Esse relatório irá abordar a evolução da inflação brasileira ao longo dos anos e como ela impacta o cenário alimentício nacional, analisando IPCA´s do setor, realizando e estudos acerca de fatores externos e internos relacionados a essa problemática e visualização de políticas de resposta e cenários que evidenciam o tema abordado
Os dois primeiros gráficos apresentados, demonstram dois cenários da histórica inflacionária brasileira. No primeiro a hiperinflação do final dos anos 80 e início dos anos 90, com correções monetárias diárias, juros elevados, trocas de moeda com frequência e um IPCA com valores elevados e volatidade entre os anos com um pico em 1990, apresentando uma inflação de 2.738% anual.
O segundo gráfico já apresenta um cenário diferente, a inflação pós plano real, que foi idealizado pelo Ministro da Fazenda da época Fernando Henrique Cardoso, que posteriormente se tornaria o presidente da república. A implementação do plano real foi uma transição para uma moeda forte que mudou o cenário inflacionário da época.
O cenário de hiperinflação vivenciado pela população brasileira, ilustrado em ambos gráficos, foi mais do que uma crise econômica, foi um trauma coletivo que moldou uma geração. Crescer em um ambiente onde o poder de compra poderia evaporar em questão de dias forjou uma memória inflacionária profundamente enraizada na psique nacional. Este fenômeno se traduz em um medo e receio disseminados acerca da inflação que permanecem até os dias atuais, funcionando como um termômetro da confiança na economia.
Embora a inflação seja um elemento inerente a qualquer economia moderna, no Brasil ela assume um papel estratégico e decisivo. Devido ao passado traumático, o controle de preços tornou-se um pilar fundamental da política econômica, com o poder de ditar os rumos da política monetária, influenciar mudanças de governo e, sobretudo, moldar o comportamento da sociedade.
Dentro deste contexto, nenhum setor é mais sensível e emblemático do que o de Alimentação e Bebidas.
A análise comparativa entre o IPCA Geral e o IPCA de Alimentação e Bebidas revela padrões cruciais para a compreensão da dinâmica inflacionária brasileira. Embora ambos os índices apresentem trajetórias correlacionadas, o segmento alimentício demonstra volatilidade significativamente superior, amplificando os movimentos do índice geral.
Esta maior sensibilidade torna-se particularmente relevante considerando o caráter essencial dos produtos abrangidos pelo subsetor. Como itens de consumo cotidiano presentes em supermercados, padarias e açougues, as variações de preços são imediatamente percebidas pela população, transformando o IPCA-Alimentação no termômetro popular da inflação que efetivamente molda as expectativas e o receio inflacionário.
Dois episódios recentes evidenciam dramaticamente esta dinâmica: em 2020, o IPCA de Alimentos e Bebidas atingiu 14,11% contra 4,52% do índice geral, reflexo das disrupções logísticas da pandemia de COVID-19. Similarmente, em 2022, registrou 11,63% frente a 5,79% do IPCA geral, impactado pelos choques de commodities da Guerra Rússia-Ucrânia.
Estes eventos, que serão analisados em detalhe na sequência, destacam a capacidade amplificadora do setor alimentício frente a choques externos, justificando a atenção especial conferida a este componente do índice de preços.
A inflação de alimentos é moldada por duas forças distintas. Os determinantes externos são os fatores exógenos que o Brasil importa e não controla, os quais estabelecem o “piso” de custo da produção; os principais são a taxa de câmbio, que encarece insumos importados, e os preços de commodities globais. Já os determinantes internos são as características da própria economia brasileira que funcionam como “amplificadores” desses choques, ditando a velocidade e a intensidade com que o aumento externo chega ao consumidor. Entre eles, destacam-se o “Custo Brasil” nossa logística deficiente e cara, baseada no diesel, e a alta carga tributária e a elevada concentração de mercado, que permite a poucas empresas repassar custos integralmente ao preço final sem enfrentar grande concorrência. Em suma, enquanto os fatores externos dão o empurrão inicial, são os fatores internos que fazem o preço disparar.
Os choques globais impactam o custo de produção da comida no Brasil, funcionando como um “importador de inflação”.
O Brasil é sensível a variações internacionais que afetam o custo dos insumos agrícolas. A valorização do dólar encarece fertilizantes, defensivos e outros componentes importados da produção. Ao mesmo tempo, torna as commodities brasileiras mais competitivas no mercado externo, incentivando exportações e reduzindo a oferta interna. Esse movimento impacta diretamente o custo da ração animal e, por consequência, os preços de proteínas como carne, frango e ovos. Em 2022, o conflito na Ucrânia intensificou esse processo, elevando os preços internacionais de grãos e fertilizantes, com efeitos imediatos sobre a inflação brasileira.
Se os fatores externos estabelecem o piso de custos, as condições domésticas definem a intensidade e a velocidade com que esses custos chegam ao prato do consumidor.
Expectativas e a Memória Inflacionária: O trauma da hiperinflação, mencionado anteriormente, criou uma memória coletiva que torna as expectativas de preços extremamente sensíveis. Quando o consumidor e o varejista esperam inflação alta, comportamentos como compras por precaução e reajustes antecipados de preços se disseminam, criando uma profecia autorrealizável. O IPCA-Alimentação, por ser o mais visível e volátil, é o grande combustível desse mecanismo psicológico.
Clima e Oferta: A agricultura permanece intrinsecamente ligada às condições climáticas. Eventos extremos, como as severas secas no Centro-Sul ou as geadas no Paraná, têm o poder de devastar lavouras e quebrar safras, contraindo abruptamente a oferta e provocando volatilidade extrema nos preços de itens perecíveis e commodities. É um fator interno com poder de agravar ou atenuar choques de preços globais.
Os anos de 2020 e 2022 representam dois cenários econômicos distintos nos quais o Brasil enfrentou pressões inflacionárias significativas no setor de alimentos, ocasionadas por fatores externos já abordados. Dessa forma, o governo brasileiro apresentou soluções e respostas de política econômica radicalmente diferentes em cada um dos cenários.
Em 2020, no contexto da pandemia de COVID-19, o IPCA de alimentos atingiu patamares bem elevados, impulsionado por rupturas nas cadeias de abastecimento, aumento da demanda por itens básicos e incertezas logísticas. Diante da crise sanitária e do colapso na atividade econômica, as autoridades adotaram um pacote macroeconômico expansionista: a Selic foi saiu de uma taxa de 4.40% no início de ano para 1.90% no último mês de 2020, e o governo implementou medidas fiscais emergenciais, com destaque para o Auxílio Emergencial, que preservou a renda das famímas, mas também exerceu pressão adicional sobre a demanda agregada.
Em 2022, após desaceleração em 2021, o IPCA de alimentos voltou a crescer, desta vez, o fator principal foi o choque global de commodities agravado pela Guerra na Ucrânia, que elevou os custos de insumos agrícolas e fertilizantes. A resposta de política econômica, no entanto, foi oposta à de 2020: o Banco Central iniciou um ciclo contracionista, elevando a taxa Selic para uma máxima de 13,65% durante os últimos quatro meses de 2022, com o objetivo de ancorar as expectativas inflacionárias e conter a demanda. Paralelamente, o governo adotou medidas pontuais de corte de impostos sobre combustíveis e energia, buscando aliviar custos, ainda que com efeito limitado sobre a inflação de alimentos.
Dessa forma, enquanto em 2020 a prioridade foi o estímulo à economia por meio de políticas expansionistas o que, em parte, explicou o pico inflacionário, em 2022 o foco deslocou-se para o combate à inflação via política monetária restritiva, refletindo a mudança do diagnóstico macroeconômico entre os dois períodos.
Atualmente a Selic se mantém em patamar elevado, com a taxa básica de juros em 14,90% a.a. em setembro de 2025, refletindo a postura contracionista do Banco Central. Contudo, em contraste com ciclos anteriores de aperto monetário, o IPCA de Alimentação e Bebidas tem se mantido em patamar controlado desde 2023, sinalizando uma dinâmica inflacionária distinta.
O Plano Safra constitui a principal política de financiamento do agronegócio brasileiro, oferecendo crédito rural subsidiado e incentivos financeiros para modernização e expansão da produção agrícola. Implementado de forma contínua ao longo de sucessivos governos, sua consolidação tornou-se mais evidente nos últimos anos, com volumes crescentes de recursos destinados ao setor.
A trajetória de expansão do programa atingiu marcos significativos: o crédito rural superou a barreira dos 500 bilhões de reais em março de 2024, estabelecendo novo patamar de financiamento. Essa tendência ascendente consolidou-se com o dado mais recente de agosto de 2024 registrando R$ 554,8 bilhões em operações de crédito ativas, demonstrando o caráter contracíclico da política mesmo em ambiente de juros elevados.
A robustez desse instrumento estrutural ajuda a explicar a relativa estabilidade do IPCA de Alimentação frente aos choques recentes. Ao garantir o financiamento da produção agrícola e o escoamento da safra, o Plano Safra atua como freio estrutural à inflação alimentar, mitigando pressões de custos que poderiam amplificar significativamente a volatilidade de preços.
O crédito rural e a Selic elevada configuram, assim, uma dupla estratégia de freio inflacionário que se mostrou particularmente eficaz: enquanto a política monetária atua pelo canal da demanda, contendo pressões inflacionárias generalizadas, o financiamento agrícola atua pelo canal da oferta, prevenindo escassez e especulação no setor de alimentos.
Criados oficialmente pelo Decreto-Lei nº 79/1966, são geridos pela Conab dentro da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), os estoques reguladores é outra medida estrutural que mitiga os impactos da inflação dos alimentos no Brasil servindo e atuando como amortecedores de choques de oferta e demanda no setor de alimentos.
Funcionam por meio de AGF´S (Aquisições do Governo Federal), ou seja, compras diretas do produtor rural com o objetivo de garantir preço mínimo ao agricultor e formar estoques estratégicos, e EGF´s (Empréstimos do Governo Federal), ou financiamentos para estocagem privada, permitindo que produtores armazenem sua produção aguardando melhores condições de mercado.
No período pandêmico, as AGFs garantiram o escoamento de safras mesmo com as rupturas logísticas, evitando que excedentes de produção se transformassem em crises de preços para o produtor rural. Simultaneamente, os estoques formados permitiram à Conab atuar no mercado atenuando a volatilidade de produtos essenciais como arroz, feijão e milho. Já durante a crise de commodities desencadeada pela Guerra na Ucrânia, a existência de estoques reguladores estratégicos forneceu uma barreira crucial contra a transmissão imediata e integral dos preços internacionais disparados, especialmente para o trigo e os fertilizantes.
A análise desenvolvida ao longo deste relatório evidencia que o IPCA de Alimentação e Bebidas constitui um dos componentes mais sensíveis e impactantes da inflação brasileira, tanto para os produtores do agronegócio quanto para os consumidores finais. Sua elevada volatilidade frequentemente superior à do IPCA geral reflete a combinação complexa de fatores externos, como câmbio, preços de commodities e crises geopolíticas, com determinantes internos, como condições climáticas, custo logístico, concentração de mercado e a arraigada memória inflacionária da população.
Além disso, fica claro que intervenções governamentais e de política econômica direcionadas ao controle do IPCA geral exercem influência direta sobre o subsetor alimentício. Seja por meio do aperto monetário (Selic), do crédito rural (Plano Safra) ou da gestão de estoques reguladores, essas medidas buscam mitigar os efeitos de choques de oferta e demanda
Assim, a inflação dos Alimentos não atua apenas como indicador de preços, mas demonstra a complexidade e fragilidade desse subsetor do IPCA de extrema importância dentro da economia nacional.
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