Controle Estatístico de Qualidade

Índices de Capacidade do Processo

Prof. Dr. Dennison Carvalho

O que são índices de capacidade?

  • Medidas que avaliam a capacidade do processo de produzir dentro dos limites especificados.
  • Comparam a dispersão do processo com os limites de especificação.

Limites de especificação

  • Limite inferior (LIE): valor mínimo aceitável
  • Limite superior (LSE): valor máximo aceitável
  • Definidos pelo projeto ou cliente.

Índice Cp – Capacidade Potencial

\[ Cp = \frac{LSE - LIE}{6\sigma} \]

  • Mede a largura do intervalo de especificação em relação à variabilidade do processo.
  • Não considera o centramento.

Quanto maior o Cp, melhor.

Na prática, o desvio padrão é desconhecido e deve ser substituído por uma estimativa de \(\sigma\).

\[ \hat{C}p = \frac{LSE - LIE}{6\hat{\sigma}} \]

Normalmente utilizamos \(s\) ou \(\bar{R}/d_{2}\) para \(\hat{\sigma}\).

Percentagem da especificação

A percentagem utilizada mede o quanto da faixa de tolerância está sendo ocupada pela variabilidade do processo.

\[ P_{esp} = \dfrac{1}{C_{p}}\times 100\]

  • Valores baixos indicam boa folga para atender especificações.

  • Valores altos indicam risco de não conformidade.

Teste de Hipótese para C\(_{p}\)

  • Hipóteses:

\[ H_0: C_p = C_{p0} \quad\quad H_1: C_p \neq C_{p0} \]

É comum usarmos \(C_{p0}\) igual 1,00 ou 1,33.

  • Estatística de teste (assumindo normalidade):

\[ \chi^2 = \frac{(n-1) \cdot s^2}{\sigma^{2}_{0}} \sim \chi^2_{n-1} \]

  • O teste envolve verificar se \(\sigma\) é menor ou igual a:

\[ \sigma_{0} = \dfrac{LSE-LIE}{6 \cdot C_{p0}} \]

  • Rejeitar \(H_{0}\) se \(\chi^{2} <\chi^{2}_{\alpha,n-1}\).

  • Isso significa que a variabilidade é suficientemente baixa para atingir o \(C_{p}\) desejado.

Exemplo:

Dados:

LIE = 9,9 mm

LSE = 10,1 mm

n=30 peças, s = 0,021 mm

C\(_{p0}\)=1,33

  • Passo 1: Calcular \(\sigma_{0}\)

\[ \sigma_{0} = \dfrac{10,1 - 9,9}{6 \cdot 1,33} = 0,0251 \]

  • Passo 2: Estatística de teste

\[ \chi^2 = \frac{(30-1) \cdot 0,021^{2}}{0,0251^{2}} = 20,34 \]

  • Passo 3: Valor crítico para \(\alpha\) = 0,05, gl = 29

\[ \chi^{2}_{0,05;\; 29} = 17,71 \]

Passo 4: Como 20,34 > 17,71, não rejeitamos \(H_{0}\), ou seja, o processo não é capaz.

Índices Cpu e Cpl

\[ Cpu = \frac{LSE - \mu}{3\sigma}, \quad Cpl = \frac{\mu - LIE}{3\sigma} \]

  • Avaliam a capacidade unilateral, levando em conta a posição da média em relação aos limites.

Substituindo pelas estimativas:

\[ \hat{C}pu = \frac{LSE - \bar{x}}{3\hat{\sigma}}, \quad \hat{C}pl = \frac{\bar{x} - LIE}{3\hat{\sigma}} \]

Índice Cpk – Capacidade Real

\[ Cpk = \min(Cpu, Cpl) \]

  • Considera deslocamento da média.
  • É o mais usado na prática para representar a capacidade efetiva.

A variabilidade do processo corresponde a 69,7% de toda a variabilidade permitida (LSE - LIE).

A variabilidade do processo corresponde a 80,6% de toda a variabilidade permitida (LSE - LIE).

Exemplo com dados simulados

set.seed(123)
dados <- rnorm(100, mean = 10, sd = 0.4)
media <- mean(dados)
desvio <- sd(dados)

LIE <- 9.0
LSE <- 11.0

Cp <- (LSE - LIE) / (6 * desvio)
Cpu <- (LSE - media) / (3 * desvio)
Cpl <- (media - LIE) / (3 * desvio)
Cpk <- min(Cpu, Cpl)
Índice Valor
Cp 0.913
Cpu 0.880
Cpl 0.946
Cpk 0.880

Interpretação

  • Cp alto: processo com baixa variabilidade

  • Cpk menor que Cp: processo descentrado

  • Cpk > 1.33: processo capaz

  • Cpk < 1.00: processo não capaz

Conclusões

  • Índices de capacidade são essenciais para avaliar a qualidade do processo.

  • O índice Cpk considera o deslocamento da média.

  • Use gráficos e tabelas para tomar decisões sobre ajustes no processo.

Exercícios

  1. Um processo tem: LIE = 45, LSE = 55 e \(\sigma\)= 1,5. Calcule C\(_{p}\).

  2. Sabendo que LIE = 12,0, LSE = 12,6, \(\bar{x}\)= 12,25 e \(\sigma\) = 0,06, calcule C\(_{pu}\), C\(_{pl}\) e C\(_{pk}\).

  3. Um processo apresenta C\(_{p}\) = 1,40. Qual é a percentagem da especificação utilizada?

  4. Um processo de envase tem LIE = 495 mL, LSE = 505 mL, \(\bar{x}\) = 503 mL e \(\sigma\) = 2 mL. Calcule C\(_{pu}\), C\(_{pl}\) e C\(_{pk}\) e interprete se o processo é capaz.

  1. Considere LIE = 97, LSE = 103, n = 30 e S = 0,8. Teste, ao nível de significância de 5%, se o processo é capaz para Cp = 1,33.

  2. Você coletou 20 amostras de 5 peças cada, medindo o diâmetro (em mm) de um componente com LIE = 50,00 e LSE = 50,08.

  1. Calcular \(\sigma_{0}\).
  2. C\(_{p}\), C\(_{pu}\), C\(_{pl}\) e C\(_{pk}\).
  3. Calcular a percentagem de especificação utilizada.
  4. Avaliar se o processo é capaz.
  1. Uma indústria alimentícia deseja verificar a capacidade do processo de empacotamento de açúcar (peso em gramas). Dados coletados (n = 10, uma medida por pacote):

1005, 1008, 1004, 1007, 1006, 1009, 1005, 1004, 1008, 1006.

Especificações: LIE = 1000 g, LSE = 1010 g.

  1. Calcular C\(_{p}\), C\(_{pu}\), C\(_{pl}\) e C\(_{pk}\).
  2. Determinar a percentagem da especificação utilizada.
  3. Construir um histograma com os limites de especificação.
  4. Interpretar os resultados.

Pacote qcc

  • Função principal: qcc(data, type, sizes, center, std.dev, ...)

  • Tipos comuns:

    • Variáveis: "xbar", "R", "S", "xbar.one" (individuais)

    • Atributos: "p", "np", "c", "u"

  • Fases:
    • Fase I (estudo): estima parâmetros e limites.
    • Fase II (monitoramento): avalia dados novos via newdata
  • Exemplo: Dataset simulado (20 amostras, n = 5 cada).
library(qcc)
set.seed = 741

n_samples = 20
n_size = 5
dados = matrix(rnorm(n_samples*n_size, 
        mean = 10, sd = 0.20),
        ncol = n_size, byrow = TRUE)
head(dados)
          [,1]      [,2]      [,3]     [,4]      [,5]
[1,]  9.857919 10.051377  9.950662 9.930491  9.809676
[2,]  9.990994  9.843019  9.666412 9.923955 10.183799
[3,]  9.884931 10.121593  9.676423 9.988888 10.103881
[4,] 10.060231 10.021135  9.871859 9.830059  9.795174
[5,] 10.023529  9.810505  9.901889 9.948782 10.368772
[6,]  9.869610 10.047077 10.015592 9.807629  9.985738

Gráfico X-bar (variáveis)

q_xbar <- qcc(dados, type = "xbar", sizes = n_size,
              xlab = "Amostra", ylab = "Média",
              title = "Gráfico de Controle X-bar")
q_xbar$limits   # LIC e LSC
q_xbar$center   # linha central
      LCL      UCL
 9.713457 10.24352
[1] 9.978491

Gráfico R (amplitude) – variabilidade intralote

q_R <- qcc(dados, type = "R", sizes = n_size,
           xlab = "Amostra", ylab = "Amplitude",
           title = "Gráfico de Controle R")

Individuais e amplitude móvel (X-bar.one / IMR)

x_ind <- rnorm(60, mean = 10, sd = 0.15)
q_ind <- qcc(x_ind, type = "xbar.one",
             xlab = "Ordem", ylab = "Valor",
             title = "Individuais (X-bar.one)")

Dica: para IMR, use type = "xbar.one" para individuais e construa a amplitude móvel com funções auxiliares, se necessário.

Atributos: gráfico p (proporção de defeituosos)

defeitos <- c(2,1,0,3,2,1,0,4,2,1, 2,3,1,0,2)
tamanhos <- rep(50, length(defeitos))

q_p <- qcc(defeitos, type = "p", sizes = tamanhos,
           xlab = "Amostra", ylab = "Proporção defeituosa",
           title = "Gráfico p")
  • Outros:

    • type = "np" (número de defeituosos, tamanhos fixos)

    • type = "c" (contagem de não conformidades, área fixa)

    • type = "u" (contagem por unidade, área variável)

  • Fase I (estudo) \(\rightarrow\) Fase II (monitoramento)

    • Fase I: ajusta limites com dados históricos

    • Fase II: monitora novas amostras (newdata)

# Fase I
q_xbar_f1 <- qcc(dados, type = "xbar", sizes = n_size)

# Novas amostras (Fase II)
dados_novos <- matrix(rnorm(5*n_size, mean = 10.10, sd = 0.20),
                      ncol = n_size, byrow = TRUE)

q_xbar_f2 <- qcc(dados, type = "xbar", sizes = n_size,
                 newdata = dados_novos,
                 title = "Fase II: monitoramento com newdata")

Tendências e padrões (sinais suplementares)

  • Exemplos práticos a observar:

    • Sequência de pontos do mesmo lado da LC.

    • Tendência crescente/decrescente longa.

    • Ciclos sugerindo sazonalidade/turnos.

  • Estratégia:

    • Confirmar medição.

    • Procurar causas especiais (máquina, operador, matéria-prima, setup).

    • Corrigir e voltar a fase estável.

Capacidade do processo

  • A partir de um gráfico para variáveis (em controle), use process.capability():
spec <- c(9.5, 10.5)
pc   <- process.capability(q_xbar, spec.limits = spec)
pc$indices

Process Capability Analysis

Call:
process.capability(object = q_xbar, spec.limits = spec)

Number of obs = 100          Target = 10
       Center = 9.978           LSL = 9.5
       StdDev = 0.1975          USL = 10.5

Capability indices:

       Value    2.5%   97.5%
Cp    0.8437  0.7263  0.9609
Cp_l  0.8074  0.6982  0.9165
Cp_u  0.8800  0.7634  0.9966
Cp_k  0.8074  0.6773  0.9375
Cpm   0.8387  0.7219  0.9554

Exp<LSL 0.77%    Obs<LSL 0%
Exp>USL 0.41%    Obs>USL 1%
         Value      2.5%     97.5%
Cp   0.8436917 0.7262715 0.9609170
Cp_l 0.8073971 0.6982467 0.9165476
Cp_u 0.8799862 0.7634207 0.9965517
Cp_k 0.8073971 0.6773364 0.9374579
Cpm  0.8387345 0.7219112 0.9553638
  • Percentual da especificação utilizada
Cp <- pc$indices["Cp"]
pct <- 100 / Cp
pct
[1] 118.5267
  • Interpretação:

    • % baixo \(\rightarrow\) boa folga

    • % alto \(\rightarrow\) risco de não conformidade

  • Checklist prático

    • Dados confiáveis? (medição, limpeza).

    • Processo em controle antes de falar de capacidade.

    • Escolha o gráfico adequado (variáveis × atributos).

    • Tamanho de amostra coerente.

    • Verifique tendências/padrões.

    • Documente ações corretivas.

Exercícios

  1. Gere 25 amostras (n = 4) de N(50,0.3\(^{2}\)) e construa X-bar + R. Interprete.

  2. Simule 12 amostras de 200 itens com defeitos (Poisson/Binomial) e construa:

  1. p e np (com tamanhos constantes);
  2. u com tamanhos variáveis.
  1. Com especificações [49,51], estime C\(_{p}\) C\(_{pk}\) e a percentagem de especificação usada.
  1. Introduza dois pontos anômalos e discuta o impacto no monitoramento (Fase II).

  2. Gere um relatório em markdown.

Referência

  • LOUZADA, Francisco; DINIZ, Carlos; FERREIRA, Paulo. Controle estatístico de processos: uma abordagem prática para cursos de engenharia e administração. Grupo Gen-LTC, 2000.

  • Montgomery, D. C. (2009). Introduction to Statistical Quality Control (7ª ed.). Wiley.

  • help(qcc), vignette(“qcc”)