O estudo de processos estocásticos é fundamental para a modelagem de fenômenos incertos ao longo do tempo, especialmente em sistemas de demanda, filas e controle de estoques. A capacidade de manter um equilíbrio entre a oferta e a demanda de produtos impacta diretamente os custos operacionais e a satisfação do cliente. Um dos maiores desafios na gestão de estoques é a incerteza associada à demanda. Modelos estocásticos são, portanto, essenciais para capturar essa variabilidade e fornecer uma base sólida para a tomada de decisões.
Nesse contexto, o Processo de Poisson (PP) surge como uma ferramenta poderosa para modelar a ocorrência de eventos ao longo do tempo, como a chegada de clientes ou a demanda por um determinado item. O Processo de Poisson Homogêneo (PPH), em particular, assume que a taxa média de ocorrência de eventos é constante, o que o torna um modelo tratável e amplamente aplicável em problemas de estoque. A sua relação intrínseca com a distribuição Exponencial, que modela o tempo entre eventos, fornece um arcabouço teórico robusto para a análise de sistemas de estoque.
No contexto da Estatística, o Processo de Poisson é frequentemente utilizado para representar a chegada de pedidos, falhas de máquinas, chamadas em centrais de atendimento e outros eventos discretos que se desenvolvem no tempo. Quando aplicado ao problema de estoques, esse processo fornece uma forma analítica para estimar a demanda e otimizar níveis de reposição (Hillier & Lieberman, 2022).
Este artigo tem como objetivo discutir a utilização do Processo de Poisson na modelagem de sistemas de estoque, abordando tanto a perspectiva paramétrica — baseada na formulação teórica clássica — quanto a abordagem não paramétrica, que utiliza métodos empíricos e simulações para estimar a demanda e o risco de ruptura.
Um processo estocástico é, em sua essência, um sistema que evolui ao longo do tempo de maneira aleatória. Mais formalmente, é uma coleção de variáveis aleatórias \(\{X(t), t \in T\}\), onde \(t\) é um índice (geralmente o tempo) e \(T\) é o conjunto de índices (discreto ou contínuo).
O Processo de Poisson é um dos tipos mais importantes e fundamentais de processos estocásticos, especificamente um processo de contagem.
O Processo de Poisson é um dos processos estocásticos mais importantes e amplamente utilizados para modelar o número de eventos que ocorrem em um intervalo de tempo. A sua simplicidade e as suas propriedades matemáticas bem definidas o tornam uma ferramenta valiosa em diversas áreas, incluindo a gestão de estoques. Nesta seção, apresentaremos a definição e as principais propriedades do Processo de Poisson Homogêneo (PPH).
Um processo de Poisson é um modelo que descreve a ocorrência de “eventos” (como chegadas de clientes, demandas de itens, ou falhas de máquinas) ao longo do tempo.
Seja \(N(t)\) o número de eventos ocorridos no intervalo de tempo \([0, t]\). Dizemos que \(\{N(t), t \ge 0\}\) é um Processo de Poisson com taxa (ou intensidade) \(\lambda > 0\) se as seguintes premissas forem verdadeiras.
A partir das propriedades do PPH, pode-se derivar a distribuição de probabilidade do número de eventos em um intervalo de tempo. Para qualquer t > 0, o número de eventos N(t) em um intervalo de comprimento t segue uma distribuição de Poisson com parâmetro λt. A função de probabilidade é dada por:
O número de eventos \(N(t)\) que ocorrem em qualquer intervalo de tempo de duração \(t\) segue uma Distribuição de Poisson com parâmetro (média) \(\mu = \lambda t\).
A função de massa de probabilidade é: \[ P(N(t) = k) = \frac{e^{-\lambda t}(\lambda t)^k}{k!}, \quad \text{para } k = 0, 1, 2, ... \]
Esta é a dualidade mais importante do processo. O Processo de Poisson conta eventos; a distribuição Exponencial mede o tempo entre esses eventos.
Seja \(T_1\) o tempo até o primeiro evento. Sejam \(T_2, T_3, ...\) os tempos entre os eventos subsequentes (chamados de tempos entre-chegadas).
Teorema: Se as chegadas seguem um Processo de Poisson com taxa \(\lambda\), então os tempos entre-chegadas \(T_1, T_2, ...\) são variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas (i.i.d.) seguindo uma Distribuição Exponencial com parâmetro \(\lambda\).
Podemos provar isso facilmente para \(T_1\). Queremos encontrar a Função de Distribuição Acumulada (FDA) de \(T_1\), ou seja, \(F(t) = P(T_1 \le t)\).
É mais fácil começar com a função de sobrevivência, \(P(T_1 > t)\).
O evento “O tempo até a primeira chegada ser maior que \(t\)” (\(T_1 > t\)) é exatamente o mesmo evento que “O número de chegadas no intervalo \([0, t]\) ser zero” (\(N(t) = 0\)).
\[ P(T_1 > t) = P(N(t) = 0) \]
Usando a fórmula da distribuição de Poisson \(P(N(t) = k)\) com \(k=0\):
\[ P(N(t) = 0) = \frac{e^{-\lambda t}(\lambda t)^0}{0!} = e^{-\lambda t} \]
Portanto, a função de sobrevivência de \(T_1\) é \(P(T_1 > t) = e^{-\lambda t}\).
A FDA (CDF) é o complemento: \[ F(t) = P(T_1 \le t) = 1 - P(T_1 > t) = 1 - e^{-\lambda t}, \quad \text{para } t \ge 0 \]
Esta é, por definição, a Função de Distribuição Acumulada de uma variável aleatória Exponencial com parâmetro \(\lambda\).Propriedade crucial para a modelagem de sistemas onde a ocorrência de eventos não é influenciada pelo tempo decorrido desde o último evento, como é frequentemente o caso em problemas de estoque.
A distribuição Exponencial é a única distribuição contínua que possui a propriedade de falta de memória.
\[ P(T > s + t \mid T > s) = P(T > t), \quad \text{para } s, t \ge 0 \]
Duas outras propriedades são cruciais para modelagem:
Esta é a aplicação direta da teoria. Nos modelos de Taha, Ross, e Hillier & Lieberman, a demanda é a variável aleatória que o estoque deve absorver.
A “chegada de um cliente” na Teoria das Filas torna-se a “chegada de uma demanda por 1 unidade” na Teoria dos Estoques.
Quando um modelo de estoque (como os do Cap. 14 de Taha) assume que a demanda é probabilística, o Processo de Poisson é a ferramenta de modelagem mais fundamental.
Na abordagem paramétrica, assume-se que a distribuição da demanda é conhecida e segue uma forma teórica específica — neste caso, a distribuição de Poisson. Assim, todos os cálculos de expectativa, variância e probabilidade de ruptura podem ser obtidos de forma analítica.
A demanda esperada em um período \(T\) é dada por:
\[ E[D_T] = \lambda T \]
e a variância é igualmente \(\text{Var}(D_T) = \lambda T\). Essa propriedade, na qual média e variância são iguais, é característica da distribuição de Poisson e facilita a formulação de modelos analíticos.
Em modelos de controle de estoque contínuos, essa formulação permite determinar o ponto de ressuprimento ótimo \(s^*\) que minimiza o custo total esperado, considerando custos de manutenção, pedido e falta.
Segundo Hillier e Lieberman (2022), o processo de Poisson é uma das bases para a formulação do modelo clássico de estoque sob incerteza, permitindo derivar expressões analíticas para a probabilidade de ruptura e o custo esperado do sistema.
A gestão de estoques busca responder a duas perguntas fundamentais: Quanto pedir? e Quando pedir?. O objetivo é minimizar os custos totais associados à manutenção e ao pedido de itens.
O modelo (s, S) pertence à classe dos modelos de revisão contínua, nos quais o nível de estoque é monitorado a todo instante. Um pedido de ressuprimento é feito sempre que o estoque atinge ou cai abaixo do ponto de pedido \(s\), sendo o tamanho do pedido \(Q\) definido de modo que o estoque seja elevado ao nível \(S\). Assim:
\[ Q = S - I, \]
onde \(I\) representa o nível de estoque no momento do pedido (tipicamente \(I = s\)).
As principais suposições do modelo (s, S) são:
Essas hipóteses permitem formular o problema como uma decisão de dois parâmetros \((s, S)\), que devem ser escolhidos de modo a minimizar o custo esperado total por unidade de tempo.
Se a demanda segue um Processo de Poisson Homogêneo (PPH) com taxa \(\lambda\), então o número de unidades demandadas durante o tempo de reposição \(L\) é uma variável aleatória Poisson com média \(\lambda L\):
\[ P(D_L = k) = \frac{e^{-\lambda L} (\lambda L)^k}{k!}, \quad k = 0, 1, 2, \dots \]
A demanda média durante o lead time é, portanto:
\[ E[D_L] = \lambda L. \]
Essa formulação é essencial para determinar o ponto de pedido \(s\), que deve ser suficiente para cobrir a demanda média durante \(L\) acrescida de um estoque de segurança, reduzindo o risco de ruptura.
A política de reposição (s, S) define dois limiares:
A probabilidade de falta de estoque (ruptura) é dada por:
\[ P(\text{falta}) = P(D_L > s). \]
Se o nível de serviço desejado for \(\alpha\) (por exemplo, 95%), então \(s\) deve ser escolhido tal que:
\[ P(D_L \le s) \ge \alpha. \]
ou equivalentemente,
\[ s = F^{-1}_{\text{Poisson}(\lambda L)}(\alpha) \]
onde \(F^{-1}\) denota a função
quantil da distribuição de Poisson.
Assim, \(s\) é o menor valor que
satisfaz essa desigualdade, com base na distribuição Poisson(\(\lambda L\)).
O estoque de segurança (SS) é definido como a diferença entre o ponto de pedido e a demanda média durante o lead time:
\[ SS = s - \lambda L. \] ### EOQ no contexto do modelo (s, S)
Em situações estáveis, o valor de \(Q\) pode ser associado à Quantidade
Econômica de Pedido (EOQ), que minimiza o custo total esperado
de pedido e manutenção.
A fórmula clássica do EOQ é dada por:
\[ Q^* = \sqrt{\frac{2DK}{h}} \]
onde: - \(D\) — demanda média por unidade de tempo (por exemplo, unidades por ano); - \(K\) — custo fixo por pedido realizado; - \(h\) — custo de manutenção por unidade em estoque por unidade de tempo.
Assim, no contexto do modelo \((s, S)\), define-se usualmente: \[ S = s + Q^* \]
O problema central torna-se, portanto, a determinação do ponto de reposição \(s\), que depende da incerteza na demanda durante o tempo de entrega (lead time) \(L\).
A determinação ótima dos parâmetros \(s\) e \(S\) envolve um balanço entre custo de manutenção e custo de falta, além do custo fixo por pedido. De forma simplificada, pode-se expressar o custo total esperado por unidade de tempo como:
\[ C(s, S) = \frac{K \lambda}{E[Q]} + h \, E[I] + p \, E[\text{Falta}], \]
onde:
Segundo Hillier e Lieberman (2015), a análise exata requer simulação ou aproximações, dado que o comportamento do estoque segue um processo estocástico com reposições descontínuas.
Uma aproximação comum para o estoque médio é:
\[ E[I] \approx s - \frac{E[D_L]}{2} + \frac{S - s}{2}, \]
enquanto o número médio de faltas pode ser estimado a partir da cauda superior da distribuição de Poisson.
De acordo com Sheldon Ross (2014), a simulação estocástica é uma ferramenta poderosa para validar políticas de estoque (s, S), especialmente quando a demanda não segue exatamente o Processo de Poisson. O modelo pode ser simulado gerando tempos de chegada exponenciais com taxa \(\lambda\) e avaliando a evolução do estoque ao longo do tempo.
Essa abordagem permite comparar o desempenho do modelo (s, S) sob diferentes distribuições de demanda e estimar métricas como:
A simulação é particularmente útil quando os parâmetros \(s\) e \(S\) não possuem solução analítica simples ou quando há incerteza sobre o comportamento real da demanda.
O modelo (s, S) constitui uma das políticas de estoque mais robustas e amplamente aplicadas em ambientes com monitoramento contínuo e demanda aleatória. Sua formulação baseada no Processo de Poisson fornece uma estrutura teórica elegante e prática, permitindo estimar probabilidades de falta e níveis de serviço de forma direta.
Contudo, sua eficiência depende fortemente da validade dos pressupostos — especialmente da homogeneidade da taxa de demanda \(\lambda\) e da constância do lead time. Em situações mais complexas, abordagens não paramétricas ou simulações de Monte Carlo podem oferecer estimativas mais realistas e flexíveis.
Apesar da elegância e simplicidade da abordagem paramétrica baseada no PPH, a demanda real em muitos sistemas de estoque pode não satisfazer perfeitamente os pressupostos do Processo de Poisson (como a homogeneidade ou a independência). Em tais casos, a abordagem não paramétrica se torna uma alternativa mais robusta.
1 Não Homogeneidade: A taxa de demanda \(\lambda\) pode variar sazonalmente ou ao longo do tempo (tendência), violando o pressuposto de PPH.
2 Não Independência: A demanda por um item pode ser influenciada pela demanda por outros itens (demanda correlacionada) ou por eventos externos.
3 Ajuste de Distribuição: A demanda pode não seguir uma distribuição de Poisson, especialmente quando a taxa média é alta ou quando a demanda é esparsa (demanda intermitente).
\[ \hat{\lambda} = \frac{\sum_{i=1}^{n} D_i}{\sum_{i=1}^{n} T_i} \]
A abordagem não paramétrica evita fazer suposições sobre a forma funcional da distribuição da demanda. Em vez disso, ela se baseia diretamente nos dados históricos para estimar a distribuição da demanda durante o período de proteção (\(D_P\)).
A Função de Distribuição Empírica (FDE) é construída a partir da frequência relativa das demandas observadas. Se \(D_{P,i}\) é a demanda observada no período de proteção \(i\), para \(i=1, \dots, n\) períodos, a FDE é dada por:
\[ F_n(x) = \frac{\text{Número de } i \text{ tal que } D_{P,i} \le x}{n} \]
Quando a distribuição da demanda é desconhecida, é possível adotar
uma abordagem não paramétrica.
Nesse caso, utiliza-se a distribuição empírica da demanda
observada para estimar o ponto de reposição.
Sejam \(D_{1}, D_{2}, \dots, D_{n}\)
as demandas observadas em períodos sucessivos,
então as demandas durante o lead time \(L\) são aproximadas por janelas de soma:
\[
D_L^{(i)} = \sum_{t=i}^{i+L-1} D_t, \quad i = 1, \dots, n-L+1
\]
A partir desses valores empíricos, o ponto de reposição é definido pelo quantil \(\alpha\) da distribuição amostral: \[ s = \hat{F}^{-1}_{D_L}(\alpha) \]
onde \(\hat{F}_{D_L}\) é a função de distribuição empírica das demandas acumuladas durante o lead time.
O nível máximo é novamente: \[ S = s + Q^* \]
O Processo de Poisson Homogêneo (PPH) é uma ferramenta analítica de grande valor na modelagem de sistemas de estoque, particularmente na determinação de parâmetros críticos como o ponto de pedido e o estoque de segurança. A sua aplicação, que se enquadra na abordagem paramétrica, oferece soluções matemáticas elegantes e eficientes, baseadas em propriedades fundamentais como a falta de memória da distribuição Exponencial e a distribuição de Poisson para o número de chegadas.
A validade da abordagem paramétrica, no entanto, está intrinsecamente ligada à satisfação dos pressupostos do PPH. Em cenários reais, onde a demanda pode ser não estacionária, intermitente ou correlacionada, a abordagem não paramétrica surge como uma alternativa mais flexível e robusta. Ao utilizar funções de distribuição empíricas ou métodos avançados de previsão de séries temporais, a abordagem não paramétrica adapta-se a padrões de demanda mais complexos, embora com um custo computacional e de dados mais elevado.
A escolha entre as duas abordagens deve ser guiada pela natureza da demanda e pela disponibilidade de dados. Para demandas estáveis e bem comportadas, o PPH fornece uma base sólida e simples para a otimização do estoque. Para demandas voláteis ou complexas, a flexibilidade da modelagem não paramétrica é indispensável. Em última análise, a combinação de ambas as perspectivas — utilizando o PPH como um modelo de referência e a abordagem não paramétrica para validação e refino — oferece a estratégia mais completa para uma gestão de estoques eficaz e adaptativa.