finalmente foi possível estimar a velocidade média das viagens; inicialmente descritas em (m/s) e, posteriormente, convertidas em quilômetros por hora. Também dividi a renda familiar em decils, uma vez que o custo do transporte em relação à renda varia em função da faixa salarial. Todavia, não consegui fazer as segmentação dos decils de renda com o dplyr:mutate. Por alguma razão, todos os números ficavam iguas a 1. Utilizei a função ntile.

decile_rank <- ntile(mobilidade$renda_fa, 10)
decile_rank <- data.frame(decile_rank)
mobilidade <- cbind(mobilidade, decile_rank)

O passo seguinte foi calcular o custo do transporte motorizado (público e privado) e ativo (bicicleta e caminhada) em função do decil da renda. O custo do transporte motorizado (relativo à renda) foi obtido através do relatório do IPEA: [link:http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1803.pdf]. Para a bicicleta, foi assumido um gasto mensal de 2% da renda; e os deslocamentos pedestres não tiveram custo. Assim, temos:

Como não consegui escrever uma função “if” que considerasse duas condições ao mesmo tempo: modo de transporte público ou privado e decil de renda; segmentei o conteúdo em dataframes, separando por modal. Vou citar apenas o primeiro exemplo, mas fiz o mesmo procedimento com todos os demais.

bicicleta <- mobilidade %>% 
  filter(modo1 == 15 | modo2 == 15 | modo3 == 15 | modo4 == 15) %>%
  # Para calcular a velocidade social (social_speed), primeiro estimei o custo de cada modal, e então calculei o custo por viagem.
  mutate(custo_bike = ((renda_fa*0.02)/(tot_viag*21))) %>% 
  # Então, estimei o tempo de trabalho para custear esse modo de transporte
  mutate(tempo_w = ((3600*custo_bike)/salario_hora)) %>% 
# E a velocidade social.  
  mutate(social_speed = (distancia/(duracao_s + tempo_w))*3.6) %>% 
  mutate_at(vars("custo_bike", "tempo_w", "social_speed"), list(~round(., 2)))

O custo do modal também foi relativizado por viagem, como é possível notar na função acima.

Essa foi a solução que encontrei para atribuir o percentual do custo do transporte em função da classificação do decil de renda:

publico$custo_tpublic = with(publico, ifelse(decile_renda == 1, renda_fa*0.105,
                                             ifelse(decile_renda == 2, renda_fa*0.071,
                                                    ifelse(decile_renda == 3, renda_fa*0.061,
                                                           ifelse(decile_renda == 4, renda_fa*0.056,
                                                                  ifelse(decile_renda == 5, renda_fa*0.048,
                                                                         ifelse(decile_renda == 6, renda_fa*0.042,
                                                                                ifelse(decile_renda == 7, renda_fa*0.035,
                                                                                       ifelse(decile_renda == 8, renda_fa*0.027,
                                                                                              ifelse(decile_renda == 9, renda_fa*0.018,
                                                                                                     ifelse(decile_renda == 10, renda_fa*0.008, 0)))))))))))

Finalmente, estimei os impactos orçamentários em função do tipo de transporte utilizado nas viagens cotidianas. A referência foi o artigo de Gössling, Stefan, et al. (2019), já citado, cujo título é: “The social cost of automobility, cycling and walking in the European Union” Ecological economics 158 (2019): 65-74.

bicicleta <- bicicleta %>% 
  mutate(economy = (distancia/1000)*(0.18*4.21))

pedestre <- pedestre %>% 
  mutate(economy = (distancia/1000)*(0.35*4.21))

carro <- carro %>% 
  mutate(economy = (distancia/1000)*(-(0.11*4.21)))

Resultados

Após a elaboração dos dataframes, chegou a hora de apresentar os resultados. Optei, invariavelmente, pelos gráficos, por ser um modo de apresentação auto-explicativo e visualmente interessante.

O primeiro refere-se a renda mensal dos passageiros. Curiosamente, não houve diferença para os decils de renda em função do modal de transporte. Em outros termos, embora existam diferenças substanciais entre os decils, não foi notado diferença considerando o modal de transporte. Apenas para o último decil (10), é possível notar um valor mensal de renda menor para os usuários de ônibus comparado aos demais. Mas sou incapaz de afirmar se haveria alguma significância estatística, pois não apliquei ANOVA para o conjunto de dados.

Por outro lado, o tempo de deslocamento foi substancialmente diferente em função do tipo de transporte. Os usuários de ônibus são aqueles que apresentam as maiores durações de viagens, ao passo que os pedestres evidenciam os menores valores. Motoristas e ciclistas apresentam viagens de duração semelhante, sem mudanças substanciais em função da condição socioeconômica. Entre os modais, todavia, as menores variações parecem ser para os automotores e bicicletas. Os maiores decils de renda também apresentam um tempo de viagem ligeiramente menor.

A média da distância percorrida também apresenta um comportamento muito similar à duração das viagens. Os passageiros de ônibus são aqueles que fazem os trajetos mais longos (em termos de duração e distância), seguido pelos motoristas e, finalmente, os usuários de transporte ativo, sendo os pedestres aqueles que realizam as viagens mais curtas.

Porém, quando consideramos o tempo de trabalho necessário para custear o modo de transporte das viagens cotidianas, observa-se uma mudança importante. São os motoristas que precisam dedicar uma maior parcela da atividade laboral para custear o modo de transporte. Observa-se, inclusive, um aumento do tempo de trabalho socialmente necessário para os maiores decil, mas apenas em relação aos motoristas. Ciclistas evidenciam um tempo de trabalho homogêneo, a despeito dos ganhos mensais. Já o transporte público caracteriza-se por uma redução exponencial, o que significa que os encargos com o transporte público seriam menores para as pessoas de maior renda. Portanto, parece ser mais vantajoso - racional - utilizar o transporte público ou ativo (a caminhada foi considerada custo nulo), uma vez que ambos reduzem o tempo de trabalho socialmente necessário para custear o modo de transporte cotidiano.

Velocidade: física & social

Bom, resta saber como essas questões acerca do padrão de mobilidade urbana e condição socioeconômica se expressam em termos de velocidade social. Para isso, temos inicialmente a velocidade de cada modal de transporte, estimada pela relação distância : tempo obtida dos dados da Pesquisa ODMetro(2019). Na figura a seguir, é possível notar que o automóvel figura como o meio de transporte com maior velocidade média. O transporte público sobre pneus e a bicicleta apresentam velocidades médias muito semelhantes, ao passo que o pedestre ocupa a última posição.

Contudo, quando incluímos o tempo de trabalho socialmente necessário para custear o transporte utilizado, nota-se diferenças substanciais em termos de velocidade média. O automóvel privado fica abaixo da velocidade social média dos ônibus e bicicletas, registrando uma diminuição de aproximadamente 55%. O transporte público evidencia uma redução de 20%, assim como a bicicleta (18%), em média. Portanto, o automóvel parece oferecer uma falsa sensação de liberdade, potência e velocidade, pois se considerarmos o tempo de trabalho dedicado a manutenção desse modal de transporte, a velocidade média é semelhante aquela desempenhada pelo pedestre.

A caminhada não foi incluída devido ao fato de ser custo nulo.

Com efeito, se a velocidade física dos automóveis apresenta os maiores valores - como pode ser notado no gráfico anterior - a velocidade social traz a lume as desvantagens em se utilizar um transporte motorizado privado.

Os impactos econômicos do transporte urbano

Resta saber, finalmente, os benefícios ou externalidades negativas, em termos econômicos, do modal de transporte utilizado para realizar as viagens cotidianas. Na figura a seguir, notamos que o automóvel produz custos importantes ao orçamento público, que crescem em função da condição socioeconômica dos usuários. A bicicleta e a caminhada, por sua vez, produzem benefícios econômicos; algo que, indiretamente, contribui para as receitas do município. As pessoas fisicamente ativas, que incorporam a atividade física nos deslocamentos cotidianos, apresentam melhor condição física, menores índices de morbidade e mortalidade - o que por sua vez desonera os serviços públicos de saúde - menor degradação da infra-estrutura viária, menor uso e ocupação do espaço público, danos ao patrimônio, doenças crônicas. Isso sem considerar os benefícios sociais, de valorização e apropriação do espaço público, maior segurança pelo uso das vias. Portanto, incentivar o transporte ativo poderia resultar em economia aos cofres públicos.

Num país caracterizado pela regressividade tributária, é curioso notar que os mais ricos não apenas pagam menos tributos, mas também produzem os maiores custos em termos de orçamento público, em função da escolha individual de utilizar o automóvel privado como meio de transporte. Por outro lado, são os pedestres, e em especial aqueles em pior situação socioeconômica, que produzem os maiores ganhos em termos orçamentários para a cidade de São Paulo.

No meio do caminho havia (in)justiças.

É possível concluir, portanto, que o padrão de mobilidade urbana é caracterizado por injustiças socioeconômicas. Os mais pobres, e em particular os pedestres, produzem os maiores benefícios em termos orçamentários para o munícipio. Inversamente, aqueles em melhor condição socioeconômica, e que utilizam automóvel privado como modal de transporte, produzem as maiores externalidades negativas. Considerando que o Brasil é caracterizado pela regressividade tributária, os dados permitem aludir sobre as injustiças socioeconômicas: os mais ricos pagam menos e produzem mais externalidades negativas, aparentemente.

Ademais, embora o automóvel privado registre as maiores velocidades médias (física), quando adicionamos o tempo de trabalho socialmente necessário para custear o modo de transporte, a velocidade média de deslocamento reduz-se para valores semelhantes aos observados para pedestres. Haveria, destarte, um equívoco em privilegiar o transporte automotor privado como modal predominante de transporte. A promessa modernista de cidades projetadas para os automóveis, como promessa de assegurar a mobilidade, gradativamente demonstra que produz seu inverso; a saber, imobilidades urbanas.

O transporte público sobre pneus e o transporte ativo, menos sujeitos à variações, registram menores reduções na velocidade social média, quando comparado a velocidade média física; uma vez que o tempo de trabalho socialmente necessário para custear o modo de transporte também é menor. As desigualdades, contudo, parecem depender mais do tipo de transporte do que do perfil socioeconômico dos usuários. Exceto para o transporte público, todos os demais modais afetam de modo homogêneo o orçamento familiar. O único tipo de transporte que reduz os encargos em função da renda seria o público sobre pneus (e sobre trilhos também, uma vez que em São Paulo o custo da passagem é o mesmo).

Em resumo, a velocidade social para ser um indicador interessante para expressar a desigualdade em termos de mobilidade. Porém, mais em função do modal de transporte e menos em função da condição socioeconômica dos usuários. Se considerarmos apenas uma modalidade de transporte, talvez não seja um indicador interessante. Não obstante, o transporte ativo e, na impossibilidade, o transporte público, parecem ser os modais que exigem menor tempo de trabalho socialmente necessário para custear as viagens cotidianas. Portanto, use e abuse do transporte público e ativo.