É a exposição traumática no desligamento entre o sujeito e a instituição e a inscrição na “normalidade” que geram adesão a reacções primárias; á “heteronormatividade e masculinismo”, características que definem a divisão social (i.e., criam a possibilidade) e que surgem fortalecidas nas redes sociais. O impacto é negativo pela construção de uma expectativa que põe em causa a integridade das pessoas.
“O povo é sereno”
Um aspecto importante num estudo auto-biográfico é a incidência do conteúdo, e sobretudo aquilo que para o sujeito que se interessou por um tema em particular se torna relevante levando a um maior contributo da realidade. Um aspecto … prende-se com a natureza emocional do tema de pesquisa uma vez que parte do sujeito, i.e., implica sondar sobre o impacto de factos reais sobre vulnerabilidades.
Deste modo, a revelação do sujeito que pesquisa implica uma alteração do produto final, que se desloca da normatividade e que incide sobre “preocupações essenciais”, manifestando-se então a diversidade (sujeito) de testemunhos e alguma disparidade. Uma solução seria a identificação o mais amplo possível do conjunto de temas e fenómenos que são de difícil discriminação e articula-los de forma a que no conjunto, dada a impossibilidade da variação se equiparassem, sem perca de pluralidade (coletivo).
Temos como contraditório das boas práticas as manifestações com recorrência ao discurso de ódio, maioritariamente nas redes sociais que se mantêm com o aval e incentivo dos proprietários destas páginas (e,g., de referir, nas paginas do facebook cujo nome contem a palavra Portimão). As publicações surgem conectadas a imagens de sítios aparentemente ocidentais, tendo como particularidade o elemento étnico, e não há aprofundamento do tema e da razão que levaram à publicação. Seguem-se comentários pouco elaborados e impressionistas e quando a conversa se distende pontuam comentários racistas. Se por um lado o grupo permite a exposição (…) dos aspectos escondidos do sujeito, nem todos os ambientes emocionais facilitam o desconstrucionismo sendo sempre uma dúvida a forma que toma.
A desprotecção e dano do objecto de interacção leva a iniciativas de reparação desse objecto, o que não se verifica nas redes sociais quando existem grupos organizados que disseminam ódio num continuo temporal, mais denso no período eleitoral. Qualquer pesquisa breve permite verificar que a esmagadora maioria das publicação têm em vista uma qualquer reparação (e.g., o animal de estimação perdido; a procura de um profissional; a matricula escolar de uma criança … etc.). Com a exepção dos comerciantes que utilizam essas mesmas páginas para evacuar os seus produtos, os serviços de informação independentes, as “reacções positivas a esses discursos” e a divulgação cultural.
As “reacções positivas a esses discursos” surgem na reactividade à valência negativa do discurso de ódio e consolidam a repressão do conteúdo. Deste modo, a expectativa de espaço público surge inconscientemente associada ao ódio. A construção surge à superfície, na margem da vulgaridade (i.e, descaracterização e empobrecimento), como se, o sonho tivesse uma possibilidade de real, é através da violência, que essa realidade surge. Neste sentido é possível analisar a acção e o discurso “politicamente correcto” utilizado pelos administradores destas páginas [e não só…], entendendo como politicamente correcto toda a acção que não tem em vista a inclusão e o crescimento.
Continuando a senda da pesquisa breve, podemos constatar que a questão de fundo é identitária, a esmagadora maioria das contribuições para o “discurso de ódio” são feitas por pessoas que nasceram fora do espaço em que actuam (vs., fora os perfis falsos [ainda em examinação]), pessoas que se podem considerar da classe média-baixa e baixa, mas também pessoas bem colocadas e ligadas à política, em que a única coincidência é que não são etnicamente diferênciadas. O fantasma da violência acaba por branquear a possibilidade de uma identificação verdadeira de um possível perpetuador, gerando desconfiança que se associa ao sujeito racializado, ou pobre, ou puta, ou gay, ou estrangeiro … ficando portanto aquele primeiro, na aparência do “tiozinho da malta” (vs., o descaramento que se tem vindo a verificar da extrema direita nas redes sociais e não só).
Caracterizar o espaço publico quando se esgota na emocionalidade do espaço virtual é o propósito do revanchismo, ele nunca operou fora da possibilidade de punição e usa essa emocionalidade para manipulação e maniqueísmo das pessoas fora e dentro desse espaço. Por último, a impossibilidade do “discurso pela negativa” desloca o essencial para o barulho revanchista, ao não haver a possibilidade de manifestar aquilo que se tornou importante na vida das pessoas.
“Como é que fez?”
“O quê?”
Uma primeira abordagem permite verificar que permanecem 60 palavras
válidas e a maior frequência pertence a “Portimão”. Para palavras
qualificativas damo-nos conta de frequências altas para “vergonha” e
para as palavras “triste” e “tristeza” respectivamente com 9 e 10
aparições, como se pode constatar a partir da fig.1. Como seria de
esperar a massividade da componente emocional torna o discurso mais
pobre, sem possibilidade de desenvolvimento, diminuindo a diversidade e
logo a potência associativa. De referir que a desconsideração pelo outro
é marcante e dá conta da pobreza do investimento, que se pode constatar
pela presença de inúmeros objectos materiais descaracterizados ou
empobrecidos.
Para encorpar esta análise geral foi perscrutada uma página saudosista
relativa à cidade de Portimão. É possível verificar que existe uma
melhoria qualitativa do/s discurso/s (1), onde pontuam palavras como
“contribuidor”, “tempos” e “saudades”, mas também “mercado”, “sardinha”,
“praia”, só para enunciar algumas das palavras mais utilizadas. De
referir que o saudosismo é ascético e não se torna fácil a discriminação
do ódio pelo recurso à memória, e pela tendência ao embelezamento e
intelectualismo. A alternativa não se encontra quantificada, servindo o
presente parágrafo para mera comparação.
Da mesma forma, é possível estabelecer categorias a partir dos pontos de maior relevo que deram corpo à introdução e a partir de palavras que estão contidas no/s texto/s em análise (2) e que definem por elas próprias novas categorias ou que, de forma geral, remetem para dimensões pré-estabelecidas na literatura, fig.2.
| palavras | freq | palavras | freq | palavras | freq | palavras | freq |
|---|---|---|---|---|---|---|---|
| abandono | 3 | buracos | 3 | limpeza | 6 | dinheiro | 4 |
| infelizmente | 4 | ervas | 3 | manutenção | 3 | festas | 7 |
| pena | 4 | húmida | 3 | problema | 3 | ganhão | 3 |
| triste | 7 | imagem | 4 | razão | 3 | semeditado | 8 |
| tristeza | 3 | vergonha | 9 | salvar | 4 | votem | 4 |
| NA | NA | NA | NA | NA | NA | milhões | 6 |
Muito embora resida em diferenciais da psicopatologia, ela permite verificar que nem sempre ou quase nunca, ou mesmo nunca, o ataque à persona é bem sucedido quando de facto se trata de um ataque aos fundamentos do “eu”, i.e., apesar do ataque ser disferido tendo como alvo uma etnia, ela serve o propósito revanchista, a recuperação material perpetua. O alvo da afectividade disfórica é o próprio “eu”, a não ser que surjam formas de sofrimento e recuperação que recoloquem este “eu” no centro, i.e., no ganho. Nunca será desta forma, esta recuperação terá que ser afectiva.
Esta dimensão define um carácter mais patológico, com rompimento das barreiras que asseguram pelo seu contrário um domínio pelo empobrecimento, e que são competitivas com estruturas hierarquicas de relacionamento onde o crime se prepetuou, e.g., se o roubo impune define categorias que se deslocam dos direitos e deveres do cidadão comum, será competitivo dessas supostas hierarquias. Este é um sentimento que visa o outro. Se os objectos maus são excisados do self, alguém terá que os conter!
Esta é de facto uma dimensão construtiva, dá conta do trabalho dos cantoneiros, dos operacionais, da lavoura e do ambientalismo.
A reparação é isso mesmo, reparação, mas terá de ser algo que a “mim”
seja relevante. Quando eu não entendo o que está em causa, vou reparar o
quê? esta distancia não prepara a consciência do objecto, ela promove o
“atalho” maníaco; “dinheiro”, “festas”, votem na extrema direita. Como
se a memória não existisse, como se por trás das intenções lavadas dos
proponentes não existisse a pobreza extrema, aliás que alimenta todo o
discurso de ódio.
Neste momento 04-01-2024, no qual escrevo, quase um ano se passou desde as primeiras tiradas de texto que supostamente lançariam luz ao chamado discurso de ódio nas redes sociais, coisa que por esta altura quase não teria razão de ser, embora ainda pontuem expressões como “essa raça” ou “ciganos”, ao invés de pessoa ou pessoas ciganas, que supostamente seriam afastadas para longe da memória e da vista, a dois meses das eleições. Foi num cenário catastrófico que a direita se organizou, o centro esquerda foi somente ambivalente, e observou, como a direita se cliva em direita boa e direita má para ser qualquer coisa fora da direita má; porque magoa a direita, também o centro de esquerda se sente magoado. Haverão ouvidos bons e ouvidos maus?
Posto isto, e sabendo que não há remédio, resta uma possibilidade: lutar, e é de facto uma luta constante num cenário que é incerto e que visa a desconstrução de algo que pertence ao passado, uma desconstrução feminista que reequilibre a balança, integrando o inintegrável, pondo fim à subalternização das mulheres, porque qualquer recuo significa uma perca, e uma qualquer perca é um retrocesso feminista e do ser enquanto ser total e em equilíbrio com o resto, e aqui podemos ver, não nos ofusca a memória, somos “agentes e reagentes” inter-atuantes, autores de um si mesmo operante e em constante “transformação e crescimento”.
Para perturbar o discurso de ódio nas redes sociais está quem de alguma forma se comprometeu, e somos muitos, mas não é suficiente, é o colectivo que tem que abominar e se revoltar para por fim ao ataque fascista, que por outra o coloca num posicionamento de dano físico e material potenciado pelo distanciamento e ausência de saneamento do acumular de elementos que perturbam o pensamento, tornam-o irracional, e numa situação em que a desumanização é enunciada, interna ou externamente, não temos capacidade de contenção. Falta no espaço publico formas de saneamento que combatam o revanchismo, por forma a assegurar a segurança das pessoas e isto significa ir além da politiquice, significa tornar visíveis quem tem o percurso de vida e o trabalho de desconstrução e revalidação de perspectivas humanas no combate ao racismo, à misoginia, à homofobia, à islamofobia e anti-semitismo, … uma agência com capacidade de mobilização que não se esgote na politiquice e não seja absorvida por quem tem o poder, financeiro ou politico, e resistir.
Relativamente à investigação, foi a investigação possível, porque não é um trabalho profissional, é um protesto ao fim e ao cabo, e não estaria nos meus propósitos a exposição de relatos pessoais que viessem por um lado por em causa a privacidade destas pessoas nem lançar luz sobre um assunto que é por definição mal mentalizado, o que levaria a maiores reações de ódio, pelo que a desorganização num mínimo de ajustamento pode promover por si só um sentido, que é o sentido possível, na falta de relatos que dêm conta daquilo que ocorre ou que ocorreu ou ainda que está para ocorrer e devolver justiça social. Ora isto só é possível com trabalho dedicado, e que não se encontra ainda prevista a resistência à absorção por entidades que detêm poder. Ora como trabalho dedicado é trabalho pago ficamos nesta.