Desejamos neste trabalho determinar a relação entre as medidas locais de turbidez e as de reflectàncias em vermelho, verde, azul e infravermelho próximo obtidas de imagens de sensoriamento remoto do LandSat 8 e contextualizaremos a importância do tema a seguir.
O rompimento da Barragem da SAMARCO - Mariana-MG - ocorreu em 5 de novembro de 2015 levando a 19 vítimas fatais em Bento Rodrigues afetando o ambiente da bacia do Rio Doce - Atlântico Leste - a jusante e em dia 22 de novembro a lama atingiu o mar ao norte do estado de Espírito Santo. Trata-se de um dos maiores desastres ambientais decorrente de mineração ocorrido no mundo que afetou tanto a própria atividade mineradora com graves prejuízos tanto para a comunidade local quanto para aquelas ao longo do rio - contaminação de curto e longo prazo, custo de tratamento da água para consumo humano, agrícola, pecuário e industrial - além de consequências ambientais atuais e futuras que tem sido e serão avaliadas ao longo do tempo. Link
A qualidade das água é assunto complexo, porém bem determinado normativamente pelas resoluções da Agência Nacional das Águas (ANA) via CONAMA:
Tais normas estabelecem que a turbidez compõe o índice de qualidade de água e deve ser menor que 40 NTU - Nephelometric Turbidity Units que é medida à 90⁰ de feixe de IR incidente e comparada com padrões de calibração - para águas de classe 1 assim definidas por serem destinadas “ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado; à proteção das comunidades aquáticas; à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho); à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao Solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película e à criação natural e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas á alimentação humana.”
A turbidez é resultado de um complexo processo que afeta um corpo d’água se define pelo grau de atenuação que um feixe de sofre ao atravessa-lo, tanto podemos medi-la por transluminação quanto pelo epalhamento da luz incidida. Tal atenuação por esses dois fatores acontece em virtude da presença de sólidos, coloides e várias substâncias em suspensão, tais como silte, areia, argila, algas, detritos, entre outros; no entanto a correlação entre a turbidez e o total de sólidos em suspensão é algo peculiar a cada local e situação.
Sua principal fonte geofísica é a erosão dos solos devido às chuvas; também são importantes as atividades humanas como mineração, lançamento de esgotos doméstico e industrial. Quanto maior a turbidez, maior será o uso de floculantes-coagulantes no tratamento de águas de classe 1 e sobretudo, a turbidez elevada dificulta a sobrevivência dos organismos aquáticos e leva a uma sucessão biológica que é amiude irreversível.
Ainda que a turbidez possa ser medida com regularidade no próprio local, comunmente diante da grande extensão do país, de problemas operacionais, entre outros fatores que dificultam a sua execução e métodos alternativos podem ser propostos. Assim pretendemos avaliar a relação entre turbidez e reflectância advinda do sensoriamento remoto e posteriormente avaliar o custo-benefício de tal método, bem como a complementariedade dos métodos.
Definimos a reflectância como a razão entre o fluxo de radiação eletromagnética incidente numa superfície e o fluxo que é refletido. Ela depende do comprimento de onda e do material, pois parte da radiação é absorvida por ele e é reemitida conforme sua temperatura; como no caso da turbidez ocorre espalhamento. As diferentes fases que a radiação deve atravessar no seu caminho de ida até o alvo e sua volta até o sensor no satélite tornam o problema mais interessate, já que ocorrerão processos de refração e reflexão. Deste modo o contraste, principalmente pelo espalhamento, entre o alvo e sua vizinhança diminui e o efeito haze deve ser minimizado pela correção atmosférica.
Nossa estação hidrológica para a medida de turbidez feita pela ANA situa-se na bacia do Rio Doce no município de Linhares-ES - longitude -40.0756⁰ e latitude -19.41552⁰ - e recebe o nome Linhares-IEMA e o código 56998300. Fica junto à ponte Joaquim Calmon na rodovia BR 101 que serviu de marco e contorna a necessidade de georeferenciamento das imagens do satélite. Vide figura abaixo:
Linhares-ES; Bento Rodrigues-Mariana-MG no canto acima à E
Os dados de turbidez foram obtidos por meio de requerimento junto a ANA pelo sistema HidroWeb de banco de dados. São 9867 observações de toda bacia do rio Doce referentes a 4 variáveis assim nomeadas: local, codigo, data, turbidez.
As medidas são realizadas com auxílio de um nefelômetro por espalhamento a 90⁰ de fonte LED de infravermelho cuja calibração é feita por comparação a padrões com precisão de 0.5 NTU ou de 5% da medida, o que for maior:
Nefelômetro HANNA HI 93703
Medida do Espalhamento a 90⁰
Nossa primeira providência foi descartar medidas consideradas não disponíveis ou NA - por falta de registros, falhas técnicas, etc - pela ANA em todas as estações no período de 2015-11-10 a 2016-07-18. O processo de obtenção de dados é laborioso e seu resultado para todas as estações do rio Doce são apresentados nos gráficos abaixo:
Foi interessante notar que as medidas foram anotadas muito mais frequentemente mos primeiros dois meses após o desastre e depois foram se tornando mais esparsas em todas as estações. Nota-se que a turbidez no histograma sem NA ficou entre zero e 800 NTU.
O próximo passo foi separar os dados de LINHARES-IEMA 56998300 das outras duas existentes no município - Linhares-CPRM e Povoação/Linhares-CPRM e aqui observamos no histogramas que a turbidez varia de 3.0 a 738.0 NTU - confira na tabela abaixo da figura - e que ao longo da série temporal - de 2015-11-10 a 2016-07-18 - seus valores foram máximos - 738.0 NTU - na chegada do material de Mariana a Linhares; mas também oscilaram por outros motivos, chuvas na área da bacia por exemplo. Os últimos mínimos - 68.0 NTU - ainda não voltaram aos níveis prévios - 3.0 NTU - ao ocorrido.
## Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.
## 3.0 191.5 347.0 339.7 450.8 738.0
Nós utilizamos as imagens do LandSat 8 de cada data nas bandas 2, 3, 4 e 5 (cujos centros são 0.482, 0.562, 0.655 e 0.865 em \(\mu m\) respectivamente) acompanhadas dos metadados respectivos que foram obtidas através do INPE:
A seguir usamos software IDRISI Selva para tratar as imagens brutas e medir as refflectâncias:
Importação e conversão de .TIFF para .rst
Correção atmosférica: utilizamos o full model para cada banda
Com arquivo de metadados temos os parâmetros iniciais: horário, longitude, latitude, elevação solar, centros das bandas e o roll angle.
Escolhemos os dark lakes ou manchas escuras das imagens obter Dn max, Lmin e Lmax de cada banda.
A estimativa da profundidade óptica foi feita através da elevação solar \(\alpha\) com \(cos(90-\alpha)\)
A estimativa da Spectral Diffuse Solar Irradiance foi calculada através dos parâmetros iniciais com auxílio de calculadora da PV LightHouse
Medidas de reflectância nas imagens corrigidas: IR próximo, blue, green e red realizadas em cinco locais diferentes tendo como referência a ponte de 800 m, sabendo que a resolução espacial é igual a 30 m nos canais utilizados pelo LandSat 8. Calculamos as médias e desvios-padrão de cada banda a cada dia.
Conseguimos dados de 2015-11-10 a 2016-07-18 de:
Turbidez: HidroWeb via ANA (protocolo 02680002317201670)
Imagens: LandSat 8 via INPE com 22 imagens disponíveis no período.
As medidas feitas por nós e aquelas da ANA foram pareadas de acordo com a data conforme processso a seguir:
Das 22 imagens disponíveis no INPE temos 21 sem problemas de download.
Do total de 46 medidas de turbidez temos sete ou 15.2 % coincidentes com os de imagens.
Assim 33.3% dessas imagens correspondem àquelas sete medidas de turbidez.
Dessas sete imagens, seis não estão cobertas completamente por nuvens.
As medidas de turbidez na estação Linhares-IEMA n⁰ 56998300 que coincidem com as imagens de sensoriamento remoto resultou numa seleção progressiva conforme a tabela abaixo.
| Total | Sem NA | Estações Linhares | Só Linhares-IEMA | Imagens Disponíveis | |
|---|---|---|---|---|---|
| N⁰ de Medidas de Turbidez | 9867 | 950 | 52 | 46 | 6 |
Os resultados da seleção progressiva dos dados são apresentados nos gráficos das séries temporais abaixo. Cada variável é acompanhada da estimativa de incerteza e quando as comparamos, vimos que as reflectâncias parecem inversamente proporcionais às medidas de turbidez:
Observem que a banda 5 do \(IR_{near}\) é de dez a cem vezes mais sensível para uma mudança de uma centena de unidades de NTU do que nas outras bandas na faixa de turbidez entre 154 e 357 \(NTU\), faz dessa banda um elemento importante em qualquer modelo para a predição da turbidez, vejam na tabela abaixo:
| Bandas | \(Blue\) | \(Green\) | \(Red\) | \(IR_{near}\) |
|---|---|---|---|---|
| \(\Delta (\frac{\rho}{100 NTU})\) | \(0.0020443\) | \(0.0013498\) | \(2.955665\times 10^{-4}\) | \(0.0238768\) |
Além da relação inversa entre as variáveis e a turbidez, aplicamos as seguintes transformações às mesmas: linear, quadrática, inversa, exponencial do ir e do visível, como também a soma das reflectâncias no visível. Fizemos a inspeção visual destes gráficos e a relação visualmente mais regular foi entre o infravermelho próximo e a turbidez; daí quantificamos tais impressões usando a matriz de correlação apresentada abaixo:
As maiores correlações em módulo com a turbidez foram de: -0.79 com \(IR^{2}_{near}\), -0.76 com \(IR_{near}\), 0.76 com \(exp(-IR_{near})\) e 0.69 com \(\frac{1}{IR_{near}}\). As outras de módulos grandes estão numa classe onde existe uma relação entre certa variável e uma transformação da mesma, por exemplo: \(red\) e \(\frac{1}{red}\) com -0.97 sem valor diagnóstico em relação à turbidez. Cabe sempre ressaltar que a correlação não estabelece uma relação de causa e efeito entre variáveis.
Primeiro apresentamos a turbidez em função do \(IR_{near}\), fixamos o nível de confiança em \(\alpha=5\)% e fazemos uma regressão linear simples entre elas. O gráfico abaixo mostra os pontos observados acompanhados das respectivas incertezas e o traçado da regressão e a seguir a tabela com o resumo estatístico do modelo.
##
## Call:
## lm(formula = turbia$turbidez ~ (ir_near), data = turbia)
##
## Residuals:
## 1 2 3 4 5 6
## 55.288 29.567 -129.207 105.072 -1.671 -59.049
##
## Coefficients:
## Estimate Std. Error t value Pr(>|t|)
## (Intercept) 697.7 183.7 3.799 0.0191 *
## ir_near -5371.9 2282.0 -2.354 0.0782 .
## ---
## Signif. codes: 0 '***' 0.001 '**' 0.01 '*' 0.05 '.' 0.1 ' ' 1
##
## Residual standard error: 93.75 on 4 degrees of freedom
## Multiple R-squared: 0.5808, Adjusted R-squared: 0.476
## F-statistic: 5.542 on 1 and 4 DF, p-value: 0.07817
Com resultado igual a:
\(turbidez(NTU)=\) -5372 \((\pm 2282\frac{NTU}{\rho})*IR_{near}(\rho)+\) 698\((\pm 184 NTU)\).
Com \(p_{value}=0.0782>\alpha\) e \(R^2=0.5808\) desta regressão linear simples para este conjunto de dados não podemos excluir a obra do acaso.
Embaixo temos o gráfico com os resíduos absolutos do modelo para a turbidez acompanhados das incertezas observadas em função de \(IR_{near}\). Nota-se que os resíduos não flutuam aleatóriamente em torno do zero e parecem ter uma tendência ‘quadrática’ com concavidade para baixo:
Finalmente aliados a correlação de -0.79 e a tendência dos resíduos no modelo anterior apresentamos a turbidez em função do polinômio de segundo grau de \(IR_{near}\) numa regressão não-linear simples entre elas de acordo com gráfico e tabela abaixo( nível de confiança fixo em \(\alpha=5\)% ).
##
## Call:
## lm(formula = turbia$turbidez ~ poly(ir_near, 2), data = turbia)
##
## Residuals:
## 1 2 3 4 5 6
## 12.59 14.92 -134.49 65.86 56.65 -15.54
##
## Coefficients:
## Estimate Std. Error t value Pr(>|t|)
## (Intercept) 274.83 38.19 7.196 0.00553 **
## poly(ir_near, 2)1 -220.69 93.55 -2.359 0.09950 .
## poly(ir_near, 2)2 -94.33 93.55 -1.008 0.38760
## ---
## Signif. codes: 0 '***' 0.001 '**' 0.01 '*' 0.05 '.' 0.1 ' ' 1
##
## Residual standard error: 93.55 on 3 degrees of freedom
## Multiple R-squared: 0.6869, Adjusted R-squared: 0.4781
## F-statistic: 3.291 on 2 and 3 DF, p-value: 0.1752
A regressão quadrática simples resultou em:
\(turbidez(NTU)=\) -94\((\pm 38\frac{NTU}{\rho^2})*IR^2_{near}(\rho^2)\)-221 \((\pm94\frac{NTU}{\rho})*IR_{near}(\rho)+\) 275\((\pm 94 NTU)\).
Com \(p_{value} = 0.38760 > \alpha\) e \(R^2=0.6869\) desta regressão para este conjunto de dados não podemos excluir a obra do acaso também.
O gráfico abaixo dos resíduos absolutos do modelo quadrático para a turbidez acompanhados das incertezas observadas em função de \(IR_{near}\). Nota-se que os resíduos oscilam em torno do zero e parecem menores em geral que o modelo anterior, mas dá uma predição não realista já que testa apenas uma amplitude limitada da turbidez.
As consequências do evento de Mariana nem cessaram nem sequer foram consequentemente avaliadas e em julho de 2016 a turbidez ainda estava em 68 NTU, além do recomendável para águas de classe 1.
Apesar da regularidade que é medida a turbidez, quase 90% dos registros são NA, muito embora seja um componente do índice de qualidade de água, tal ‘regularidade’ não garante um acompanhamento consistente.
No contraponto as imagens de satélite, apesar das dificuldades meteorológicas, com os recursos oferecidos pelo sensoriamento remoto são confiáveis. Ainda que os resultados do atual trabalho sejam inconclusivos, ele possui um viés promissor: a grande sensibilidade no canal do \(IR_{próximo}\) para as alterações de turbidez em comparação às outras bandas estudadas.
A principal limitação no meu entender deste trabalho é o restrito número de par de dados, sobretudo pela pequena amplitude de variação da turbidez. A proposta para aprofundarmos a compreensão do problema tem duas vertentes operacionais:
Trabalho de campo: conversas com funcionários para entender as causas da alta proporção de NA; realizar medidas in loco de turbidez em dias de bom tempo sincronizadas com passagens de satélites; verificar o intervalo para as chuvas nas cabeceiras da bacia influenciarem a turbidez em Linhares; instalação de estação de nefelometria automatizada e sincronizada com as passagens de satélites.
Radiometria e nefelometria seriadas com diluição seriada da água na estação.
Outros modelos são possíveis - FFT, splines, etc - assim que contássemos com um novo conjunto de dados mais consistente. Ademais seria acompanhada de uma revisão bibliográfica que poderia sugerir novos caminhos.
Ficamos gratos pela disposição da professora de compartilhar sua experiência conosco, bem como de receber alunos da graduação de diferentes institutos da universidade, o que amplifica o desafio de manter claro que sensoriamento remoto é multidisciplinar por excelência.
Trabalho realizado sob orientação da professora Marisa Dantas Bitencourt na disciplina de graduação Técnicas de Sensoriamento Remoto Aplicado à Ecologia: Fundamentos BIE0453 no Instituto de Biociências-USP no segundo semestre de 2016.
Site da Agência Nacional de Águas http://hidroweb.ana.gov.br/default.asp, dezembro de 2016.
Site de catálogos de imagens do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais http://www.dgi.inpe.br/catalogo/, dezembro de 2016.
Site do Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação - USP http://ecologia.ib.usp.br/lepac/, dezembro de 2016.
Site do LandSat 8 na National Aeronautics and Space Administration http://landsat.gsfc.nasa.gov/landsat-8/, dezembro de 2016.
Paulo Roberto Meneses e Tati de Almeida(Organizadores), et al., “INTRODUÇÃO AO PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE SENSORIAMENTO REMOTO”, Brasília 2012.
Site do Portal da Transparência - Governo Federal https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.html?ReturnUrl=%2fsistema, dezembro de 2016.