Tábuas de Mortalidade, Funções Biométricas e Anuidades

Pequena introdução ao pacote {lifecontingencies}.
Author

Marcos F. Silva

Published

January 2, 2025

Introdução

A literatura atuarial disponível usualmente enfatiza as questões teóricas relacionadas à matemática atuarial e pouca literatura existe, em especial em língua portuguesa, que se dedique a mostrar como a teoria pode ser aplicada na prática mediante o uso de algum software e fazendo uso de dados que se aproximem dos que o atuário encontra no seu dia-a-dia.

O objetivo desse documento, e de outros que lhe seguirão, é mostrar como implementar na prática cálculos atuariais e análises usualmente utilizadas nas avaliações atuariais dos denominados Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS.

Em relação a software faremos uso exclusivamente do R e de pacotes que sejam úteis em tais implementações como por exemplo o pacote lifecontingencies que disponibiliza diversas funções relacionadas ao cálculo atuarial do ramo vida e que será amplamente utilizado neste documento.

Na verdade, podemos dizer que este documento é uma pequena introdução ao pacote {lifecontingencies}

Tábuas de mortalidade

Nesta seção nosso objetivo é mostrar como criar objetos no R que representem as denominadas Tábuas de Mortalidade. Mas antes, vamos tentar entender um pouco o que são tábuas de mortalidade.

De acordo com Giorgio Spedicato (pág. 296 de Computacional Actuarial Science with R), tabelas de mortalidade consistem de uma sequência não crescente de \(\ell_x, \{x = 0, 1, 2, ..., \omega\}\) que representam o número de indivíduos vivos no início da idade \(x\), sendo \(\omega\) a idade terminal, além da qual nenhum indivíduo sobrevive. O número de indivíduos na idade 0 ( \(\ell_0\) ) é denominado a raiz da tábua.

Outra definição, agora de E.F. Spurgeon (Life Contingencies, pág. 1), é que a tábua de mortalidade é o instrumento por meio do qual são medidas as probabilides de vida e as probabilidades de morte.

A figura a seguir apresenta o trecho inicial (10 primeiros anos) de uma tábua de mortalidade, a IBGE 2022:

A tabela mostra valores para 3 funções biométricas (\(\ell_x\), \(_nq_x\) e \(e_x\) ) para pessoas do sexo masculino, feminino e para ambos os sexos para cada idade exata \(x\).

A tabela a seguir apresenta o significado de cada função biométrica:

coluna descrição
\(x\) idades exatas das pessoas
\(\ell_x\) número de pessoas vivas ao ínicio da idade \(x\)
\(q_x\) probabilidade de uma pessoa de idade \(x\) morrer antes de alcançar a idade \(x + 1\) ou seja, morrer no período de um ano.
\(e_x\) esperança de vida para uma pessoa de idade \(x\)

Os valores \(\ell_x\), \(q_x\) e \(e_x\) são funções biométricas e, além dessas, outras também existem e serão objeto de estudo na próxima seção.

Basicamente a tabela nos diz que, para uma pessoa com idade “\(x\)”, a probabilidade dela morrer antes de chegar à idade \(x + n\) pode ser obtida a partir da coluna \(_nq_x\).

Dito isto, qual a probabilidade de uma pessoa do sexo feminino de 20 anos morrer antes de chegar aos 21 anos? Para responder a essa questão, basta consultar o valor de \(q_{19}\) na tabela e descobrir que essa probabilidade é de 0,00059328843537416. Como pode ser visto, muito pequena, mas diferente de zero.

As tábuas de mortalidade assumem um papel essencial no cálculo das anuidades atuariais e de diversas outras quantidades atuariais como veremos mais adiante.

Criação de tábuas de mortalidade

Agora que já possuímos uma ideia do que seja uma tábua de mortalidade, vamos ver como criar um objeto no R que represente uma tábua de mortalidade a partir dos valores de \(x\) (idade dos indivíduos) e correspondentes \(\ell_x\) (número de pessoas vivas no início da idade \(x\)).

Por exemplo, se dispusermos de uma planilha contendo as idades (\(x\)) e os correspondentes valores de \(\ell_x\) é possível criar um objeto da classe lifetable que representa uma tábua de mortalidade e a partir da qual poderemos realizar o cálculo de valores de diversas funções biométricas.

Esses valores (\(x\) e \(\ell_x\)) podem ser obtidos, por exemplo, das tábuas de mortalidade elaboradas pelo IBGE e disponibilizadas no site do MPS.

Também o Instituto Brasileiro de Atuáia - IBA disponibiliza uma planilha contendo diversas tábuas biométricas, mas, diferentemente das tábuas do IBGE, são disponibilizados apenas as idades e os valores dos \(q_x\).

O código a seguir mostra como importar os dados contidos na tábua IBGE 2022 obtida no site indicado.

Primeiro vamos realizar o carregamento dos pacotes que serão necessários

options(scipen = 999,
        message = FALSE,
        warn = -1)

suppressPackageStartupMessages({
  library(lifecontingencies)
  library(readxl)
  library(dplyr)
  library(tidyr)
})

Agora podemos efetivamente realizar a importação dos dados:

ibge2022 <- read_excel("tabua-ibge-2022-extrapolada-drpsp_19_12_2023.xlsx",
                        sheet="IBGE 2022 MPS",
                        skip = 2) 
  

names(ibge2022) <- c("idade",
                     "lx_mas", "qx_mas", "ex_mas",
                     "lx_fem", "qx_fem", "ex_fem",
                     "lx_amb", "qx_amb", "ex_amb")

Vamos dar uma olhada no conjunto de dados:

head(ibge2022) %>% knitr::kable()
idade lx_mas qx_mas ex_mas lx_fem qx_fem ex_fem lx_amb qx_amb ex_amb
0 100000.00 0.0139403 71.96384 100000.00 0.0116864 78.96253 100000.00 0.0128397 75.46370
1 98605.97 0.0009352 71.97952 98831.36 0.0008671 78.89475 98716.03 0.0008959 75.44363
2 98513.75 0.0007190 71.04643 98745.66 0.0006308 77.96279 98627.59 0.0006759 74.51084
3 98442.92 0.0005558 70.09719 98683.37 0.0004645 77.01168 98560.93 0.0005138 73.56089
4 98388.20 0.0004348 69.13589 98637.54 0.0003508 76.04723 98510.29 0.0003969 72.59845
5 98345.42 0.0003468 68.16575 98602.93 0.0002757 75.07375 98471.18 0.0003147 71.62708

A primeira coluna nos informa as idades \(x\) dos indivíduos e as demais os valores das funções biométricas, respectivamente, para os indivíduos do sexo masculino, feminino e ambos os sexos.

Uma vez que temos os valores das idades (\(x\)) e da função biométrica \(\ell_x\) podemos criar um objeto que represente uma tábua de mortalidade com a função new() do pacote lifecontingencies.

Cabe antes observar que temos na verdade três tábuas de mortalidade e para criarmos uma tábua devemos definir qual desejamos criar fazendo a escolha adequada do \(\ell_x\).

O código a seguir mostra como criar a tábua para o sexo feminino:

ibge2022Fem_ltb <- new("lifetable",
                       x=ibge2022$idade,
                       lx=ibge2022$lx_fem,
                       name="IBGE2022 Feminino")

A função new() recebe como argumentos o nome da classe a ser criada, as idades (\(x\)), os \(\ell_x\) e um nome para a tábua. Vamos dar uma olhada no conteúdo do objeto ibge2022Fem_ltb:

summary(ibge2022Fem_ltb)
This is lifetable:  IBGE2022 Feminino 
 Omega age is:  111 
 Expected curtated lifetime at birth is:  78.46691
head(as(ibge2022Fem_ltb, "data.frame")) %>% knitr::kable()
x lx px ex
0 100000.00 0.9883136 78.46691
1 98831.36 0.9991329 78.39475
2 98745.66 0.9993692 77.46279
3 98683.37 0.9995355 76.51168
4 98637.54 0.9996492 75.54723
5 98602.93 0.9997243 74.57375

Deve ser observado que os valores px e ex foram calculados a partir das duas informações passadas à função new(): a idade \(x\) e os correspondentes \(\ell_x\).

A função getOmega() nos permite obter o valor de \(\omega\) de uma tábua de mortalidade. Assim, para a tábua que estamos usando o valor de ômega é:

getOmega(ibge2022Fem_ltb)
[1] 111

Usando a função plot() na tábua de mortalidade, obtem-se um gráfico da função de sobrevivência associada a essa tábua.

plot(ibge2022Fem_ltb)

Como pode ser visto, a criação de uma tábua usando a função new() necessita de apenas 3 elementos:

1. As idades, ou seja, uma sequencia de números inteiros 0,1,…, \(\omega\).
2. O vetor dos \(\ell_x\), ou seja, a quantidade de indivíduos vivos na idade \(x\), e
3. Um nome para a tábua.

Criação de tábuas de comutação

A partir dos mesmos elementos utilizados para a criação de uma tábua de mortalidade, podemos obter uma tábua atuarial (tábua de comutação) também usando a função new() mas agora informando à função que em vez de uma lifetable, deseja-se criar uma actuarialtable. Um elemento adicional faz-se necessário: a taxa de juros da ser utilizada.

ibge2022Fem_atb <- new("actuarialtable",
                     x=ibge2022$idade,
                     lx=ibge2022$lx_fem,
                     interest=0.05,
                     name="Tabela Atuarial IBGE 2022 - Sexo Feminino")
head(as(ibge2022Fem_atb, "data.frame")) %>% knitr::kable()
x lx Dx Nx Cx Mx Rx
0 100000.00 100000.00 2012593 1112.98871 4162.239 177031.4
1 98831.36 94125.11 1912593 77.73262 3049.250 172869.2
2 98745.66 89565.23 1818468 53.80586 2971.518 169819.9
3 98683.37 85246.41 1728903 37.70964 2917.712 166848.4
4 98637.54 81149.35 1643656 27.11502 2880.002 163930.7
5 98602.93 77257.98 1562507 20.28926 2852.887 161050.7
Note

Também é possível criar tábuas de mortalidade ou tábuas de comutação a partir das idades (\(x\)) e das probabilidades de morte (\(q_x\)) ou de sobrevivência (\(p_x\)) utilizando a função probs2lifetable() em vez da função new() como visto anteriormente. Mais adiante vamos mostrar como utilizar esta função.

Funções biométricas

Agora que já temos uma noção de tábuas de mortalidade e aprendemos a criar objetos no R que representam essas tábuas, nesta seção nosso objetivo é apresentar as principais funções biométricas e mostrar como realizar operações usando essas funções utilizando o pacote {lifecontingencies}.

Aqui vamos seguir de perto a seção 7.3 - Working with Life Tables do capítulo 7 do livro Computational Actuarial Science with R editado por Arthur Charpentier.

O capítulo em questão foi escrito por Giorgio Spedicato que é o autor do pacote {lifecontingencies}.

Usando a tábua de mortalidade ibge2022Fem_ltb (poderia ser qualquer outra) que construímos na seção anterior, vamos mostrar como usar funções do pacote {lifecontingencies} para realizar operações com as funções biométricas.

Probabilidade de sobrevivência ( \(_tp_x\) )

Esta função biométrica fornece a probabilidade de que um indivíduo de idade \(x\) sobreviva até alcançar a idade \(x + t\) ( \(_tp_x\) ).

Como veremos mais adiante, no tópico de anuidades, esta função biométrica é utilizada nos cálculos das anuidades aleatórias (ou atuariais).

Para o caso discreto essa probabilidade pode ser obtida a partir dos valores de \(\ell_x\) conforme fórmula a seguir:

\[{}_tp_x = \frac{\ell_{x + t}}{\ell_x}\]

Já vimos que \(\ell_x\) é a quantidade de pessoas vivas com a idade exata \(x\).

O cáculo de probabilidades de sobrevivência pode ser feito com a função pxt().

Assim, por exemplo, utilizando a tábua de mortalidade “IBGE 2022 Feminino” que criamos anteriormente, podemos calcular a probabilidade de uma mulher de idade 25 sobreviver até a idade 65 (\({}_{40}p_{25}\)):

pxt(ibge2022Fem_ltb, x=25,t=40) %>% round(5)
[1] 0.87301

O resultado nos diz que essa probabilidade é de aproximadamente 87% utilizando-se a tábua de mortalidade IBGE 2022 Feminino.

Probabilidade de morte (\({}_tq_x\))

A função qxt() possibilita a obtenção de probabilidades de morte, como por exemplo, a probabilidade de que uma mulher com idade de 65 anos venha a falecer nos dois anos subsequentes (\({}_{2}q_{65}\))

qxt(ibge2022Fem_ltb, x=65, t=2) %>% round(5)
[1] 0.02495

O resultado nos diz que essa probabilidade é de aproximadamente 2,5% com a tábua de mortalidade considerada.

Número de pessoas que morrem entre as idades \(x\) e \(x + t\) (\({}_td_x\))

A cálculo da quantidade de mortes ocorridas entre duas idades \(x\) e \(x + t\) pode ser feito em função dos valores de \(\ell_x\):

\[{}_{t}d_x = \ell_x - \ell_{x + t}\]

A função dxt() nos permite calcular valores para essa função. Por exemplo, quantas mulheres irão falecer entre as idades 25 e 50 anos?

dxt(ibge2022Fem_ltb, x=25, t=25) %>% round()
[1] 3810

Expectativa de vida abreviada (\({}_te_{x}\)) e completa (\({}_t\mathring{e}_x\))

A expectativa de vida na idade \(x\), \((e_{x})\) pode ser calculada com a função exn(). Por exemplo, a expectativa de vida ao nascer (\(\mathring{e}\)) pode ser calculada conforme mostrado a seguir:

exn(ibge2022Fem_ltb) %>% round(5)
[1] 78.46691

Também é possível calcular a expectativa de vida completa entre as idades 50 e 70 anos ( \({}_{20}\mathring{e}_{50}\) ):

exn(ibge2022Fem_ltb, x = 50, n = 20, type = "complete") %>% round(5)
[1] 18.8325

A expectativa de vida ao nascer ( \(\mathring{e}_{x}\) ) pode ser calculada com a mesma fórmula, mudando-se contudo o valor do argumento type= para “curtate”.

exn(ibge2022Fem_ltb, x = 50, n = 20, type = "curtate") %>% round(5) 
[1] 18.75488

Além das funções aqui exemplificadas, diversas outras estão disponíveis no pacote. Para mais informações recomendamos a leitura da documentação do pacote disponível aqui

Anuidades atuariais

Enquanto as anuidades certas pertencem ao ramo da matemática financeira, as anuidades aleatórias estão no âmbito da matemática atuarial.

Uma anuidade ou renda sobre a vida humana constitui uma sucessão de pagamentos equidistantes, em geral de uma unidade monetária por ano, que uma entidade faz a outrem, enquanto este sobreviver. A cada pagamento dá-se o nome de termo e dessa forma pode-se dizer que uma anuidade é uma renda de termo unitário.

Definição contida em “Matemática Actuarial Vida e Pensões” de Jorge Afonso Garcia e Onofre Alves Simões, Editora Almedina, com ligeira adaptação.

Considerando a quantidade \({}_nE_x = {}_np_x \times \frac{1}{(1 + i)^n} = {}_np_x \times v^n\) donominada fator de desconto atuarial podemos expressar as anuidades da seguinte forma: (“José Angelo Rodrigues em Gestão de Risco Atuarial, pág. 8”):

  • Renda vitalícia postecipada:

\[a_x = {}_1E_x + {}_2E_x + {}_3E_x + \dots = \sum_{k = 1}^{\omega - x} {}_kE_x\]

  • Renda vitalícia antecipada:

\[\ddot{a}_x = {}_0E_x + {}_1E_x + {}_2E_x + \dots = \sum_{k = 0}^{\omega - x - 1} {}_kE_x\]

  • Renda temporária postecipada:

\[a_{x:\overline{n}|} = {}_1E_x + {}_2E_x + {}_3E_x + \dots + {}_nE_x= \sum_{k = 1}^n {}_kE_x\]

  • Renda temporária antecipada:

\[\ddot{a}_{x:\overline{n}|} = {}_0E_x + {}_1E_x + {}_2E_x + \dots + {}_{n - 1}E_x= \sum_{k = 0}^{n - 1} {}_kE_x\]

Fica claro que as rendas atuariais ou anuidades atuariais são descontos de valores futuros a uma taxa de juros especificada \(i\) com a consideração também das probabilidades de sobrevivência (\({}_np_x\)) do indivíduo entre uma data presente \(x\) e uma data futura \(n\) períodos à frente ( \(x + n\) ) no qual está referido o valor a ser descontado atuarialmente.

As probabilidades de sobrevivência utilizadas na prática são obtidas a partir das tábuas de mortalidade.

O pacote {lifecontingencies} disponibiliza a função axn() que nos permite realizar o cálculo das anuidades apresentadas acima, bem como de anuidades fracionadas.

O fator de desconto atuarial (\({}_nE_x\)) pode ser calculado pela função Exn().

Como se tem uma única função para o cálculo de quatro quantidades distintas, vamos apresentar a seguir quais argumentos devem ser passados à função axn() para que ela retorne o tipo de anuidade desejada.

Renda vitalícia postecipada (\(a_x\))

Supondo \(x = 35\) e que desejamos utilizar a tábua de mortalidade IBGE 2022 Feminina:

axn(ibge2022Fem_atb, x=35, payment = "immediate")
[1] 17.2325

Como as anuidades consideram a taxa de juros precisamos utilizar as tábuas de comutação em vez das tábuas de vida como fizemos para calcular valores das funções biométricas.

Renda vitalícia antecipada (\(\ddot{a}_x\))

axn(ibge2022Fem_atb, x=35, payment = "due")
[1] 18.2325

Como pode ser visto, o argumento payment= da função indica se o pagamento é antecipado ou postecipado. A opção default da função é antecipada, ou seja, se o argumento paymente= não for alterado a função irá considerar o pagamento como sendo antecipado. Para alterar esse comportamento basta informar isso à função por meio do argumento payment=.

Renda temporária antecipada (\(\ddot{a}_{x:\overline{n}|}\))

Para o cálculo das rendas aleatórias temporárias temos que informar à função, adicionalmente à tabua de mortalidade, a idade e o tipo de pagamento, o período de temporariedade (\(n\)), ou seja, por quanto tempo o pagamento será feito (ou o benefício será recebido). Considerando um período de temporariedade de 15 anos, o cálculo pode ser feito da seguinte forma:

axn(ibge2022Fem_atb, x=35, n=15, payment = "due") 
[1] 10.79258

Renda temporária postecipada (\(a_{x:\overline{n}|}\))

axn(ibge2022Fem_atb, x=35, n=15, payment = "immediate") 
[1] 10.25899

Também é possível calcular anuidades fracionadas ou diferidas, bastando para tanto fornecer à função, respectivamente, os argumentos k= e m=. Por ora ficaremos apenas com os tipos de anuidade acima descritos, mas oportunamente voltaremos a explorar mais as anuidades em outro documento.

Aplicações práticas

Agora que já sabemos como criar tábuas de mortalidade e de comutações utilizando o pacote {lifecontingencies} e utilizar as funções para o cálculo das principais funções biométricas, já estamos em condições de ensaiar algumas aplicações práticas, ainda que simples.

Vamos utilizar dois exemplos retirados do livro “Fundamentos da Previdência Complementar: da Atuária à Contabilidade” de autoria de Betty Lilian Chan, Fabiana Lopes da Silva e Gilberto de Andrade Martins.

Os exemplos constam do capítulo 3 do livro e objetivam ilustrar o uso da função axn() para o cálculo de valores presentes atuariais com o uso de anuidades que são elementos fundamentais nos cálculos previdenciários.

Exemplo 1

Suponha que uma pessoa de 30 anos, do sexo masculino, deseja contratar um plano de benefícios com as seguintes características: a partir de uma contribuição única no momento da adesão, a entidade de previdência se compromete a lhe pagar, no final de cada ano, enquanto viver, mas no máximo durante 5 anos, uma renda anual de R$ 12.000,00. Considerando que a entidade utiliza a tábua de sobrevivência GAM-83 Masculina e uma taxa de juros de 6% a.a., calcule o valor da Contribuição Única Pura (CUP).

A contribuição única pura é o valor que deve ser aplicado na data atual para gerar a renda desejada por um período definido. Esse é um enfoque sobre o lado das receitas.

No enfoque pelo lado das despesas, podemos dizer que trata-se de calcular o valor presente atuarial (VPA) na idade \(x = 30\) de uma série de pagamentos de valor \(B = 12.000,00\) realizado pelos próximos 5 anos ao término de cada ano.

Fica claro que \(\text{Receitas} = \text{Despesas}\) ou \(CUP = VPA\)

Trata-se de uma renda atuarial temporária postecipada e desenho abaixo ilusta o fluxo em análise:

O CUP pode ser calculado da seguinte forma:

\[CUP = B \times \sum^{5}_{t=1} v^t \times \ _tp_{30} = \\ B \times \sum_{t=1}^5{}_tE_{30} = \\ B \times a_{30:\overline{5}|}\]

Como pode ser visto, o CUP é dado pelo produto do benefício ( \(B\) ) por uma renda atuarial temporária postecipada ( \(a_{x:\overline{n}|}\) ) que representa o fator de valor atual de uma série de pagamentos iguais pagáveis a uma pessoa de idade \(x\), enquanto viver, mas no máximo \(n\) anos e a partir da idade \(x + 1\).

Uma outra forma de olhar é ver que o CUP é a soma de cada um dos 5 valores de benefícios descontados a uma determinada taxa de juros mas considerando as probabilidades da pessoa estar viva, a cada ano, para receber o benefício. É exatamente esta incerteza associada a cada pagamento que distingue a matemática financeira da matemática atuarial.

Para o cálculo do CUP vamos precisar criar uma tábua de comutações a partir de uma tábua GAM-83 Masculina. O site do IBA (Instituto Brasileiro de Atuária) disponibiliza uma planilha contendo várias tábuas de mortalidade. Vamos utilizar esta planilha para criar nossa tábua de comutações.

A planilha em questão é Banco-de-Tabuas-Biometricas-setembro-2022_v2.xlsm e na aba CONSULTA escolhemos a tábua GAM83_BÁSICA - MASC. Copiamos o conteúdo e colocamos na planilha GAM83 Basica Masculino.xlsx.

Um ponto a ser considerado é que as tábuas disponibilizadas pelo IBA contém apenas as idades (\(x\)) e os correspondentes \(q_x\) e como já vimos acima, para criar as tábuas com a função new() precisamos das idades e dos \(\ell_x\). Então vamos precisar de uma outra função.

Para gerar a tábua de mortalidade vamos utilizar a função probs2lifetable() sobre a qual já comentamos rapidamente acima.

Vamos importar os dados:

GAM83M <- read_excel("GAM83 Basica Masculino.xlsx")

head(GAM83M) %>% knitr::kable()
idade qx
0 0.00000
1 0.00000
2 0.00000
3 0.00000
4 0.00000
5 0.00038

Vamos agora criar nossa tábua de mortalidade usando a função probs2lifetable()

GAM83M_ltb <- probs2lifetable(probs = GAM83M$qx,
                              type = "qx",
                              name = "GAM 83 Básica Masc")
summary(GAM83M_ltb)
This is lifetable:  GAM 83 Básica Masc 
 Omega age is:  110 
 Expected curtated lifetime at birth is:  75.9276

Para utilizarmos a função axn() precisamos da tábua de comutação que podemos obter a partir da tabua de vida que acabamos de gerar.

GAM83M_atb <- new("actuarialtable",
                  x = GAM83M_ltb@x,
                  lx = GAM83M_ltb@lx,
                  interest=0.06,
                  name = "GAM 83 Básica Masc")

Agora podemos calcular o CUP da seguinte forma usando a função axn():

# B = 12000
# i = 0.06
# x = 30 
# n = 5

12000 * axn(GAM83M_atb,
            x = 30,
            n = 5,
            payment = "immediate") 
[1] 50441.62

Como pode ser visto acima, a função axn() calcula o valor da renda atuarial (anuidade) e o argumento payment= indica se a renda é antecipada (due) ou postecipada (immediate).

Exemplo 2

Suponha novamente que uma pessoa de 30 anos, do sexo masculino, deseja contratar um plano de benefício com as seguintes características: sobrevivendo ao prazo de 25 anos, contados a partir da contratação do plano, a entidade de previdência se compromete a lhe pagar, no final de cada ano e enquanto viver, mas no máximo até 60 anos, uma renda anual de R$ 10.000,00. Adotando-se a mesma tábua biométrica e a mesma taxa de desconto, calcule o novo valor da CUP

Para esse exemplo, a figura a seguir ilustra como é o fluxo financeiro:

Para esse exemplo, a fórmula para o cálculo do CUP é dada por:

\[CUP = B \times \sum^{5}_{t = 1} v^{25 + t} \times {}_{25 + t}p_{30} = \\ B \times \sum_{t=1}^5{}_{25+t}E_{30} = \\ B \times {}_{25|}a_{30:\bar{5}|}\]

O exemplo acima é semelhante ao primeiro exemplo, exceto pelo fato de que agora existe um diferimento de 25 anos até que se tenha início o recebimento do benefício.

Temos então uma renda temporária postecipada diferida.

# B = 10000  (valor do benefício anual)
# i = 0.06   (valor da taxa de juros)
# x = 30     (idade do indivíduo)
# n = 5      (período de percepção do benefício)
# m = 25     (prazo de diferimento)

10000 * axn(GAM83M_atb,
            x = 30,
            m = 25,
            n = 60 - ( 30 + 25 ),
            payment = "immediate")  
[1] 9042.084

Os valores obtidos apresentam divergência em relação aos valores apresentados no livro. Acreditamos que a diferença ocorra em função de uma pequena diferença observada entre a tábua aqui utilizada e a tábua apresentada no Anexo II do referido livro.