A prévia da inflação para o mês de agosto de 2025 (IPCA-15) foi de -0,14%, mostrando uma deflação considerável no período, que destoa da inflação prevista para o mês anterior, mensurada em 0,33%, e da inflação efetiva (IPCA) para o mesmo período, de 0,26% (GRÁFICO 1).
Dos subgrupos considerados no cálculo do IPCA-15, os 4 mais relevantes para o resultado deflacionário do mês de agosto de 2025 foram: Habitação (-1,13%); Alimentação e Bebidas (-0,53%), Transportes (-0,47%) e Comunicação (-0,17%). (GRÁFICO 2).
O subgrupo com a primeira maior deflação prevista foi o de Habitação, correspondente à inflação negativa de -1,13% (ou deflação de 1,13%) no mês de agosto de 2025 (GRÁFICO 3).
Essa retração é explicada, em grande parte, pelo nível elevado da taxa básica de juros (Selic), mantida em 15% na última reunião do COPOM. Esse patamar de juros, que é contracionista, reduz o acesso ao crédito bancário, encarecendo o financiamento de imóveis. Com isso, a demanda por moradias cai, o que exerce uma pressão de queda sobre os preços de imóveis e aluguéis, gerando a deflação observada no setor.
Por outro lado, algumas políticas atuais do governo podem gerar um efeito reverso no longo prazo, impulsionando a inflação no mercado de habitação. As políticas em questão incluem a criação de um novo programa de crédito para reformas e construção de moradias e a redução do teto salarial para acesso ao programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), onde famílias que se enquadram na Faixa 1 (com renda de até R$2.850) serão beneficiadas. A liberação de novas linhas de crédito pode incentivar a construção civil, aumentando o valor de mercado das residências, enquanto a ampliação do acesso ao MCMV aquece o setor ao elevar a demanda por habitações. É relevante mencionar que mais de 3 mil novas moradias já tiveram sua construção iniciada em agosto.
Segundo o Governo Federal:
“Ao todo, cerca de 12 mil pessoas devem ser beneficiadas por meio das modalidades Urbano, Entidades e Rural do programa habitacional”
No curto prazo, o efeito-preço se sobrepõe ao efeito-quantidade. Nesse cenário atual, o aumento da Selic encarece o crédito, o que desestimula o consumo e o investimento. Essa redução na demanda agregada diminui a pressão sobre os preços, ajudando a desacelerar a inflação (efeito-preço). No entanto, no longo prazo, políticas governamentais que estimulam a economia podem impulsionar a oferta e o poder de compra da população (efeito-quantidade), gerando um aumento da demanda que pode, por sua vez, gerar novas pressões inflacionárias.
Além disso, outro fator importante para essa prévia de deflação é a energia elétrica,que registrou uma queda de 4,93% nos preços. Essa deflação é atribuída principalmente ao “Bônus Itaipu”, um repasse do lucro da usina hidrelétrica de 2024 em forma de crédito nas contas de luz. Esse benefício é direcionado a consumidores residenciais e rurais do Sistema Interligado Nacional (SIN) que consumiram menos de 350 quilowatts-hora (kWh) em pelo menos um mês do ano de 2024. O valor do crédito, para cada consumidor, é proporcional ao uso da energia elétrica nos meses em que o consumo ficou abaixo de 350 kWh.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel):
“A fatura de energia elétrica em agosto trará um crédito para 97% dos consumidores residenciais e rurais no Brasil: trata-se de uma distribuição do bônus de R$ 936,8 milhões resultante do resultado positivo na conta de comercialização da parte brasileira da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional em 2024.”
Segundo o governo, dos R$936,8 milhões destinados aos consumidores, R$883,1 milhões são o resultado positivo da Conta de Itaipu no ano passado, e R$53,7 milhões se referem aos rendimentos da aplicação do saldo até julho deste ano. Dessa forma, esse crédito diminui os gastos dos consumidores com energia elétrica, o que impacta os preços das faturas e causa a deflação no setor em agosto.
O subgrupo com a segunda maior deflação prevista foi o de Alimentos e Bebidas, correspondente à inflação negativa de -0,53% (ou deflação de 0,53%) no mês de agosto de 2025 (GRÁFICO 4).
Segundo dados publicados pelo IBGE, os dois alimentos que apresentaram maior deflação prevista foram a manga (-20,99%) e a batata-inglesa (-18,77%). Essa deflação observada pode ser atribuída a fatores que impactaram a dinâmica de oferta e demanda desses produtos agrícolas.
De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, a fruta mais exportada pelo Brasil é a manga, e segundo informações do Observatório da Manga da Embrapa:
“Em 2024, o Brasil exportou 258 mil toneladas de manga, faturando US$ 349,8 milhões (R$ 1,95 bilhão), sendo o principal destino a Europa, representando cerca de 80% das vendas ao exterior durante o ano, e cerca de 15% vão para os EUA.”
Logo, há indícios de que a imposição de tarifas de 50% pelos EUA, em agosto de 2025, afetou negativamente o mercado externo.
Com o aumento tarifário, a demanda por manga brasileira no mercado americano diminuiu consideravelmente - de acordo com a Valexport, entidade que representa produtores e exportadores locais, caso o imposto seja mantido, as exportações para os EUA podem cair 70%, o que significaria uma perda de aproximadamente US$ 32 milhões — o equivalente a R$ 179 milhões.. No curto prazo, a oferta interna não se ajustou a essa nova realidade, resultando em um excesso de oferta no país. Esse desequilíbrio gerou uma pressão para a redução dos preços domésticos, culminando nesse cenário de deflação previsto.
Contudo, no longo prazo, a expectativa é que a produção, anteriormente destinada à exportação, seja direcionada ao mercado interno. Essa realocação da oferta tenderia a estabilizar e, posteriormente, elevar os preços.
Para mitigar os efeitos dessa crise, o governo implementou o programa “Plano Brasil Soberano” em 13 de agosto de 2025. Notícias recentes indicam que a União irá comprar esses alimentos não exportados, dentre eles a manga, a partir de 2026.
Segundo a CNN Brasil:
“A iniciativa permite a compra de alimentos sem necessidade de licitação, e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e a equipamentos públicos de alimentação, como restaurantes populares, entre outros. (…) O plano prevê a aquisição pela União, estados e municípios de produtos destinados para seus programas de alimentação (para merenda escolar, hospitais, etc.) por meio de procedimento simplificado e média de preço de mercado, garantidos a transparência e o controle dos processos.”
No caso da batata-inglesa, a queda de preço está diretamente associada a um aumento na oferta. As principais regiões produtoras, no Sul e Sudeste, registraram condições climáticas favoráveis, com temperaturas amenas (15°C a 20°C) e longos períodos de fotoperíodo. Segundo a EMBRAPA, “as melhores produções de batata têm sido observadas em regiões de fotoperíodos longos e temperaturas amenas (15°C a 20°C).”
Adicionalmente, um fator relevante é o projeto de difusão tecnológica da Emater-MG, que busca diversificar a produção para atender às demandas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Segundo o Itatiaia Agro:
“O projeto de difusão tecnológica da cultura da batata-inglesa foi iniciado na Unidade Regional da Emater-MG em Sete Lagoas, em 2024, e expandiu para as regionais de Divinópolis e Curvelo. (…) A atividade foi implantada com base em um diagnóstico realizado pelo escritório local da Emater-MG. Foi identificado que a baixa diversidade de produtos ofertados para o Pnae era uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares do município.”
Ao estimular a produção de batata-inglesa, o projeto contribuiu para um aumento significativo na oferta, o que pressionou os preços para baixo no mercado interno.
Em suma, a deflação em agosto no setor de Alimentação e Bebidas foi influenciada por um excesso de oferta, tanto para a manga — devido a fatores externos e ao direcionamento da produção para o mercado interno — quanto para a batata-inglesa — impulsionada por condições climáticas favoráveis e incentivos à produção. A intervenção governamental, por meio do “Plano Brasil Soberano”, visa atenuar os efeitos da sobreoferta de mangas, demonstrando como políticas públicas podem influenciar o equilíbrio de mercado.
O subgrupo com a terceira maior deflação prevista foi o de Transportes, correspondente à inflação negativa de -0,47% (ou deflação de 0,47%) no mês de agosto de 2025 (GRÁFICO 5).
O principal responsável pela grande deflação nesse setor foi o subsetor Combustíveis (Veículos), que teve uma deflação considerável de 1,18%.
Entre os fatores determinantes dessa variação destaca-se a alteração na composição da gasolina, anunciada pelo Ministério de Minas e Energia em junho de 2025. A proporção de etanol anidro na gasolina passou de 27% para 30% (E30), representando uma mudança estratégica na matriz energética nacional.
Essa medida, ainda que marginal, gera pressão de baixa sobre os preços da gasolina, dado que a tributação incidente sobre o etanol é significativamente menor que sobre a gasolina pura.
De acordo com dados da CNN Brasil:
“A soma da Cide, PIS/Pasep e Cofins sobre a gasolina A é de R$0,8925/l, enquanto no etanol anidro incide apenas PIS/Pasep e Cofins, no valor de R$0,1309/l.”
A redução da carga tributária efetiva por litro diminui o custo marginal de produção da gasolina C, transmitindo parte dessa queda aos preços ao consumidor final, principalmente em um mercado caracterizado por elasticidade-preço da demanda relativamente baixa no curto prazo.
Outro elemento relevante é a dinâmica da oferta: em 2024, o Brasil importou 2,88 bilhões de litros de gasolina, o que evidencia a dependência externa desse insumo. Paralelamente, a produção de etanol de milho cresceu na safra 2023/2024, aumentando a disponibilidade interna desse biocombustível em 2025. Essa expansão contribui para substituição parcial das importações, reduzindo pressões cambiais sobre os preços dos combustíveis e reforçando a tendência deflacionária no curto prazo.
Além do impacto econômico, a política de aumento do teor de etanol também reflete objetivos ambientais e tecnológicos: a elevação da octanagem melhora a eficiência energética do combustível, ao mesmo tempo em que reduz as emissões líquidas de carbono, alinhando-se às metas de descarbonização e à transição para uma matriz energética mais sustentável.
O subgrupo com a quarta maior deflação prevista foi o de Comunicação, correspondente à inflação negativa de -0,17% (ou deflação de 0,17%) no mês de agosto de 2025 (GRÁFICO 6).
O principal impulsionador dessa deflação foi o componente Aparelho Telefônico, que apresentou uma queda de -1,31%. Levantamos a hipótese de que essa retração não decorre apenas de um movimento pontual, mas sim de efeitos defasados que vêm se acumulando ao longo do tempo, relacionados à crescente obsolescência desses dispositivos em favor dos telefones celulares.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua reforça esse diagnóstico, ao revelar sinais de saturação do mercado de telefonia celular no Brasil. Em 2024, 88,9% da população de 10 anos ou mais já possuía celular, o que corresponde a 167,5 milhões de pessoas. Entre os idosos, a penetração também é significativa, atingindo 78,01%. A pesquisa ainda destacou que:
“As diferenças regionais quanto à posse de celular para uso pessoal vêm diminuindo progressivamente. Os menores percentuais, em 2024, permaneceram no Norte (83,7%) e Nordeste (84,0%), enquanto nas demais grandes regiões os percentuais variaram de 91,3% (Sudeste) a 92,6% (Centro-Oeste).”
Nesse sentido, a queda na demanda por aparelhos telefônicos tradicionais pode ser entendida como resultado de um processo de substituição tecnológica que se consolidou ao longo dos últimos anos, mas que agora exerce com mais intensidade uma pressão deflacionária sobre os preços. Esse cenário reflete a forma como mudanças cumulativas no comportamento do consumidor e na difusão tecnológica reconfiguram a cesta de consumo e, consequentemente, impactam os índices de preços.
O cenário inflacionário brasileiro aponta para uma desinflação gradual, refletida na redução consecutiva das expectativas divulgadas pelo Boletim Focus. Para 2025, a projeção do IPCA foi revisada para 4,86%, marcando a 13ª queda seguida nas estimativas, embora ainda permaneça acima do teto da meta de 4,5%, estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Essa desaceleração é resultado de múltiplos fatores. A política monetária contracionista, com a Selic mantida em patamares elevados, continua restringindo o consumo financiado e pressionando os preços de bens duráveis e sensíveis ao crédito. Paralelamente, a oferta ampliada de insumos estratégicos, como etanol e combustíveis, contribui para conter os preços de energia e transporte. Além disso, o comportamento mais cauteloso das famílias, diante de incertezas macroeconômicas internas e externas, tem deslocado a demanda para bens essenciais, pressionando para baixo produtos de menor prioridade de consumo. Fatores externos, como a estabilidade cambial relativa e a moderação recente nos preços de commodities energéticas, também colaboram para conter a inflação.
Para os próximos anos, as projeções indicam uma trajetória de convergência gradual à meta central de 3%, com estimativas de redução para cerca de 4,3% em 2026 e 3,9% em 2027, desde que não ocorram choques fiscais ou externos relevantes. Nesse contexto, o Banco Central deverá manter a política monetária restritiva ao longo de 2025, com eventuais ajustes na Selic apenas a partir de 2026 que pode favorecer a retomada da atividade sem comprometer a ancoragem das expectativas, desde que combinado com responsabilidade fiscal e previsibilidade regulatória. O panorama sugere que a desinflação será heterogênea entre setores, com serviços e bens sujeitos a pressões salariais mantendo alguma pressão inflacionária, enquanto bens duráveis e administrados devem continuar contribuindo para a moderação geral dos preços.
Sites:
AGÊNCIA GOV. Mais de 3 mil novas moradias do Minha Casa, Minha Vida entram em construção. Agência Gov. 19/08/2025. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202508/mais-de-3-mil-novas-moradias-do-minha-casa-minha-vida-entram-em-construcao. Acesso em 31/08/2025
TEMÓTEO, Antonio. As apostas de Lula: botijão de gás barato, programa para reformas e crédito para compra de motos. Exame. 03/06/2025. Disponível em: https://exame.com/economia/as-apostas-de-lula-botijao-de-gas-barato-programa-para-reformas-e-credito-para-compra-de-motos/. Acesso em 31/08/2025
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Bônus de Itaipu, de R$ 936,8 milhões, alivia as faturas de energia elétrica em agosto. Gov.br. 30/07/2025. Disponível em: https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2025/bonus-de-itaipu-de-r-936-8-milhoes-alivia-as-faturas-de-energia-eletrica-em-agosto. Acesso em 31/08/2025
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA. A fruta mais exportada pelo Brasil é a manga. Gov.br. 01/07/2025. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/a-fruta-mais-exportada-pelo-brasil-e-a-manga. Acesso em 01/09/2025.
TAVARES, Vitor. Tarifaço de Trump começa a valer: mangas encalham no Brasil e correm risco de ‘virar lama’. BBC News Brasil. 31/07/2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/czer3d3pzrxo. Acesso em 01/09/2025.
QUEIROZ, Vitória. Tarifaço: programas de compra de alimentos receberão R$ 6 bi em 2026. CNN Brasil. 30/08/2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/tarifaco-programas-de-compra-de-alimentos-receberao-r-6-bi-em-2026/. Acesso em 01/08/2025.
G1 Petrolina. Tarifaço de Trump pode reduzir em 70% exportações de uva e manga do Vale do São Francisco. G1, Petrolina, 31/07/2025. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2025/07/31/tarifaco-de-trump-pode-reduzir-em-70percent-exportacoes-de-uva-e-manga-do-vale-do-sao-francisco.ghtml. Acesso em 01/09/2025.
BORAINVESTIR (B3). Manga, batata e conta de luz mais barata: veja o que explica a 1ª deflação em 2 anos no IPCA-15. Bora Investir (B3). 26/08/2025. Disponível em: https://borainvestir.b3.com.br/noticias/manga-batata-e-conta-de-luz-mais-barata-veja-o-que-explica-a-1a-deflacao-em-2-anos-no-ipca-15/. Acesso em 01/09/2025.
DI NAPOLI, Giulia. Agricultores colhem 400 kg de batata-inglesa na região Central de Minas Gerais. Itatiaia. 28/08/2025. Disponível em: https://www.itatiaia.com.br/agro/agricultores-colhem-400-kg-de-batata-inglesa-na-regiao-central-de-minas-gerais . Acesso em 01/09/2025.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Anatel nega que novo regulamento prejudique consumidores dos serviços de telefonia. Portal da Câmara dos Deputados, Brasília. 26/08/2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1193203-anatel-nega-que-novo-regulamento-prejudique-consumidores-dos-servicos-de-telefonia. Acesso em 01/09/2025.
EXAME. 7 em cada 10 brasileiros das classes A, B e C consomem algum streaming de vídeo, aponta pesquisa. Bússola. 27/08/2025. Disponível em: https://exame.com/bussola/7-em-cada-10-brasileiros-das-classes-a-b-e-c-consomem-algum-streaming-de-video-aponta-pesquisa/. Acesso em 01/08/2025.
PARAÍBA BUSINESS. Tarifa dos EUA ameaça exportação de manga. Paraíba Business. 31/07/2025 Disponível em: https://paraibabusiness.com.br/tarifa-dos-eua-ameaca-exportacao-de-manga/ . Acesso em 01/09/2025.
Bases de dados:
https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/telaCvsSelecionarSeries.paint
https://comexstat.mdic.gov.br/pt/home
Livros:
BLANCHARD, Oliver. Macroeconomia. 5° edição.