Nesse artigo, explico brevemente a pesquisa da minha dissertação, sob orientação da professora Ana Lucia Kassouf. O trabalho teve dois grandes objetivos. O primeiro deles foi o de caracterizar o mercado de trabalho dos motoristas de caminhão no Brasil. O segundo buscou investigar quais os efeitos das leis trabalhistas nesse mercado. Neste artigo, escrevo sobre parte dos resultados da minha dissertação. Basicamente, é o que falei na minha defesa.

De antemão, adianto alguns resultados desses dois objetivos e, ao longo desse texto, explico como encontrei tais resultados.

A caracterização que mencionei envolveu a análise das características socioeconômicas dos caminhoneiros no Brasil. Assim, para o ano de 2015, encontrei que:

Quanto à avaliação dos efeitos das leis trabalhistas, encontrei que essa legislação foi capaz de reduzir, efetivamente, aproximadamente em uma hora a jornada de trabalho dos motoristas de caminhão no Brasil.

Assim, seguindo o roteiro abaixo, explico brevemente como consegui chegar nesses resultados, principalmente mencionando o porquê colocar em destaque o termo “efetivamente” no parágrafo acima.

  1. Introdução
  2. Dados e análise descritiva
  3. Avaliação dos efeitos da Legislação
  4. Resultados
  5. Considerações finais

Caso queira tirar dúvidas ou ler a pesquisa na íntegra, meu contato é lucas.lcs.lima@gmail.com

1 Introdução

Nessa seção falo um pouco sobre a importância do mercado de trabalho dos motoristas de caminhão. Nele, há 2 milhões de profissionais. Esse número representa cerca de 3,4% da população economicamente ativa de homens no Brasil.

Além disso, o 61% do transporte de mercadorias no Brasil é feito pelas rodovias. Se compararmos com outros países, esse número é relativamente alto. Na China, encontramos 40%; nos EUA, 32%; e na Rússia, apenas 8%.

Outro ponto importante é que as longas jornadas de trabalho a que esses profissionais se submetem implicam em diversas externalidades para a economia, começando pelos acidentes nas rodovias. Os caminhões são a segunda categoria de veículos mais envolvida em acidentes no Brasil.

Além disso, a elevada carga horária de trabalho somada a distância de amigos e familiares ocasionam problemas de saúde nos caminhoneiros, dentre eles os principais são relacionados a problemas cardiovasculares.

Diante desse contexto, o governo aprovou recentemente leis importantes para regular o número de horas que os caminhoneiros trabalham. Duas delas são mais importantes: a “Lei do descanso”, que passou a vigorar no dia 6 de junho de 2012, e a “Lei do caminhoneiro”, que entrou em vigor no dia 17 de abril de 2015.

Contudo, há evidências importantes na literatura [1] de que a regulamentação do mercado de trabalho pode trazer efeitos indesejados para a população como um todo.

Nesses dias, ouvi uma fala importante do Marcos Lisboa. Ele mencionou que, quando tratamos de políticas públicas, devemos ter o mesmo cuidado que temos quando falamos de medicamentos. Isso porque os medicamentos podem causar efeitos colaterais, podem ser melhorados, podem ser melhor alocados. É a mesma coisa com políticas públicas.

Assim, é de suma importância a caracterização do mercado de trabalho dos motoristas de caminhão no Brasil, assim como a avaliação dos efeitos da legislação nesse mercado.

2 Dados e análise descritiva

Para atingirmos os objetivos mencionados anteriormente, trabalhamos com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD-IBGE). E trabalhar com dados de representatividade nacional é mais um aspecto inovador desse trabalho, já que, até a finalização dessa pesquisa, todos os trabalhos que encontramos dentro dessa tema utilizaram dados primários, coletados em localidades específicas do Brasil.

Parte dessa análise descritiva envolveu observar como a composição da população de caminhoneiros evoluiu ao longo do tempo segundo determinadas características. São elas:

As estatísticas de idade podem ser observadas na Figura 2. Notamos que houve um envelhecimento da população de caminhoneiros. Note que, em 2002, 10% dos motoristas de caminhão possuíam idade acima de 55 anos. Essa proporção passou para 17,5% em 2015. Além disso, as proporções em idade mais novas diminuíram.

Figura 1: Evolução da composição populacional dos caminhoneiros segundo idade

Fonte: elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD (IBGE)

No que diz respeito à escolaridade, podemos analisar a evolução da composição populacional na Figura 2. Nota-se que houve um aumento da escolaridade dos caminhoneiros. Por exemplo, em 2002, apenas 15% tinham Ensino Médio completo. Em 2015, essa proporção passou para 35%.

Figura 2: Evolução da composição populacional dos caminhoneiros segundo a escolaridade

Fonte: elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD (IBGE)

Com relação ao rendimento mensal dos motoristas de caminhão, as informações estão na Figura 3. Aqui, a variação nas proporções é bem maior. Até 2014, observa-se um aumento de rendimentos e uma queda em 2015. Note que, em 2002, a proporção de caminhoneiros que obtinha rendimentos entre 2 e 3 salários mínimos era de 21%, passando para 32% em 2014 e caindo para 28% em 2015.

Figura 3: Evolução da composição populacional dos caminhoneiros segundo o rendimento mensal

Fonte: elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD (IBGE)

Para as horas trabalhadas na semana, as estatísticas estão no Figura 4. Nota-se uma grande diminuição: em 2002, a proporção de caminhoneiros que trabalhava mais de 55 horas semanais eram de 37%, passando para 14% em 2015.

Figura 4: Evolução da composição populacional dos caminhoneiros segundo as horas trabalhadas

Fonte: elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD (IBGE)

No que tange ao tipo de contrato de trabalho dos motoristas de caminhão no Brasil, podemos observar as informações na Figura 5. Nota-se um aumento do número de caminhoneiros com o carteira assinada e uma leve diminuição naqueles que trabalham por conta própria.

Figura 5: Evolução da composição populacional dos caminhoneiros segundo o contrato de trabalho

Fonte: elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD (IBGE)

Uma outra comparação que fiz no trabalho foi entre duas categorias de caminhoneiros: aqueles que possuem carteira assinada e aqueles que trabalham por conta própria. Aqui também analisei as características ao longo do tempo, mas apenas aquelas que podem ser afetadas pelas leis que mencionei na Introdução: rendimento e horas trabalhadas na semana. As informações estão na Figura 6.

Figura 6: Carteira assinada X Conta própria

Fonte: elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD (IBGE)

Observa-se que os caminhoneiros que traba lham por conta própria apresentam média de rendimento mensal muito acima do que os caminhoneiros sobre outros contratos de trabalho para todo o período, mas essa diferença apresentou queda: em 2002, essa diferença chega a quase R$ 1000, caindo para quase R$ 600 em 2015. Observamos essa constatação para todo o período de análise.

Essa grande diferença de rendimento entre os caminhoneiros que trabalham com carteira assinada e os que atuam por conta própria pode ser racionalizada pelo fato de que estes últimos podem não levar em consideração diversos custos quando reportam seu rendimento à PNAD. Estes custos envolvem fundamentalmente a própria aquisição do caminhão que utilizam para trabalhar, o qual, muitas vezes, é pago através de longos parcelamentos. E também há a depreciação do veículo ao longo do tempo, bem como sua manutenção.

Agora, já antecipando um pouco da metodologia utilizada para a avaliação dos efeitos da legislação, comparei três características importantes do mercado de trabalho dos caminhoneiros – que, como mencionei acima, podem ser afetadas pela legislação – com um grupamento de trabalhadores muito similar.

Essa similaridade foi definida por Januzzi [2], levando-se em consideração a inserção do trabalhador no processo produtivo, na posse ou não dos meios de produção ou qualificação adquirida, rendimento do trabalho e vulnerabilidade. Nesse sentido, o grupo de controle é formado pelo grupamento ocupacional ao qual os próprios caminhoneiros estão inseridos. As informações concernentes a esse assunto estão na Figura 7.

Figura 7: Tratamento X Controle

Fonte: elaborado pelo autor com base nos microdados da PNAD (IBGE)

Nota-se que, para todas as características, os caminhoneiros possuem superioridade em todo o período analisado. Uma constatação extremamente importante para nossa avaliação dos efeitos da legislação é que para todas essas características as trajetórias para ambos os grupos são muito semelhantes. Essa é uma pressuposição para o método que explicarei na seção seguinte.

3 Avaliação dos efeitos da Legislação

Para se compreender melhor a avaliação que realizei é importante ter-se em mente as datas nas quais as leis entraram em vigor:

Assim como mencionei na seção anterior, as variáveis sobre as quais analisaremos os efeitos da legislação são rendimento mensal, horas trabalhadas na semana e formalização. Esta última medida pela probabilidade de se trabalhar com carteira assinada.

Nesse sentido, o modelo de diferenças em diferenças é expresso da seguinte maneira para a avaliação da ``Lei do descanso’’:

\[ y_{it} = \theta_1 + \mu_1 D_{12,it} + \mu_2 D_{13,it} + \mu_3 T_{it} + \mu_4 (D_{12,it} \times T_{it}) + \mu_5 (D_{13,it} \times T_{it}) + \boldsymbol \rho \boldsymbol X_{it} + \varepsilon_{it} \]

Assim, a estimativa dos parâmetros \(\mu_4\) e \(\mu_5\) são os estimadores de diferenças em diferenças e representarão o efeito da legislação sobre a variável de interesse em questão.

Para a ``Lei do caminhoneiro’’, a expressão é a seguinte:

\[ y_{it} = \theta_2 + \delta_1 D_{15,it} + \delta_2 T_{it} + \delta_3 (D_{15,it} \times T_{it}) + \boldsymbol{\gamma}\boldsymbol{X}_{it} + \varepsilon_{it}\]

Aqui, o estimador de diferenças em diferenças é dado pela estimativa do parâmetro \(\delta_3\).

Para ambos os modelos, o vetor \(\boldsymbol{X}\) representa as características observáveis dos indivíduos, \(T\) é a variável que identifica os caminhoneiros e as variáveis \(D\) identificam os anos indicados em seus subscritos.

Para visualizarmos o porquê de, por exemplo, a estimativa do parâmetro \(\mu_4\) ser um estimador de diferenças, podemos abrir o cálculo:

\[ \hat{\mu}_4 = (E \left [ y | \boldsymbol{X}, T = 1, D_{12} = 1 \right ] - E \left [ y | \boldsymbol{X}, T = 0, D_{12} = 1 \right ]) - (E \left [ y | \boldsymbol{X}, T = 1, D_{12} = 0 \right ] - E \left [ y | \boldsymbol{X}, T = 0, D_{12} = 0 \right ]) \]

Isso ocorre porque as variáveis \(T\) e \(D\) são binárias.

Com o objetivo de deixarmos os grupos ainda mais comparáveis, realizamos as estimações acima com a ponderação pelo escore de propensão. Essa técnica consiste em dar maior peso aos indivíduos do grupo de controle que possuem características observáveis mais parecidas com os caminhoneiros (grupo de tratamento).

O escore de propensão é calculado da seguinte maneira:

\[ ps_i (\boldsymbol{Z}_i) = Pr(T_i = 1 | \boldsymbol{Z}_i) = \Phi(\boldsymbol{\lambda} \boldsymbol{Z}_i) \]

Trata-se do modelo probit, de modo que \(\Phi\) denota a função de probabilidade acumulada. O vetor \(\boldsymbol{Z}\) são as caraterísticas observáveis: sexo, etnia, idade, região e escolaridade.

A ponderação foi feita pela seguinte função peso:

\[ w_{it} = T_{it} + (1-T_{it}) \times \frac{\widehat{ps}_{it}}{(1-\widehat{ps}_{it})} \]

Assim, os caminhoneiros recebem peso 1 e os indivíduos do grupo de controle recebem o peso da segunda parte da função.

Essa forma de calcular o peso está diretamente ligada ao fato de nosso estimador de diferenças em diferenças calcular o Efeito Médio sobre os tratados [3].

Para checar se essa ponderação foi bem feita, pode-se visualizar se as distribuições dos escores de propensão dos dois grupos se aproximam depois de se realizar essa ponderação. A Figura 8 traz as distribuições antes e depois de se implementar tal ponderação em 2011 e em 2014, anos anteriores às aplicações das leis.

Figura 8: Ponderação pelo escore de propensão

Nota-se que, após as ponderações para ambos os períodos, as distribuições ficam muito semelhantes.

4 Resultados

Nessa seção, trouxe os resultados dos modelos de diferenças em diferenças explicados na última seção. Para a ``Lei do descanso’’, nota-se na Tabela 1 que, para 3 meses – e aqui devemos lembrar que essa lei entrou em vigor em junho de 2012 e o mês de referência da PNAD é setembro – após a aplicação da lei (linha 2012 \(\times\) Tratamento (\(\hat{\mu}_4\))), não houve redução das horas trabalhadas, e sim redução do rendimento dos caminhoneiros.

Contudo, após 15 meses de vigência da lei, observamos um redução estatisticamente significativa sobre o número de horas trabalhadas na semana, sem nenhum efeito sobre as outras duas variáveis. Assim, para essa lei, houve a necessidade de um pouco mais de tempo para que ela tivesse o efeito desejado.

Tabela 1: Modelo para 2011 a 2013 - ``Lei do descanso’’

Rendimento Horas trabalhadas Carteira assinada
2012 \(\times\) Tramento (\(\hat{\mu}_4\)) 83.469* -0.565 -0.020
(44.342) (0.413) (0.043)
2013 \(\times\) Tramento (\(\hat{\mu}_5\)) 24.581 -0.944** 0.036
(41.350) (0.404) (0.043)
Observações 110.059 111.313 89.803
R2 0,074 0,045

Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados da PNAD (IBGE). * p<0,10; ** p<0,05; *** p<0,01. Desvios-padrão entre parênteses.

Com relação à ``Lei do caminhoneiro’’, os resultados estão na Tabela 2. Essa lei também conseguiu atingir seu objetivo de reduzir o número de horas trabalhadas pelos caminhoneiros. Entretanto, ocorreu o efeito adverso de se diminuir também o rendimento desses profissionais.

Tabela 2: Modelo para 2014 a 2015 - ``Lei do caminhoneiro’’

Rendimento Horas trabalhadas Carteira assinada
2015 \(\times\) Tratamento (\(\hat{\delta}_3\)) -68.673* -0.859** -0.021
(40.427) (0.356) (0.043)
Observações 71.639 72.500 58.830
R2 0,078 0,040

Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados da PNAD (IBGE). * p<0,10; ** p<0,05; *** p<0,01. Desvios-padrão entre parênteses.

5 Considerações finais

Com dados de representatividade nacional (PNAD-IBGE) para um período longo de tempo (2002 a 2015), fiz uma análise socioeconômica dos caminhoneiros. Além disso, através do modelo de diferenças em diferenças ponderado pelo escore de propensão, concluí que a legislação mais recente conseguiu reduzir o número de horas trabalhadas por esses profissionais.

Cabe pontuar algumas limitações do trabalho:

No entanto, os resultados encontrados com dados de representatividade nacional motivam futuras pesquisas, tanto no sentido de encontrar interpretações para os resultados discutidos aqui, quanto para a construção de bancos de dados que permitam análises como as que realizei.

Referências

[1] HECKMAN, J. et al. Law and employment: Lessons from Latin America and the Caribbean. [S.l.], 2003.

[2] JANNUZZI, P. d. M. Mobilidade social no brasil ao final do século xx: Uma avaliação dos efeitos da reestruturação produtiva. 2004

[3] HIRANO, K.; IMBENS, G. W. Estimation of causal effects using propensity score weighting: An application to data on right heart catheterization. Health Services and Outcomes research methodology, Springer, v. 2, n. 3, p. 259-278, 2001