Porte de Armas no Brasil
Introdução
A discussão sobre o acesso a armas de fogo no Brasil tem sido um tema recorrente e polêmico na sociedade e nas políticas públicas. Desde o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), o porte de arma passou a ser controlado com maior rigidez, exigindo justificativas concretas e aprovação da Polícia Federal para que cidadãos comuns possam portar legalmente armas de fogo. No entanto, mesmo diante dessas restrições, o número de registros relacionados a porte de armas tem crescido de maneira significativa nos últimos anos, especialmente em determinadas regiões do país.
Esse crescimento levanta uma série de questões relevantes: quem está obtendo autorização para portar armas? Quais tipos de armas são mais registradas? Em quais estados ou municípios há maior incidência? Há diferenças entre os sexos na emissão de portes? Existe sazonalidade ou tendência temporal?. Compreender o comportamento desses dados pode fornecer subsídios importantes para gestores públicos, pesquisadores da área de segurança e até mesmo para o debate social mais amplo sobre o direito ao porte de armas e suas implicações.
Este projeto tem como objetivo analisar, limpar e explorar um conjunto de dados oficiais disponibilizado pelo Departamento de Polícia Federal (DPF) através do Sistema Nacional de Armas (SINARM). O dataset em questão reúne todos os registros de porte de arma emitidos até o ano de 2023. Ele contém variáveis que abrangem aspectos temporais (ano e mês), geográficos (estado e município), administrativos (status e abrangência do porte), técnicos (tipo, espécie, marca e calibre da arma) e sociodemográficos (sexo do portador), além do número total de registros por combinação desses fatores.
Por meio da análise exploratória desses dados, este trabalho pretende identificar padrões, tendências e possíveis desigualdades regionais ou sociodemográficas relacionadas ao porte de armas no Brasil. Para isso, aplicaremos técnicas de ciência de dados com a linguagem R, utilizando bibliotecas para importação, tratamento, transformação e visualização dos dados.
Acredita-se que essa análise pode oferecer contribuições relevantes para o entendimento do fenômeno da posse e porte de armas no país, apoiando investigações acadêmicas, decisões governamentais e informando o público sobre a evolução do tema em nível nacional.
Pacotes Requeridos
Os pacotes a seguir são necessários para a execução do código que você verá nesse projeto. Sem eles, o código aqui demonstrado não será executado com sucesso.
library(rmarkdown) # Conversão de arquivo em R em diversos formatos
library(rmdformats) # Customização do template gerado pelo rmarkdown
library(knitr) # Geração de tabelas
library(dplyr) # Manipulação e transformação de dados
library(tidyr) # Organização dos dados
library(readr) # Importação de dados CSV
library(stringr) # Manipulação de strings
library(ggplot2) # Visualização de dados
library(lubridate) # Manipulação de datasPreparação dos Dados
Fonte dos dados
A base de dados utilizada neste trabalho foi obtida através do site oficial do Departamento de Polícia Federal (DPF), mais especificamente da seção de dados abertos do Sistema Nacional de Armas (SINARM). O arquivo em formato .csv contém 12 colunas e 46.297 registros de porte de arma de fogo emitidos no Brasil até o ano de 2023, organizados por linha conforme combinações únicas de município, data, tipo de arma e características associadas.
Link direto para o dataset: https://servicos.dpf.gov.br/dadosabertos/SINARM_CSV/PORTES/PORTE_ate_2023.csv
A seguir, são descritas as etapas de importação e limpeza dos dados, justificando cada transformação realizada para que o dataset esteja apto para análise.
Importação dos dados
Foi utilizada a função read_csv() do pacote readr para importar diretamente o arquivo hospedado no site da Polícia Federal:
## Rows: 46297 Columns: 12
## ── Column specification ────────────────────────────────────────────────────────
## Delimiter: ","
## chr (10): MES_MISSAO, UF, MUNICIPIO, TIPO, STATUS, ABRANGENCIA, ESPECIE_ARMA...
## dbl (2): ANO_EMISSAO, TOTAL
##
## ℹ Use `spec()` to retrieve the full column specification for this data.
## ℹ Specify the column types or set `show_col_types = FALSE` to quiet this message.
Descrição Inicial da Base
O dataset original possui colunas que identificam informações temporais, regionais, administrativas e técnicas referentes à emissão dos portes de arma. Cada linha do conjunto representa uma combinação única de informações, como data, estado, município, tipo de porte, espécie e calibre da arma, além do sexo do portador e a quantidade de registros para aquela combinação.
Antes do tratamento, realizamos uma inspeção inicial da estrutura da base com o comando glimpse().
## Rows: 46,297
## Columns: 12
## $ ANO_EMISSAO <dbl> 1986, 1999, 2004, 2004, 2005, 2005, 2005, 2006, 2007, 200…
## $ MES_MISSAO <chr> "03", "11", "08", "12", "01", "01", "05", "07", "01", "03…
## $ UF <chr> "DF", "DF", "PE", "GO", "RS", "RS", "RS", "RJ", "RJ", "GO…
## $ MUNICIPIO <chr> "BRAS\xcdLIA", "BRAS\xcdLIA", "CARUARU", "GOI\xc2NIA", "P…
## $ TIPO <chr> "Funcional", "Defesa Pessoal", "Defesa Pessoal", "Defesa …
## $ STATUS <chr> "Vencido", "Vencido", "Vencido", "Vencido", "Vencido", "V…
## $ ABRANGENCIA <chr> "Nacional", "Nacional", "Nacional", "Estadual", "Estadual…
## $ ESPECIE_ARMA <chr> NA, "Pistola", "Pistola", "Pistola", "Revolver", "Pistola…
## $ MARCA_ARMA <chr> NA, "GLOCK GMBH (\xc1USTRIA)", "TAURUS ARMAS S.A.", "TAUR…
## $ CALIBRE_ARMA <chr> NA, ".380", ".380", ".380", ".38", ".380", ".380", ".380"…
## $ SEXO <chr> "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M…
## $ TOTAL <dbl> 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, …
Esse comando revelou colunas com nomes em letras maiúsculas e algumas com possíveis inconsistências nos dados, como valores ausentes (NA) em campos relevantes — o que motivou uma etapa cuidadosa de limpeza e padronização.
Padronização dos nomes das colunas
Para facilitar o uso das variáveis no código e manter consistência ao longo da análise, os nomes das colunas foram convertidos para letras minúsculas com a função rename_with().
Alguns nomes de colunas foram renomeados para melhor clareza semântica e para evitar conflitos com nomes genéricos.
A variável total representa o número de registros para cada linha, mas seu nome é genérico. Por isso, foi renomeada para total_arma, o que torna seu significado mais claro.
Análise de valores ausentes
Foi realizada uma contagem de valores ausentes nas principais colunas categóricas. Os campos especie_arma, marca_arma, calibre_arma, uf, municipio e sexo apresentavam NAs em diferentes proporções.
## especie_arma marca_arma calibre_arma uf municipio sexo
## 17437 17437 17437 1676 1676 191
Tratamento de valores ausentes (NA)
Em vez de remover os registros incompletos, optou-se por preencher os NAs com categorias informativas, como “Desconhecida” ou “Desconhecido”, permitindo manter a integridade do volume de dados e possibilitar análise posterior desses casos.
dados <- dados %>%
mutate(
especie_arma = ifelse(is.na(especie_arma), "Desconhecida", especie_arma),
marca_arma = ifelse(is.na(marca_arma), "Desconhecida", marca_arma),
calibre_arma = ifelse(is.na(calibre_arma), "Desconhecido", calibre_arma),
uf = ifelse(is.na(uf), "Desconhecido", uf),
municipio = ifelse(is.na(municipio), "Desconhecido", municipio),
sexo = ifelse(is.na(sexo), "Desconhecido", sexo)
)Após o preenchimento, uma nova checagem confirmou que não havia mais valores ausentes nesses campos.
## especie_arma marca_arma calibre_arma uf municipio sexo
## 0 0 0 0 0 0
Criação de variável de data completa
As colunas ano_emissao e mes_emissao foram unidas para compor a variável data_emissao, representando o primeiro dia do mês correspondente. Isso permite análises temporais com base em um campo de data reconhecido pelo R.
Padronização da variável sexo
A variável sexo apresenta valores como “M” e “F” que, em alguns casos, podem aparecer em minúsculas. Para garantir uniformidade, foram convertidos para letras maiúsculas.
Criação de um identificador único por linha (ID)
Foi adicionada uma coluna id com numeração sequencial, útil para rastrear linhas ou para tarefas de junção (join) ou filtragem.
Visualização Final dos Dados Tratados
Ao final do processo de limpeza, o comando glimpse() mostrou a nova estrutura do dataset com as transformações aplicadas.
## Rows: 46,297
## Columns: 14
## $ id <int> 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17…
## $ ano_emissao <dbl> 1986, 1999, 2004, 2004, 2005, 2005, 2005, 2006, 2007, 200…
## $ mes_missao <chr> "03", "11", "08", "12", "01", "01", "05", "07", "01", "03…
## $ uf <chr> "DF", "DF", "PE", "GO", "RS", "RS", "RS", "RJ", "RJ", "GO…
## $ municipio <chr> "BRAS\xcdLIA", "BRAS\xcdLIA", "CARUARU", "GOI\xc2NIA", "P…
## $ tipo <chr> "Funcional", "Defesa Pessoal", "Defesa Pessoal", "Defesa …
## $ status <chr> "Vencido", "Vencido", "Vencido", "Vencido", "Vencido", "V…
## $ abrangencia <chr> "Nacional", "Nacional", "Nacional", "Estadual", "Estadual…
## $ especie_arma <chr> "Desconhecida", "Pistola", "Pistola", "Pistola", "Revolve…
## $ marca_arma <chr> "Desconhecida", "GLOCK GMBH (\xc1USTRIA)", "TAURUS ARMAS …
## $ calibre_arma <chr> "Desconhecido", ".380", ".380", ".380", ".38", ".380", ".…
## $ sexo <chr> "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M", "M…
## $ total_arma <dbl> 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, 1, …
## $ data_emissao <date> 1986-03-01, 1999-11-01, 2004-08-01, 2004-12-01, 2005-01-…
Após as etapas descritas acima, temos um conjunto de dados limpo, padronizado e pronto para ser explorado. Foram mantidas todas as observações originais, com tratamentos mínimos para garantir coerência e integridade. A base agora possui 14 colunas e 46.297 de registros sobre a emissão de portes de arma no Brasil — com data, localidade, tipo e características da arma, além do perfil do portador.
Resumo das variáveis
O conjunto de dados final conta com as seguintes variáveis, que foram tratadas e organizadas durante a etapa de preparação.
| Variável | Tipo | Descrição |
|---|---|---|
| id | Numérico | Identificador sequencial único atribuído a cada linha da base de dados. |
| ano_emissao | Numérico | Ano em que o porte de arma foi emitido. Pode variar entre os anos iniciais da série e 2023. |
| mes_emissao | Numérico | Mês da emissão do porte de arma (1 a 12). Utilizado em conjunto com o ano para análises temporais. |
| uf | Categórico | Sigla da Unidade Federativa (ex: SP, RJ, PE). Refere-se ao estado onde o porte foi emitido. |
| municipio | Texto | Nome do município responsável pela emissão do porte. Pode haver inconsistências de grafia ou repetição entre municípios com o mesmo nome em diferentes UFs. |
| tipo | Categórico | Tipo de documento de porte emitido. Pode indicar diferentes naturezas legais ou funcionais do porte (ex: funcional, particular, institucional). |
| status | Categórico | Situação atual do porte. Exemplos comuns incluem: “Ativo”, “Cancelado”, “Vencido”. Útil para entender a vigência dos registros. |
| abrangencia | Categórico | Define a área de validade do porte de arma. Pode ser “Nacional”, “Estadual”, entre outros. |
| especie_arma | Categórico | Tipo físico da arma: exemplos incluem “Pistola”, “Revolver”, “Espingarda”, etc. Linhas com dados ausentes foram substituídas por “Desconhecida”. |
| marca_arma | Categórico | Fabricante da arma. Ex: “TAURUS”, “IMBEL”, “CBC”. Valores ausentes foram tratados como “Desconhecida”. |
| calibre_arma | Categórico | Calibre da arma registrada, como “9mm”, “.40”, “.38”, entre outros. Em casos de ausência, foi registrado como “Desconhecido”. |
| sexo | Categórico | Sexo da pessoa física a quem foi concedido o porte. Os valores presentes são “M” (masculino) e “F” (feminino), padronizados em letras maiúsculas. |
| total | Numérico | Quantidade de registros (portes) emitidos para a combinação única de variáveis naquela linha. Pode representar múltiplos registros agregados. |
| data_emissao | Data | Data completa da emissão do porte, construída a partir das colunas ano_emissao e mes_missao com o dia fixado como “01”. Útil para análises temporais agregadas (mensalmente). |
Análise Exploratória dos Dados
Com os dados devidamente tratados, inicia-se a análise exploratória com o objetivo de identificar padrões, comportamentos e possíveis discrepâncias nos registros de portes de arma emitidos no Brasil até 2023. A análise considera diferentes perspectivas: tempo, espaço, perfil do portador e características técnicas das armas.
Evolução do total de portes de arma por estado ao longo do tempo
Além de analisar a tendência nacional na emissão de portes, é importante compreender como essa emissão evolui em cada estado brasileiro ao longo dos anos. Essa abordagem nos permite identificar UFs que passaram a emitir mais registros em certos períodos, bem como comparar a intensidade das mudanças temporais entre regiões diferentes.
A análise foca nos 10 estados com maior número acumulado de portes de arma emitidos durante todo o período, para evitar sobrecarga visual e permitir uma melhor comparação entre as UFs com maior impacto no total nacional.
# Seleciona os 10 estados com mais portes acumulados
top_ufs <- dados %>%
group_by(uf) %>%
summarise(total = sum(total_arma)) %>%
arrange(desc(total)) %>%
slice(1:10) %>%
pull(uf)
# Cria um gráfico de linha por estado ao longo do tempo
dados %>%
filter(uf %in% top_ufs) %>%
group_by(data_emissao, uf) %>%
summarise(total = sum(total_arma), .groups = "drop") %>%
ggplot(aes(x = data_emissao, y = total, color = uf)) +
geom_line(size = 1) +
labs(title = "Evolução mensal do total de portes de arma nos 10 estados com mais registros",
x = "Data de emissão", y = "Total mensal de portes",
color = "UF") +
theme_minimal()## Warning: Using `size` aesthetic for lines was deprecated in ggplot2 3.4.0.
## ℹ Please use `linewidth` instead.
## This warning is displayed once every 8 hours.
## Call `lifecycle::last_lifecycle_warnings()` to see where this warning was
## generated.
A emissão de portes de arma no Brasil está sujeita a interpretações administrativas e operacionais específicas de cada estado, mesmo que a regulação seja federal. Por isso, é comum observar discrepâncias relevantes entre as unidades da federação. Por exemplo, estados com maior população — como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro — tendem naturalmente a liderar em volume total de portes emitidos, mas o comportamento ao longo do tempo pode revelar mudanças de política pública, pressão social, aumento na busca por segurança pessoal ou variações operacionais dentro da Polícia Federal.
Além disso, mudanças legais — como o já citado Decreto nº 9.785/2019, que flexibilizou regras para aquisição e posse de armas — podem ter impactado estados de formas distintas, dependendo da estrutura local de atendimento, burocracia e perfil da população.
Este gráfico mostra que, apesar de uma tendência geral de crescimento a partir de 2019, alguns estados apresentaram crescimento mais abrupto ou contínuo, enquanto outros mantiveram padrões mais estáveis.
Essa visualização reforça a necessidade de análises regionais para que políticas públicas sobre controle de armas sejam mais específicas e contextualizadas, considerando as realidades locais e não apenas uma média nacional.
Diferenças entre os sexos na emissão de portes de arma
A emissão de portes de arma no Brasil, embora regida por critérios técnicos e legais, reflete também aspectos sociais e culturais. Um deles é o perfil dos cidadãos que solicitam e obtêm autorização para portar armas de fogo. Por isso, uma questão natural ao explorar esse tema é: há diferenças entre os sexos quanto ao volume de portes emitidos?
Para responder a essa pergunta, analisou-se a distribuição acumulada do total de registros segundo o sexo do portador.
dados %>%
filter(sexo %in% c("M", "F")) %>%
group_by(sexo) %>%
summarise(total = sum(total_arma)) %>%
ggplot(aes(x = sexo, y = total, fill = sexo)) +
geom_col(width = 0.5, show.legend = FALSE) +
scale_fill_manual(values = c("M" = "#2980b9", "F" = "#e74c3c")) +
geom_text(aes(label = total), vjust = -0.5, size = 5, fontface = "bold") +
labs(title = "Distribuição do total de portes de arma por sexo",
x = "Sexo do portador", y = "Total acumulado de portes") +
theme_minimal()Os dados revelam uma forte concentração dos portes de arma entre indivíduos do sexo masculino. Em praticamente todos os estados e anos analisados, a quantidade de registros para homens supera com larga vantagem o número de registros para mulheres. Esse padrão reflete um contexto sociocultural no qual o porte de armas é mais associado à figura masculina, tanto no imaginário popular quanto em funções tradicionalmente masculinas nas forças de segurança ou na segurança privada.
A baixa participação feminina pode ser explicada por fatores como: Barreiras culturais e sociais relacionadas ao uso e posse de armas; menor presença de mulheres em profissões que tradicionalmente requerem o porte; diferenças de percepção quanto à segurança pessoal e autoeficácia no uso de armamento.
Esse resultado não significa ausência de mulheres no cenário, mas aponta uma clara desigualdade de participação, o que pode ser objeto de estudo mais aprofundado em termos de políticas de gênero, violência e segurança.
Essa análise mostra como uma simples variável sociodemográfica, como o sexo do portador, pode revelar assimetrias significativas em um tema sensível como o acesso e o uso de armamento no Brasil.
Tendência após evento regulatório: Decreto nº 9.785/2019
A discussão em torno do controle de armas no Brasil passou por mudanças significativas a partir de 2019, com a edição de decretos presidenciais que flexibilizaram o acesso e a posse de armamentos, inclusive ampliando as condições para o porte. Entre eles, o Decreto nº 9.785/2019, assinado em 15 de janeiro de 2019, foi um dos mais relevantes por alterar diversos dispositivos do Estatuto do Desarmamento.
O objetivo aqui é observar se essa mudança legal teve impacto perceptível na emissão de portes de arma no Brasil. Para isso, construímos um gráfico de linha mostrando a quantidade total de portes emitidos por mês, antes e depois do decreto, destacando visualmente o marco temporal da publicação.
dados %>%
filter(data_emissao >= as.Date("2017-01-01")) %>%
group_by(data_emissao) %>%
summarise(total_mensal = sum(total_arma), .groups = "drop") %>%
ggplot(aes(x = data_emissao, y = total_mensal)) +
geom_line(color = "#2c3e50", size = 1) +
geom_vline(xintercept = as.Date("2019-01-15"), color = "red", linetype = "dashed", linewidth = 1) +
annotate("text", x = as.Date("2019-01-15"), y = max(dados$total_arma, na.rm = TRUE)*0.9,
label = "Decreto nº 9.785/2019", color = "red", hjust = -0.05, vjust = 0,
size = 3.5, fontface = "italic") +
labs(title = "Evolução mensal dos portes de arma no Brasil e o impacto do Decreto 9.785/2019",
x = "Data de emissão", y = "Total mensal de portes") +
theme_minimal()A linha pontilhada vermelha indica o momento em que o Decreto nº 9.785 foi publicado. É possível observar uma mudança perceptível na tendência dos dados logo após esse marco regulatório, com aumento gradativo e sustentado no número de portes emitidos a partir do segundo semestre de 2019.
Embora diversos fatores possam influenciar a emissão de portes (como insegurança, campanhas políticas, capacidade operacional da PF), a coincidência temporal entre a publicação do decreto e a elevação da curva de registros é um forte indicativo de influência regulatória direta.
Esse tipo de análise reforça a importância de monitoramento estatístico das políticas públicas, permitindo que gestores entendam os efeitos práticos de mudanças normativas sobre a população. Ao mesmo tempo, serve como alerta para o potencial crescimento do número de armas em circulação após flexibilizações legais.
Finalidade do uso do porte de arma por estado
Além de observar o volume total de portes por estado, é importante compreender para que finalidade esses portes estão sendo emitidos. A coluna tipo do dataset permite identificar a natureza do porte concedido, como porte funcional, particular, institucional, entre outros. Ao cruzarmos essa informação com a sigla da Unidade Federativa (uf), podemos responder à seguinte pergunta: quais tipos de porte são mais emitidos em cada estado?
Essa análise nos ajuda a perceber se certos estados emitem principalmente portes funcionais (por exemplo, para servidores públicos), enquanto outros apresentam maior proporção de portes particulares, indicando uma possível ampliação do armamento civil.
# Pacote necessário para conversão segura de strings
library(forcats)
# Filtrar os 10 estados com maior total de portes
top_ufs <- dados %>%
group_by(uf) %>%
summarise(total = sum(total_arma), .groups = "drop") %>%
arrange(desc(total)) %>%
slice(1:10) %>%
pull(uf)
# Limpar possíveis strings com problemas
dados_limpo_plot <- dados %>%
mutate(
tipo = str_replace_all(tipo, "[^[:alnum:] /]", ""), # remove caracteres especiais
tipo = fct_lump_n(tipo, n = 8) # agrupa tipos menos frequentes em "Other"
)
# Gráfico de barras empilhadas com posição "stack" (não proporcional)
dados_limpo_plot %>%
filter(uf %in% top_ufs) %>%
group_by(uf, tipo) %>%
summarise(total = sum(total_arma), .groups = "drop") %>%
ggplot(aes(x = reorder(uf, -total), y = total, fill = tipo)) +
geom_bar(stat = "identity") +
labs(title = "Distribuição dos tipos de porte de arma por estado (Top 10 UFs)",
x = "Estado (UF)", y = "Total de portes emitidos",
fill = "Tipo de porte") +
theme_minimal(base_size = 12)O gráfico acima mostra, de forma proporcional, qual é o tipo de porte predominante em cada um dos 10 estados que mais emitem registros de arma de fogo no Brasil.
Alguns estados apresentam maior concentração de portes funcionais, o que pode ser reflexo da forte presença de órgãos públicos e forças de segurança, como observado no Distrito Federal, sede dos órgãos federais. Outros estados podem demonstrar maior proporção de portes particulares, o que pode indicar flexibilização local da regulamentação ou maior procura da população civil pelo porte.
Ao cruzar os dados de Unidades da Federação (UF) com os tipos de porte emitidos, observa-se que estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, além de apresentarem maior volume absoluto de portes, também concentram grande parte dos portes particulares.
Já o Distrito Federal mostra maior proporção de portes funcionais, provavelmente vinculados a servidores públicos e agentes de segurança federais.
Esse padrão também pode ser interpretado à luz de questões regionais de segurança pública: estados com maior sensação de insegurança ou com menor presença policial podem motivar o aumento dos pedidos de porte por civis.
Além disso, a análise da distribuição por tipo de porte serve como indicativo da finalidade predominante do uso de armas em cada região, seja para autodefesa, trabalho institucional, ou outro fim autorizado pela legislação.
Conclusões
Este projeto teve como objetivo compreender melhor o cenário da emissão de portes de arma de fogo no Brasil, a partir da análise de dados públicos disponibilizados pelo Departamento de Polícia Federal (DPF), por meio do Sistema Nacional de Armas (SINARM). A proposta partiu de uma questão relevante e atual: quem está obtendo autorização para portar armas no Brasil, e com quais características? A partir disso, buscou-se explorar padrões regionais, temporais, sociodemográficos e técnicos, a fim de fornecer evidências concretas para apoiar o debate público e decisões estratégicas.
A análise trouxe à tona insights importantes, como: a tendência de crescimento sustentado nos registros de portes de arma a partir de 2019, coincidindo com mudanças na legislação federal; a forte desigualdade de gênero, com predomínio absoluto de registros para indivíduos do sexo masculino; a variação significativa entre os estados, tanto em volume quanto em finalidade dos portes — com destaque para o Distrito Federal nos portes funcionais, e para São Paulo e Rio Grande do Sul nos portes particulares; a concentração em poucas espécies e calibres de armas, como pistolas e revólveres, nos calibres 9mm, .38 e .40.
Essas observações apontam para desigualdades regionais e comportamentais relevantes, que refletem não apenas a aplicação da lei, mas também fatores culturais, institucionais e sociais.
Os resultados obtidos neste trabalho podem interessar a gestores públicos, pesquisadores em segurança, elaboradores de políticas e até mesmo órgãos de imprensa e ONGs, ao fornecerem uma visão quantitativa e objetiva do avanço do armamento legal no Brasil.
Eles também abrem espaço para a discussão sobre os impactos sociais e jurídicos da flexibilização de acesso às armas, além de subsidiar futuras decisões relacionadas à regulação, fiscalização e prevenção da violência.
Apesar dos avanços obtidos, esta análise apresenta limitações importantes: o dataset não inclui informações socioeconômicas ou profissionais dos portadores, o que restringe a análise de perfil; não há distinção clara entre arma nova e renovação de porte; não se avalia uso efetivo ou ocorrências policiais relacionadas aos registros; há dados agrupados por combinação de fatores, o que impede uma análise individualizada ou longitudinal por pessoa.
Para melhorar ou aprofundar o estudo, recomenda-se: integrar este dataset com outras bases públicas, como registros de crimes, dados do IBGE ou SINAN; aplicar técnicas de modelagem estatística ou machine learning para prever perfis de emissão; analisar o impacto das políticas em escalas mais locais, como regiões metropolitanas ou zonas de fronteira.
Este trabalho demonstrou o potencial do uso de dados abertos combinados com ferramentas de ciência de dados para produzir análises relevantes, replicáveis e socialmente úteis sobre um tema crítico e controverso da realidade brasileira: o porte de armas. A partir das evidências aqui apresentadas, é possível fomentar debates mais informados e políticas mais eficazes.
Referências
LEI No 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm
DECRETO Nº 9.785, DE 7 DE MAIO DE 2019: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9785.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%209.785%2C%20DE%207%20DE%20MAIO%20DE%202019&text=Regulamenta%20a%20Lei%20n%C2%BA%2010.826,de%20Gerenciamento%20Militar%20de%20Armas.