A mortalidade evitável representa os óbitos que não deveriam ocorrer quando um sistema de saúde funciona de forma adequada. No Brasil, esse problema é crítico porque evidencia desigualdades profundas entre municípios, falhas na atenção primária, baixa capacidade hospitalar e limitações no acesso a ações de prevenção e diagnóstico precoce. Em um país com diferenças extremas de renda, cobertura de serviços e condições de vida, analisar mortalidade evitável não é opcional; é a única forma de identificar onde o sistema falha de forma persistente e quem está sendo deixado para trás.
Este projeto analisa a mortalidade evitável nos municípios brasileiros ao longo do período disponível (2000–2019), observando variações por ano, território e categoria de causa. A pergunta central é objetiva: quais municípios e quais tipos de causas apresentam os maiores níveis de mortalidade evitável, e como isso se relaciona com fatores estruturais do território? Em outras palavras, buscamos identificar padrões, desigualdades e possíveis determinantes associados a esses óbitos, permitindo direcionar políticas públicas e intervenções em saúde de forma mais eficiente.
Para organizar a análise, as causas de morte evitáveis foram agrupadas segundo a classificação adotada pelo Ministério da Saúde, que considera o tipo de intervenção capaz de prevenir o óbito. Essa estrutura facilita a identificação dos pontos críticos do cuidado, seja na prevenção, no manejo clínico ou na atenção hospitalar.
| Categoria de Evitabilidade | Exemplos de Causas de Morte (CID-10) | Nível de Atenção Sensível |
|---|---|---|
| Doenças Sensíveis à Atenção Primária (Atenção Efetiva) | Infecções respiratórias agudas (não COVID-19), doenças diarreicas, tuberculose, condições relacionadas à desnutrição. | Atenção Primária à Saúde |
| Doenças Crônicas Evitáveis por Manejo Clínico | Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) evitáveis com controle de hipertensão e diabetes. | Atenção Primária/Secundária |
| Condições Evitáveis por Ações de Promoção e Prevenção | Câncer de colo do útero (C53), câncer de mama (C50), doenças preveníveis por vacinação ou rastreamento. | Atenção Primária/Secundária |
| Condições Evitáveis por Diagnóstico e Tratamento Adequado | Doença de Chagas (B57), sífilis congênita (A50), agravos dependentes de detecção precoce e tratamento oportuno. | Atenção Primária/Secundária |
| Óbitos Evitáveis por Atenção Hospitalar e de Urgência | Morte materna prevenível (O00–O99), apendicite aguda e outras urgências cirúrgicas (K35–K37), sepse evitável por intervenção hospitalar adequada. | Atenção Hospitalar/Urgência |
library(dplyr)
library(readr)
library(janitor)
library(lubridate)
library(ggplot2)
library(forcats)
library(tidytext) # reorder_within / scale_x_reordered
library(knitr)dplyr
Usado para manipular os dados: filtrar, selecionar colunas, criar
variáveis, agrupar e fazer joins.
tidyr
Reestrutura os dados quando é preciso mudar entre formato largo e
longo.
readr
Faz a leitura dos arquivos CSV de forma rápida e consistente.
janitor
Padroniza nomes das colunas (clean_names()) e ajuda na
limpeza estrutural das tabelas.
lubridate
Simplifica o tratamento de datas: converter formatos, extrair ano, mês
etc.
stringr
Manipula textos com funções estáveis e sintaxe clara (substituições,
padronizações).
ggplot2
Produz os gráficos usados na análise exploratória.
knitr
Gera tabelas simples via kable() para apresentação
organizada dos resultados.
Os dados utilizados neste projeto foram obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), mantido pelo Ministério da Saúde e disponibilizado por meio do DATASUS. O SIM é a base oficial que reúne todos os registros de óbitos do país, consolidados a partir das Declarações de Óbito emitidas em cada município. Ele contém informações padronizadas como causa básica (classificada pela CID-10), local de ocorrência, município de residência, idade, sexo e outras variáveis relevantes para análises epidemiológicas. Trata-se da principal fonte nacional para estudos de mortalidade e é amplamente utilizada em pesquisas acadêmicas, vigilância em saúde e formulação de políticas públicas.
Para este trabalho, foi utilizada a série histórica de 2000 a 2019, cobrindo todos os municípios brasileiros. Os arquivos foram extraídos no formato disponibilizado pelo DATASUS e posteriormente convertidos e tratados para análise. Embora o SIM seja uma base robusta, ele apresenta limitações conhecidas, como sub-registro residual em municípios menores e variações na qualidade do preenchimento da causa básica ao longo dos anos. Ainda assim, é a fonte oficial mais completa e consistente disponível para investigar padrões de mortalidade e, especialmente, para analisar mortalidade evitável em nível municipal.
O período analisado compreende os anos de 2000 a 2019, cobrindo duas décadas de registros oficiais do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Esse intervalo permite observar tendências temporais consistentes e captar mudanças estruturais no perfil de mortalidade dos municípios brasileiros. As variáveis utilizadas incluem causa básica do óbito (CID-10), município de ocorrência, município de residência, idade, sexo, ano do evento e demais campos presentes na declaração de óbito. Variáveis externas complementares podem ser incorporadas, como indicadores socioeconômicos e estruturais dos municípios, desde que harmonizadas pelo código IBGE.
O SIM possui limitações inerentes ao processo de registro. Algumas regiões apresentam sub-registro de óbitos, especialmente municípios pequenos ou com menor capacidade administrativa. A qualidade do preenchimento da causa básica varia entre anos e localidades, podendo gerar classificação incorreta ou categorias mal definidas. Peculiaridades do sistema incluem diferenças históricas na completude de variáveis, mudanças nos formulários ao longo dos anos e a necessidade de padronizar nomes de municípios devido a alterações administrativas. Mesmo com essas restrições, o SIM continua sendo a base mais abrangente e consistente para análises de mortalidade no Brasil.
A importação dos dados foi realizada a partir dos arquivos disponibilizados pelo DATASUS referentes ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Os arquivos originais foram baixados no formato CSV e carregados no ambiente de análise utilizando funções padrão de leitura. Após a importação, cada variável foi verificada individualmente para identificar problemas comuns, como codificações inconsistentes, formatos inadequados, dados ausentes e divergências entre anos.
O processo de limpeza incluiu: padronização dos nomes de variáveis, conversão de colunas para seus tipos corretos (por exemplo, idade para numérico e datas para formato Date), remoção de registros inválidos ou incompletos, e harmonização dos códigos municipais utilizando o padrão IBGE. As categorias de sexo, raça/cor e causa básica foram traduzidas ou recodificadas para valores mais interpretáveis. A coluna de idade passou por validação para eliminar valores impossíveis (como negativos ou superiores a limites fisiologicamente incompatíveis). Por fim, os dados de causa básica foram integrados ao dicionário CID-10 e as cidades foram vinculadas ao arquivo oficial do IBGE, garantindo consistência para as análises posteriores.
Esse conjunto de etapas padroniza o dataset, reduz erros estruturais e prepara o material para agrupamentos, criação de indicadores e análises comparativas entre municípios e anos.
## # A tibble: 5 × 8
## ano sigla_uf sequencial_obito data_obito idade sexo_traduzido cidade
## <dbl> <chr> <dbl> <date> <dbl> <chr> <chr>
## 1 2002 PE 3693 2002-04-27 81 Feminino ABREU E LIMA
## 2 2002 PE 32328 2002-01-04 76 Masculino AFOGADOS DA I…
## 3 2002 PE 32495 2002-08-15 81 Masculino AFOGADOS DA I…
## 4 2002 PE 32401 2002-03-04 40 Masculino AFOGADOS DA I…
## 5 2002 PE 32546 2002-08-30 54 Feminino AFOGADOS DA I…
## # ℹ 1 more variable: causa_basica_nome <chr>
Faça uma tabela simples:
df |> summarise(
total = n(),
municipios = n_distinct(cidade),
causas = n_distinct(causa_basica_nome)
)## # A tibble: 1 × 3
## total municipios causas
## <int> <int> <int>
## 1 215858 185 284
Essa classificação permite avaliar não apenas quantos óbitos ocorrem, mas onde o sistema de saúde falha: na atenção básica, na prevenção, no manejo clínico ou na resposta hospitalar. Essa distinção é essencial para interpretar adequadamente os resultados ao longo dos municípios analisados.
top_mun <- df |>
count(cidade, sort = TRUE) |>
slice_head(n = 10)
ggplot(top_mun, aes(x = reorder(cidade, n), y = n)) +
geom_col() +
coord_flip() +
labs(title = "Top 10 municípios com maior número de mortes evitáveis",
x = "Município", y = "Quantidade")causas <- df |>
count(causa_basica_nome, sort = TRUE) |>
slice_head(n = 10)
ggplot(causas, aes(x = reorder(causa_basica_nome, n), y = n)) +
geom_col() +
coord_flip() +
labs(title = "Principais causas de mortalidade evitável",
x = "Causa", y = "Quantidade")library(dplyr)
library(ggplot2)
library(viridis) # para paleta
# normaliza nomes
df2 <- df %>%
mutate(
cidade = toupper(trimws(cidade)),
causa = trimws(causa_basica_nome),
ano = as.integer(ano)
) %>%
filter(ano == 2019)
# top cidades e causas
top_cidades <- df2 %>% count(cidade, sort = TRUE) %>% slice_head(n = 10) %>% pull(cidade)
top_causas <- df2 %>% count(causa, sort = TRUE) %>% slice_head(n = 3) %>% pull(causa)
# pivot counts
heat <- df2 %>%
filter(cidade %in% top_cidades, causa %in% top_causas) %>%
count(cidade, causa, name = "n")
# ensure all combos (fill zeros)
heat <- tidyr::complete(heat, cidade = top_cidades, causa = top_causas, fill = list(n = 0))
ggplot(heat, aes(x = reorder(causa, -as.numeric(factor(causa))), y = reorder(cidade, n), fill = n)) +
geom_tile(color = "white") +
scale_fill_viridis(option = "magma", direction = -1) +
labs(title = "Heatmap: principais causas x municípios (2019)",
x = "Causa", y = "Município", fill = "Óbitos") +
theme_minimal(base_size = 11) +
theme(axis.text.x = element_text(angle = 45, hjust = 1))O heatmap construído a partir das 10 cidades com maior número de óbitos e das 3 causas evitáveis mais frequentes em 2019 permite visualizar, de forma concentrada, como essas causas se distribuem entre os municípios pernambucanos. A representação por intensidade de cor evidencia claramente que a maior carga de mortalidade evitável está associada às doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, especialmente infarto agudo do miocárdio, AVC não especificado e hemorragias intracranianas. Municípios de maior porte populacional, como Recife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista e Caruaru, apresentam os maiores volumes para essas causas, reforçando o padrão observado nas análises anteriores.
Além disso, o heatmap revela a presença consistente de causas sensíveis à atenção primária como tuberculose, diarreia infecciosa e desnutrição em municípios de maior vulnerabilidade, ainda que em menor volume absoluto. Esse contraste entre tipos de causas e municípios indica que a mortalidade evitável em Pernambuco resulta de fragilidades simultâneas na atenção básica e no cuidado hospitalar, variando conforme o perfil socioeconômico e a capacidade instalada de cada território. A visualização facilita a identificação de municípios onde determinadas causas são desproporcionalmente elevadas, orientando a priorização de intervenções específicas no sistema de saúde estadual.
A construção das tabelas foi orientada para destacar diferenças reais entre os municípios pernambucanos ao longo do período analisado. Com base nas colunas disponíveis ano, cidade e causa básica foram priorizadas comparações que capturam a distribuição das principais causas de mortalidade evitável, identificando quais municípios concentram maior número de óbitos e quais causas dominam o perfil local. Em vez de apenas listar contagens brutas, as tabelas organizam os dados de forma a mostrar a participação relativa de cada causa dentro do município e a evolução das principais categorias ao longo dos anos, permitindo identificar padrões consistentes e desigualdades estruturais.
Essas comparações evidenciam, por exemplo, municípios onde determinadas causas representam parcela desproporcional dos óbitos, além de revelar a permanência de causas marcadamente evitáveis, como infarto, AVC, tuberculose e desnutrição. O objetivo das tabelas não é volume por si só, mas a capacidade de mostrar como e onde essas causas se distribuem, reforçando as diferenças entre territórios e a persistência de padrões críticos que caracterizam a mortalidade evitável no estado.
Este trabalho investigou a mortalidade evitável nos municípios pernambucanos, analisando como esses óbitos refletem falhas estruturais do sistema de saúde em prevenção, diagnóstico, manejo clínico e atenção hospitalar. A partir dos dados do SIM (2000–2019), foi possível identificar padrões consistentes no estado, com forte domínio de causas cardiovasculares e cerebrovasculares, além de doenças associadas à atenção primária frágil, como tuberculose, desnutrição e diarreia.
Os resultados mostraram que os maiores volumes de mortalidade evitável se concentram em municípios de grande porte, especialmente Recife, onde infarto agudo do miocárdio, AVC e hemorragias intracranianas aparecem como causas principais. Municípios como Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista, Caruaru, Garanhuns, Petrolina e Cabo de Santo Agostinho reproduzem o mesmo padrão, ainda que em escala menor, indicando que o problema é estrutural e não restrito à capital. Além disso, causas como tuberculose, desnutrição e doenças diarreicas continuam presentes em níveis expressivos em cidades de maior vulnerabilidade, evidenciando desigualdades internas no estado e falhas persistentes da atenção primária.
Os principais insights incluem: (1) predominância de causas cardiovasculares e cerebrovasculares na maior parte dos municípios pernambucanos; (2) persistência de doenças infecciosas e condições nutricionais evitáveis em áreas vulneráveis; (3) concentração de óbitos absolutos nos municípios maiores, mas com impacto proporcional relevante também nos médios; e (4) contribuição conjunta das falhas da atenção primária e hospitalar para o padrão geral de mortalidade evitável no estado.
Com base nesses achados, políticas públicas eficazes envolveriam: qualificação da atenção primária com foco em controle de hipertensão e diabetes; fortalecimento da Estratégia Saúde da Família nos municípios com menor cobertura; ampliação do diagnóstico precoce de doenças infecciosas; melhoria da capacidade hospitalar para resposta às emergências cardiovasculares; e intervenções focalizadas nos municípios que apresentam combinações de alta vulnerabilidade e alta mortalidade.
As limitações incluem sub-registros mais prováveis em municípios pequenos, variações na qualidade do preenchimento da causa básica, ausência de algumas covariáveis anuais por município e diferenças na completude das informações ao longo da série. Ainda assim, os resultados fornecem uma visão sólida do padrão de mortalidade evitável em Pernambuco e ajudam a identificar os pontos críticos onde intervenções podem gerar maior impacto.
Ministério da Saúde. (2015). Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde – Brasil. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/lista_causas_mortes_evitaveis_intervencoes.pdf
Ministério da Saúde. Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). (2024). DATASUS. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/sistemas-e-aplicativos/eventos-v/sim-sistema-de-informacoes-sobre-mortalidade/
IBGE. SIDRA – Sistema de Recuperação Automática. (2024). Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br
PNUD, IPEA, Fundação João Pinheiro. (2013). Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br
Ministério das Cidades. (2024). Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Disponível em: http://www.snis.gov.br
Ministério da Saúde. (2024). Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Disponível em: https://cnes.datasus.gov.br