1 Introdução

A PNAD Contínua é a principal pesquisa domiciliar do Brasil, fornecendo dados sobre a força de trabalho, além de outras informações necessárias para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Sendo assim, o foco deste material foi o recorte da população negra, definida como pessoas pretas e pessoas pardas. Este grupo enfrenta desigualdades estruturais que justificam análises específicas. Nesse sentido, o conteúdo aqui apresentado teve as seguintes características:

  • Tratar e preparar os dados da PNAD.

  • Respeitar o plano amostral complexo (pesos, estratos, UPAs).

  • Estimar indicadores com precisão estatística.

  • Comparar Pernambuco com o restante do país.

  • relacionar os dados obtidos com o conceito de interseccionalidade, que leva em conta raça, gênero, território, etc.).

2 Metodologia

2.1 Carregamento dos pacotes necessários

# Carregamento dos pacotes necessários

library(PNADcIBGE)  # para acesso direto aos microdados da PNAD Contínua
library(dplyr)      # manipulação de dados
library(ggplot2)    # visualização de dados
library(survey)     # análise de amostras complexas
library(scales)     # formatação de eixos e rótulos nos gráficos
library(DescTools)  # funções estatísticas complementares
library(tidyr)      # manipulação de dados longos/largos
library(knitr)      # para tabelas formatadas

Estes foram os pacotes utilizados na construção da análise realizada.

2.2 Fonte de Dados

Os dados foram obtidos diretamente da PNAD Contínua para o ano de 2022, 2º trimestre, por meio do pacote PNADcIBGE, que já realiza a leitura, rotulagem e organização das variáveis.

dados <- get_pnadc(
year = 2022,
quarter = 2, # este parâmetro define o trimestre desejado 
design = TRUE # retorna o objeto como "survey.design" para análises ponderadas
)

O pacote PNADcIBGE já faz a leitura dos microdados, rotula variáveis e mantém as informações de peso amostral. É válido salientar que é crucial usar pesos e estrutura da amostra a fim de garantir estimativas representativas da população.

2.3 Filtragem da População Negra

A filtragem é feita dentro do design, utilizando subset() para manter a validade do plano amostral. Nesse sentido, o recorte inclui:

  • Pessoas pretas ou pardas (V2010).

  • Indivíduos com renda declarada e maior que zero (VD4019).

  • Pessoas com nível de escolaridade informado e com indicação de que o nível foi concluído (V3012 == “Concluiu”).

  • Pessoas com 14 anos ou mais (V2009).

dados_negra <- subset(
dados,
V2010 %in% c("Preta","Parda") &
!is.na(VD4019) & VD4019 > 0 &
!is.na(V3009A) &
!is.na(V3012) & V3012 == "Concluiu" &
V2009 >= 14
)

# Renomeando e formatando variáveis para facilitar a análise dos dados
dados_negra <- update(
dados_negra,
renda        = VD4019,
escolaridade = factor(V3009A, ordered = TRUE),
sexo         = factor(V2007, levels = c("Homem","Mulher")),
uf           = factor(UF),
idade        = V2009
)

2.4 Winsorização opcional para renda

# variável recebe o data frame do survey para manipulação
df <- dados_negra$variables

# definição dos limites para winsorização (1% e 99%), sendo os quantis (limites) da winsorização
q_min <- quantile(df$renda, 0.01, na.rm = TRUE) # valores abaixo do 1% passam a ser q_min
q_max <- quantile(df$renda, 0.99, na.rm = TRUE) # valores acima do 99% passam a ser q_max

# Winsorização: valores abaixo do 1% passam a ser q_min, e valores acima do 99% passam a ser q_max
df$renda_w <- pmin(pmax(df$renda, q_min), q_max)

# atualização do objeto survey com a renda winsorizada
dados_negra <- update(dados_negra, renda_w = df$renda_w)

A técnica de Winsorização reduz o impacto de outliers extremos na média. É útil em análises de renda, que costuma ter distribuição assimétrica.

3 Resultados

3.1 Relação entre Escolaridade e Renda Média

A renda costuma aumentar com o nível de escolaridade. Para visualizar isso:

Tabela:

# cálculo da média ponderada da renda por nível de escolaridade
renda_escolaridade <- svyby(
~renda_w, ~escolaridade,
dados_negra, svymean,
vartype = c("se","ci") # SE é o erro padrão, CI é o intervalo de confiança
)

# padronização dos nomes dos CIs

renda_escolaridade <- renda_escolaridade %>%
rename_with(~"ci_l", contains("ci_l")) %>%
rename_with(~"ci_u", contains("ci_u"))

# exibição em tabela

kable(renda_escolaridade) 
escolaridade renda_w se ci_l ci_u
Antigo primário (elementar) Antigo primário (elementar) 1363.296 25.741343 1312.844 1413.748
Antigo ginásio (médio 1º ciclo) Antigo ginásio (médio 1º ciclo) 1694.101 67.698647 1561.414 1826.788
Regular do ensino fundamental ou do 1º grau Regular do ensino fundamental ou do 1º grau 1409.867 9.310741 1391.618 1428.116
Educação de jovens e adultos (EJA) ou supletivo do 1º grau Educação de jovens e adultos (EJA) ou supletivo do 1º grau 1282.252 46.458763 1191.194 1373.309
Antigo científico, clássico, etc. (médio 2º ciclo) Antigo científico, clássico, etc. (médio 2º ciclo) 2338.532 166.148665 2012.886 2664.177
Regular do ensino médio ou do 2º grau Regular do ensino médio ou do 2º grau 1729.656 9.549154 1710.940 1748.372
Educação de jovens e adultos (EJA) ou supletivo do 2º grau Educação de jovens e adultos (EJA) ou supletivo do 2º grau 1665.078 47.373013 1572.228 1757.927
Superior - graduação Superior - graduação 3095.071 32.206872 3031.947 3158.196

svyby() calcula médias ponderadas e intervalos de confiança respeitando a amostra complexa. Enquanto ci_l e ci_u ajudam a visualizar a incerteza da estimativa. Nesse sentido, a tendência esperada é maior escolaridade aliada a uma maior renda.

Gráfico de renda média por escolaridade:

ggplot(renda_escolaridade, aes(x = escolaridade, y = renda_w)) +
geom_col(fill = "steelblue") +
geom_errorbar(aes(ymin = ci_l, ymax = ci_u), width = .2) +
scale_y_continuous(labels = label_comma(prefix = "R$ ")) +
theme(axis.text.x = element_text(angle = 45, hjust = 1)) +
labs(
title = "Renda Média por Escolaridade — População Negra",
y = "Renda Média"
)

Os resultados mostram um crescimento nítido da renda conforme aumenta o nível de escolaridade. A educação segue desempenhando papel central na mobilidade econômica, embora pesquisas indiquem que, mesmo entre pessoas negras com alta escolarização, permanecem desigualdades de renda quando comparadas a pessoas brancas.

3.2 Comparação da Renda Média: Pernambuco vs. Brasil

Tabela:

# Criação do grupo: Pernambuco vs. Outros Estados
dados_negra <- update(
dados_negra,
grupo = ifelse(uf == "Pernambuco", "Pernambuco", "Outros Estados")
)

# Média de renda por grupo
renda_pe_br <- svyby(
~renda_w, ~grupo,
dados_negra, svymean,
vartype = c("se","ci")
)

# Padronização de ICs
renda_pe_br <- renda_pe_br %>%
rename_with(~"ci_l", contains("ci_l")) %>%
rename_with(~"ci_u", contains("ci_u"))

# Tabela
kable(renda_pe_br)
grupo renda_w se ci_l ci_u
Outros Estados Outros Estados 1845.052 8.79420 1827.816 1862.289
Pernambuco Pernambuco 1399.223 34.91301 1330.795 1467.652

Gráfico de comparação:

ggplot(renda_pe_br, aes(x = grupo, y = renda_w, fill = grupo)) +
geom_col() +
geom_errorbar(aes(ymin = ci_l, ymax = ci_u), width = .2) +
scale_y_continuous(labels = label_comma(prefix = "R$ ")) +
guides(fill = "none") +
labs(
title = "Renda Média — Pernambuco vs Brasil",
y = "Renda Média"
)

Observa-se que a renda média da população negra em Pernambuco tende a ser inferior à média nacional. Esse resultado é coerente com desigualdades regionais históricas no Brasil, em que estados do Nordeste apresentam condições estruturais menos favoráveis no mercado de trabalho.

3.3 Comparação da Escolaridade: Pernambuco vs. Brasil

Tabela transformada:

# Proporção de cada nível de escolaridade por grupo
esc_pe_br <- svyby(
~escolaridade, ~grupo,
dados_negra, svymean
)

# Transformação para formato longo para gráfico
esc_pe_br_long <- as.data.frame(esc_pe_br) %>%
pivot_longer(
starts_with("escolaridade"),
names_to = "escolaridade",
values_to = "prop"
) %>%
mutate(escolaridade = sub("escolaridade", "", escolaridade))

Gráfico de distribuição da escolaridade:

ggplot(esc_pe_br_long, aes(x = escolaridade, y = prop, fill = grupo)) +
geom_col(position = "dodge") +
scale_y_continuous(labels = percent) +
theme(axis.text.x = element_text(angle = 45, hjust = 1)) +
labs(
title = "Distribuição da Escolaridade — Pernambuco vs Brasil",
x = "Escolaridade",
y = "Proporção"
)

Pernambuco apresenta, proporcionalmente, menos pessoas negras com níveis mais altos de escolaridade quando comparado ao restante do país. Essa diferença contribui para explicar parte da desigualdade de renda observada anteriormente.

3.4 Diferença de Renda entre Homens e Mulheres Negras

# Média de renda por sexo
renda_sexo <- svyby(
~renda_w, ~sexo,
dados_negra, svymean,
vartype = c("se","ci")
)

renda_sexo <- renda_sexo %>%
rename_with(~"ci_l", contains("ci_l")) %>%
rename_with(~"ci_u", contains("ci_u"))

kable(renda_sexo)
sexo renda_w se ci_l ci_u
Homem Homem 2009.548 10.64623 1988.681 2030.414
Mulher Mulher 1546.652 10.25767 1526.547 1566.756

Gráfico de comparação por sexo:

ggplot(renda_sexo, aes(x = sexo, y = renda_w, fill = sexo)) +
geom_col() +
geom_errorbar(aes(ymin = ci_l, ymax = ci_u), width = .2) +
guides(fill = "none") +
scale_y_continuous(labels = label_comma(prefix = "R$ ")) +
labs(
title = "Renda Média — Homens e Mulheres Negras",
y = "Renda Média"
)

Conforme o gráfico acima, as mulheres negras apresentam renda média inferior à dos homens negros. Essa diferença reforça a presença de desigualdades de gênero dentro da própria população negra, destacando um caso clássico de interseccionalidade, ou seja, há sobreposição das desigualdades de raça e gênero.

3.5 Idade Média: Pernambuco vs. Brasil (Por Sexo)

#Média de idade por combinação grupo x sexo
idade_pe_br <- svyby(
~idade,
~interaction(grupo, sexo),
dados_negra, svymean,
vartype = c("se","ci")
)

# Renomeando coluna
names(idade_pe_br)[1] <- "grupo_sexo"

# Separação a interação em duas coluna
idade_pe_br <- idade_pe_br %>%
tidyr::separate(grupo_sexo, into = c("grupo","sexo"), sep = "\\.") %>%
rename_with(~"ci_l", contains("ci_l")) %>%
rename_with(~"ci_u", contains("ci_u"))

Gráfico de idade média:

ggplot(idade_pe_br, aes(x = sexo, y = idade, fill = grupo)) +
geom_col(position = "dodge") +
geom_errorbar(aes(ymin = ci_l, ymax = ci_u),
position = position_dodge(.9), width = .2) +
labs(
title = "Idade Média — Pernambuco vs Brasil",
x = "Sexo",
y = "Idade Média"
)

A idade média apresenta diferenças moderadas entre Pernambuco e os demais estados (grupos), mas tende a ser relativamente semelhante entre homens e mulheres. Esse resultado sugere que diferenças etárias não são o principal explicador das desigualdades de renda ou escolaridade observadas.

4 Discussão: Interseccionalidade

Considerando que interseccionalidade é um conceito que busca compreender como diferentes dimensões sociais, como por exemplo raça, gênero, classe, território e escolaridade interagem e produzem desigualdades específicas. Sendo assim, é possível perceber que a análise feita aqui revela desigualdades complexas que se entrelaçam. São elas:

  • A renda é influenciada tanto pela região quanto pela escolaridade.

  • Mulheres negras acumulam desvantagens pela combinação de raça e gênero.

  • Diferenças regionais estruturais reforçam padrões de exclusão.

  • A maior escolaridade reduz desigualdades, mas não as elimina.

Nesse sentido, os resultados aqui constatados podem servir de subsídio para a tomada de decisão, como por exemplo na elaboração e/ou monitoramento de políticas públicas voltadas para o público aqui analisado.

5 Conclusão

Diante dos dados aqui analisados, A PNAD Contínua 2022 (2º trimestre) mostra que pessoas negras apresentam desigualdades persistentes de renda e escolaridade. Infelizmente, Pernambuco possui indicadores inferiores ao restante do país. Dentro do recorte racial é possível perceber que as mulheres negras sofrem desigualdades ainda mais profundas. Além disso, a educação melhora resultados no que diz respeito a uma maior renda, no entanto ainda há barreiras estruturais que precisam ser vencidas. Portanto, esses achados reforçam a necessidade continuação, ou até mesmo a ampliação e/ou criação de políticas públicas específicas e de análises que considerem múltiplos marcadores sociais simultaneamente.

Síntese dos Achados

  • A população negra apresenta desigualdades persistentes.

  • Pernambuco tem indicadores socioeconômicos inferiores à média nacional.

  • As mulheres negras possuem piores resultados nos dados analisados.

  • A escolaridade é importante na questão da renda, contudo ainda não supera barreiras estruturais.

Recomendações

A análise aqui feita dos resultados observados,, apesar de indicar através de dados fidedignos e confiáveis, se mostra limitado. Portanto, seria essencial realizar uma análise mais aprofundada, como por exemplo realizar a mesma análise mas dentro de um maior espaço de tempo, considerando 10 anos por exemplo. Apesar disso, pode ser recomendado que sejam feitas políticas públicas focalizadas nos grupos aqui analisados, pois elas podem de fato melhorar o cenário aqui apresentado. Portanto, também é valido salientar que deve ser mantido um monitoramento contínuo através da PNAD Contínua.

6 Referências

Assunção, Gabriel. Análise de microdados da PNAD Contínua Com os pacotes PNADcIBGE e survey. Disponível em: https://rpubs.com/gabriel-assuncao-ibge/pnadc. Acesso em: 03 dez. 2025.

IBGE. PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 3 dez. 2025.

HUGO DE ARAÚJO BARBOSA, A.; MAZZINI MARCONDES, M. .; JULIANA BARBOSA DE OLIVEIRA, A. Governança das políticas de cuidado, transversalidade e interseccionalidade: uma análise de experiências latino-americanas e caribenhas. Revista do Serviço Público, [S. l.], v. 76, n. 2, p. 221-244, 2025. DOI: 10.21874/rsp.v76i2.10991. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/10991. Acesso em: 3 dez. 2025.