O Novo Marco Legal do Saneamento na Paraíba
Relatório de Auditoria Temática sobre a situação do Novo Marco Legal do Sanemanto na Paraíba
A urina e as fezes dos moradores, recolhidas durante a noite, eram transportadas de manhã para serem despejadas no mar por escravos que carregavam grandes tonéis de esgoto nas costas. Durante o percurso, parte do conteúdo desses tonéis, repletos de amônia e ureia, caía sobre a pele e, com o passar do tempo, deixava listras brancas sobre suas costas negras. Por isso, esses escravos eram conhecidos como “tigres”. Devido à falta de um sistema de coleta de esgotos, os “tigres” continuaram em atividade no Rio de Janeiro até 1860, e no Recife até 1882.
Laurentino Gomes, em seu livro 1808, Editora Planeta, 2007
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente Relatório foi elaborado visando atender ao Plano de Trabalho constante do ANEXO II do Termo de Convênio assinado em novembro de 2022 entre o Tribunal de Contas da Paraíba (TCE/PB) e o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE/PE) e cujo objeto prevê a ação conjunta dos Convenentes com vistas à cooperação técnica compreendida na permuta de pessoal especializado, ocupante de cargo efetivo de auditor de controle externo, para realização de atividades finalísticas de fiscalização dos jurisdicionados, conforme Leis Estaduais que regulamentam atribuições do referido cargo.
O Plano de Trabalho constante do Anexo II do Termo de Convênio acima caracterizado importa no desenvolvimento de boas práticas de fiscalização na área de saneamento básico, com ênfase nos Planos Municipais de Saneamento Básico e nos indicadores de abastecimento d’água e de coleta e tratamento de esgotos, sobretudo quanto aos prazos estabelecidos no Novo Marco Legal do Saneamento Básico, estabelecido pela Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, para universalização desses serviços, com o compartilhamento da metodologia, dos instrumentos de fiscalização, da legislação aplicada, dos papéis de trabalho, dos encaminhamentos, entre outros aspectos.
O cronograma de execução do projeto de cooperação técnica proposto foi definido conforme as seguintes etapas:
Etapa 1: Levantamento quanto à existência dos Planos Municipais (e Regionais) de Saneamento Básico (PMSB);
Etapa 2: Análise da aderência dos PMSB ao Novo Marco Legal do Saneamento Básico e outros normativos aplicáveis;
Etapa 3: Levantamento dos indicadores de controle externo referentes à cobertura dos serviços de abastecimento de água e coleta de tratamento de esgotos; e
Etapa 4: Acompanhamento das principais obras de implantação de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos Estados de Pernambuco e da Paraíba.
Este documento vem consolidar as Etapas 1, 2 e 3 do Plano de Trabalho proposto – Levantamento quanto à existência dos Planos Municipais (e Regionais) de Saneamento Básico (PMSB); Análise da aderência dos PMSB ao Novo Marco Legal do Saneamento Básico e outros normativos aplicáveis; e Levantamento dos indicadores de controle externo referentes à cobertura dos serviços de abastecimento de água e coleta de tratamento de esgotos; consistindo em conjunto de informações fundamental para a tomada de decisões atinentes à definição das próximas ações da Auditoria/Fiscalização acerca do tema, no âmbito do Convênio de Cooperação Técnica firmado entre os Tribunais de Contas da Paraíba e de Pernambuco.
Registre-se, por oportuno, que as ações do TCE/PE, no tocante a Água e Esgoto (uma das áreas prioritárias definidas no Plano de Controle Externo 2021-2022 daquela Corte de Contas), tiveram início antes da formalização do mencionado Convênio de Cooperação Técnica.
Como resultado, as equipes de Auditoria do TCE/PE já elaboraram seu Relatório Preliminar de Levantamento, no qual foi apresentado o diagnóstico da situação atual, notadamente em Pernambuco, bem como promovida a atualização de trabalhos anteriores ligados ao tema.
A partir da elaboração do presente Relatório, tem-se o diagnóstico também para o Estado da Paraíba, tornando possível, a partir de agora, promover maior integração das ações dos Tribunais de Contas da Paraíba e de Pernambuco relativas à execução do Plano de Trabalho formulado no Convênio.
2 BREVE HISTÓRICO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
O saneamento básico é um conjunto de serviços ou medidas essenciais no desenvolvimento socioeconômico de uma região tais como o abastecimento d’água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. São práticas fundamentais para a saúde e bem-estar da humanidade, prevenindo doenças, garantindo melhor qualidade de vida aos cidadãos, a produtividade do indivíduo e otimizando a atividade econômica. No Brasil, o saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição Federal e instituído pela Lei nº 11.445/2007.
Em nosso país, o primeiro registro de saneamento data de 1561. Naquele ano, Estácio de Sá, fundador do Rio de Janeiro, mandou escavar o primeiro poço para abastecer a cidade. Em 1744, foi construído na então capital do Brasil o primeiro chafariz. Durante todo o período colonial as ações de saneamento eram feitas de forma individual e resumiam-se à drenagem de terrenos e instalação de chafarizes. O Aqueduto do Carioca, construído em 1723 e que levava água do Alto de Santa Tereza ao local hoje conhecido como Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, é considerado o verdadeiro marco inicial do setor de saneamento no Brasil.
Ao longo dos séculos, o saneamento no Brasil encontrou inúmeros obstáculos que acabaram por impedir o desenvolvimento mais expressivo dessa área. Ainda hoje, alguns desses fatores continuam a representar grandes dificuldades para os necessários avanços no setor, tais como falta de adequado planejamento, volume insuficiente de investimentos, deficiência na gestão das companhias de saneamento, além da baixa qualidade técnica dos projetos e a dificuldade para obter financiamentos e licenças para obras.
No século XX, algumas empresas estrangeiras receberam a concessão de serviços de saneamento, no entanto, a partir dos anos 1940 começam a surgir as autarquias e alguns dos mecanismos de financiamento para o abastecimento de água, com influência do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), hoje Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).
Na década de 70, o Brasil vivenciou intenso período de industrialização e êxodo rural para o urbano com impactos significativos no saneamento básico. Visando minimizar as dificuldades do setor, em 1971 foi instituído o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA). Esta política pública levou à regionalização dos serviços de água e esgoto com o saneamento básico se beneficiando com a criação de novas medidas, diretrizes e avanço na infraestrutura, principalmente de distribuição de água. A partir do PLANASA tem-se a criação de 27 companhias estaduais de saneamento. Estas passaram a operar nos principais municípios do país, através de contratos de concessão ou convênios com prazos que variavam entre 25 e 30 anos. Em 1986, no entanto, o PLANASA chega ao fim, sendo extinto também o Banco Nacional de Habitação (BNH), sua principal fonte de investimentos. Até o ano de 2007 as empresas responsáveis pelos serviços ficaram sem recursos e o setor ficou desregulado.
Em 22 de fevereiro de 2007 entra em vigência a Lei nº 11.445, também conhecida como o Marco Nacional Regulatório de 2007 ou Lei Nacional do Saneamento Básico (LNSB). A edição desse dispositivo legal consolida os municípios como titulares dos serviços de saneamento e determina as diretrizes nacionais para o saneamento básico no Brasil. A partir da LNSB, a gestão de resíduos sólidos e o manejo de águas pluviais passam a integrar o saneamento e os municípios obrigados a elaborarem o seu próprio Plano Municipal de Saneamento Básico.
Em 2013 é lançado o PLANSAB (Plano Nacional de Saneamento Básico). Instrumento já previsto na LNSB, o PLANSAB tem como premissa o planejamento integrado do saneamento básico, com a inclusão de seus quatro componentes: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem das águas pluviais urbanas. Este importante instrumento de política pública para o saneamento trouxe uma estimativa de tempo da necessidade de investimento até o ano de 2033. O montante de investimentos estimados para o setor, no período, é de R$ 508 bilhões.
3 O NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO
Em 22 de fevereiro de 2007 entrou em vigência a Lei nº 11.445, também conhecida como o Marco Nacional Regulatório de 2007 ou Lei Nacional do Saneamento Básico (LNSB). A edição desse dispositivo legal consolidou os municípios como titulares dos serviços de saneamento e determinou as diretrizes nacionais para o saneamento básico no Brasil. A partir da LNSB, a gestão de resíduos sólidos e o manejo de águas pluviais passaram a integrar o saneamento e os municípios foram obrigados a elaborar o seu próprio Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB).
No ano de 2020, foi criado o Novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei Federal nº 14.026) com a proposta central de promover a universalização do serviço, consubstanciada na garantia de que 99% do país tenha acesso à água potável e 90% tenha acesso a coleta e tratamento de esgoto até o final de 2033 (havendo a possibilidade de ampliação desse prazo até 2040).
A Lei 14.026 (Novo Marco) não revogou a LNSB. Houve, é certo, uma ampla atualização, mas muitos dos conceitos se mantiveram. Essencialmente, o Novo Marco, além de viabilizar a universalização dos serviços básicos de saneamento, objetiva uniformizar regras bem como definir padrões da atividade regulatória e da formulação de políticas públicas.
O Novo Marco Legal de Saneamento foi concebido com o intuito de propiciar um ambiente de maior concorrência e atração de investimentos privados. Para alcançar esse objetivo, ele introduz mudanças significativas na forma como o setor é regulado e operado no país, tais como a obrigatoriedade de licitação, criação de agências reguladoras independentes (cujo objetivo é o de garantir a qualidade dos serviços e a proteção dos consumidores, além de monitorar o cumprimento das metas de universalização estabelecidas pelo governo), possibilidade de renovação antecipada de contratos e a formação de consórcios entre municípios (o que pode gerar economias de escala e uma melhor utilização dos recursos disponíveis). Espera-se, com isso, uma melhoria na qualidade dos serviços prestados e na ampliação da cobertura para a população.
A partir do Novo Marco Regulatório do Saneamento, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), órgão responsável pelo gerenciamento de recursos hídricos no país, passa a ser a responsável pela edição de normas de referência para regulação, tendo o financiamento federal como indutor da adoção dessas normas pelas agências reguladoras infranacionais.
Outro dos aspectos principais do Novo Marco é a extinção dos contratos de programa – modalidade entre as companhias estaduais e municípios – e expectativa de abertura do mercado de prestação dos serviços públicos de saneamento básico para a concorrência (empresas privadas).
O Novo Marco trouxe, ainda, a regionalização da gestão dos serviços de saneamento básico e definição da titularidade dos serviços nos casos de interesse comum e interesse local.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o Novo Marco Legal do Saneamento, já nos primeiros dois anos de vigência, resultou em investimentos de aproximadamente R$ 72,2 bilhões no setor, com a realização de nove leilões de concessão de serviços sob as regras da nova legislação. Estes leilões beneficiaram 19,3 milhões de pessoas em 212 municípios, em diversos estados do país.
No entanto, segundo relatório do Instituto Trata Brasil (ITB) publicado em 2023, aproximadamente 100 milhões de brasileiros não possuem rede de coleta de esgoto e mais de 33 milhões não têm acesso à água tratada.
O levantamento destaca que, após a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, é possível observar que sua implantação caminha a passos lentos para o cumprimento das metas estabelecidas até 2033, sendo fundamental para os próximos anos o fomento de mais investimentos a partir de leilões, concessões e parcerias no setor.
De qualquer modo, as mudanças trazidas pelo Novo Marco Legal, além de promoverem a concorrência, a atração de investimentos privados, a fiscalização e a regulamentação dos serviços, também garantem a possibilidade de renovação antecipada dos contratos de prestação de serviço, o que pode garantir mais estabilidade e previsibilidade para as empresas que atuam no setor, aspectos considerados essenciais para a mudança do panorama apontado no mencionado estudo publicado pelo Trata Brasil.
A melhoria dos serviços de saneamento básico tem um impacto direto na qualidade de vida das pessoas, uma vez que o acesso à água potável, coleta e tratamento de esgoto e gestão de resíduos sólidos é essencial para a saúde e bem-estar da população. A universalização dos serviços de saneamento pode reduzir os riscos de doenças, melhorar as condições sanitárias e ambientais das cidades, além de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país.
Portanto, o Novo Marco Legal de Saneamento tem o inegável potencial de trazer diversos benefícios, por meio da melhoria da qualidade do saneamento básico e da atração de investimentos privados para o setor.
4 REGULAÇÃO DO SETOR DE SANEAMENTO NO BRASIL
A importância dos serviços de saneamento básico na promoção de maior desenvolvimento socioeconômico, assim como melhor qualidade de vida e bem-estar da população, é fato indiscutível e que merece cada vez mais destaque nos debates relativos ao tema.
Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) dão conta de que, globalmente, a taxa de retorno dos investimentos para a universalização de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário é de 4,3 unidades monetárias para cada unidade investida. No caso da América Latina e o Caribe essa relação é de 5,2. Ressalte-se que, em diversos países, inclusive entre os mais ricos, a melhora nos indicadores de saneamento tem sido alcançada somente após grande esforço, sempre contando com a forte atuação do Estado.
No Brasil, a Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB), Lei no 11.445/2017, apresentou diretrizes, instrumentos e formas de financiar os serviços, dando ao saneamento status de infraestrutura e saúde, além de prever papéis para municípios, estados/Distrito Federal e União. Até então, o que se observou no setor foi uma trajetória que oscilou entre prover os serviços diretamente por meio de entes públicos e gerenciar o mercado para a iniciativa privada e público-privada.
Desde o ano 2000, os diversos usos de recursos hídricos (abastecimento humano e animal, indústria, irrigação agrícola, geração de energia, navegação, pesca, aquicultura e mineração) já vinham sendo objeto da regulação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), criada por meio da Lei Federal nº 9.984/20. Em 2010 a ANA lançou o Atlas Brasil: Abastecimento Urbano de Água, uma análise da oferta de água à população urbana brasileira nos 5.565 municípios existentes até então. Além disso, a publicação propôs soluções para as demandas por água até 2025 contendo os investimentos necessários e os arranjos mais adequados para viabilizar as intervenções financeira e tecnicamente. O Atlas Abastecimento Urbano de Água foi atualizado e teve nova versão lançada em 2021 – Atlas Águas – segurança hídrica do abastecimento urbano. Essa nova versão trouxe os investimentos necessários para garantir a segurança hídrica das sedes urbanas de todos os municípios até o horizonte planejamento de 2035.
Em 2017, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico lançou o Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas, em parceria com o então Ministério das Cidades, hoje Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). O levantamento analisou a situação do esgotamento sanitário em todos os municípios brasileiros e os impactos decorrentes do lançamento dos esgotos nos rios, lagos e reservatórios em todo o País. O estudo propôs, ainda, ações e uma estratégia para investimentos em esgotamento sanitário no País com o horizonte de planejamento de 2035. Com a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, em 2020, objetivou-se alcançar um novo patamar na relação regulatória entre a ANA e o setor de saneamento, já que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico passa a editar normas de referência, de caráter geral, a serem levadas em consideração pelas entidades reguladoras de saneamento básico infranacionais (municipais, intermunicipais, distrital e estaduais) em sua atuação regulatória.
De acordo com o disposto na Lei nº 14.026/2020, a ANA deve emitir normas de referência sobre:
Padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico;
Regulação tarifária dos serviços públicos de saneamento básico;
Padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico firmados entre o titular do serviço público e o delegatário;
Metas de universalização dos serviços públicos de saneamento básico;
Critérios para a contabilidade regulatória;
Redução progressiva e controle da perda de água;
Metodologia de cálculo de indenizações devidas em razão dos investimentos realizados e ainda não amortizados ou depreciados;
Governança das entidades reguladoras;
Reuso dos efluentes sanitários tratados, em conformidade com as normas ambientais e de saúde pública;
Parâmetros para determinação de caducidade na prestação dos serviços públicos de saneamento básico;
Normas e metas de substituição do sistema unitário pelo sistema separador absoluto de tratamento de efluentes;
Sistema de avaliação do cumprimento de metas de ampliação e universalização da cobertura dos serviços públicos de saneamento básico;
Conteúdo mínimo para a prestação universalizada e para a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços públicos de saneamento básico.
5 SISTEMAS E FONTES DE DADOS E INFORMAÇÕES
5.1 O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS
O SNIS consiste de um banco de dados administrado na esfera federal e que contém informações sobre a prestação de serviços de água e esgotos, de caráter operacional, gerencial, financeiro, de balanço e sobre a qualidade dos serviços prestados.
As informações e indicadores disponibilizados pelo SNIS servem a múltiplos propósitos. No âmbito federal, elas destinam-se ao planejamento e à execução das políticas públicas, visando orientar a aplicação de investimentos, a construção de estratégias de ação e o acompanhamento de programas, bem como a avaliação do desempenho dos serviços. Nas esferas estadual e municipal esses dados fornecem importantes insumos para a melhoria dos níveis de eficiência e eficácia da gestão das instituições prestadoras dos serviços, uma vez que eles proporcionam uma gama de possibilidades em análises do setor.
Os dados históricos permitem a identificação de tendências em relação a custos, receitas e padrões dos serviços, nos níveis local, estadual e regional, a elaboração de inferências a respeito da trajetória das variáveis mais importantes para o setor, e assim, o desenho de estratégias de intervenção com maior embasamento.
Aliás, um dos aspectos mais importantes é que as informações e indicadores em perspectiva histórica esclarecem mitos e descortinam realidades sobre a prestação dos serviços de água e esgotos à sociedade brasileira. Isso significa a abertura de mais espaço para a sociedade atuar na cobrança por melhores serviços, por meio de argumentos técnicos e embasamento mais consistente.
5.2 Instituto Trata Brasil
Outra fonte de informações importante acerca do setor é o Instituto Trata Brasil, uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. Atua desde 2007 trabalhando para que o cidadão seja informado e reivindique a universalização do serviço mais básico, essencial para qualquer nação: o saneamento básico. De acordo com o Trata Brasil, seu trabalho é o de “conscientizar a sociedade para termos um Brasil mais justo, com todos tendo acesso à água tratada, coleta e tratamento dos esgotos. Somos um país ainda muito desigual nessa infraestrutura, sobretudo nas regiões mais pobres”.
Para dar mais legitimidade nas ações, o Instituto Trata Brasil desenvolve projetos em comunidades vulneráveis ao saneamento básico e onde a falta de água e o contato diário com os esgotos ao céu aberto fazem parte da realidade das famílias. Dentro do escopo de trabalho há três eixos de atuação: “Água e Cidadania pela Vida”; “Trata Brasil na Comunidade”; e “Apoio ao Saneamento Rural e em Áreas Isoladas”.
Além disso, o Trata Brasil trabalha em parceria com personalidades que emprestam sua imagem à causa do Saneamento (campeões olímpicos, juristas, atores e atrizes, promotores públicos, engenheiros e professores), bem como possui parceria com entidades ligadas às áreas de Engenharia e Arquitetura, de defesa à Saúde Infantil e Proteção à Criança, Meio Ambiente, Turismo, Direito Sanitário, entre outras.
5.3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é um órgão público, vinculado ao Ministério da Economia, responsável especialmente por fazer mapeamentos e pesquisas sobre os brasileiros e diversos aspectos de suas atividades. As pesquisas do Instituto cobrem temas variados, como informações acerca do meio ambiente, indústria, comércio, mercado de trabalho, saúde, educação, por exemplo. Segundo o próprio site institucional, o IBGE “(…) se constitui no principal provedor de dados e informações do País, que atende às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal”. O Censo Demográfico, na teoria realizado de 10 em 10 anos, é uma das principais atividades do Instituto.
Outra atividade importante do IBGE é a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) que tem por objetivo obter informações das entidades executoras dos serviços coletivos de abastecimento de água por rede geral e/ou de esgotamento sanitário por rede coletora, registradas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ, da Secretaria da Receita Federal, mediante o levantamento de dados cadastrais e operacionais sobre captação, coleta, tratamento, distribuição e cobrança desses serviços nos Municípios brasileiros. Segundo o Instituto, “tal investigação, de cobertura nacional, permite não só efetuar uma avaliação da oferta e da qualidade dos serviços prestados, como também analisar as condições ambientais e suas implicações diretas com a saúde e a qualidade de vida da população”.
Atualmente a pesquisa mais recente realizada pelo IBGE ocorreu em 2017, após nove anos desde a PNSB 2008. Nesta edição, marcada, sobretudo, pelo aperfeiçoamento dos instrumentos de coleta, da metodologia de processamento e da apuração dos dados, a PNSB foi dividida em duas etapas: a primeira investigou os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, objeto desta publicação, e a segunda, a ser desenvolvida posteriormente, abrangendo os serviços de manejo de resíduos sólidos e águas pluviais, a serem apresentados em volume específico.
O conjunto das informações contidas na PNSB, associado àquelas obtidas no Suplemento de Saneamento da Pesquisa de Informações Básicas Municipais - Munic 2017, também realizada pelo IBGE, fornecem um valioso panorama da oferta e da gestão do abastecimento de água por rede geral e do esgotamento sanitário por rede coletora no País e possibilitam identificar as carências existentes nos Municípios brasileiros relativamente a essas duas dimensões.
6 PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO - PMSB
Um dos maiores desafios enfrentados pela sociedade brasileira nos tempos atuais tem como fio condutor a garantia, com qualidade, equidade e continuidade, do acesso ao saneamento básico a toda a população. Trata-se de questão primordial no que tange às políticas socioambientais. A implantação e a operação de sistemas ambientalmente adequados, eficientes e sustentáveis representam desafios imensos para a maioria das Administrações Públicas Municipais brasileiras, notadamente a partir de um passivo imposto pelo recente e acelerado processo de urbanização pelo qual passou o país.
A partir da noção cada vez mais consensual no país sobre a necessidade de se estabelecer sistemas integrados de saneamento básico, levando-se em conta as múltiplas dimensões da realidade social, econômica, ambiental, cultural, política e institucional, a LNSB (Lei Federal nº 11.445) determinou a obrigatoriedade de elaboração do PMSB.
A implementação da Política Municipal de Saneamento é instrumento fundamental na busca da universalização das ações e serviços de saneamento ambiental no âmbito da Administração Municipal, cabendo a esta a responsabilidade de materializar o que está previsto em Lei: um modelo de gestão público e integrado, que assegure a qualidade na prestação dos serviços, a democratização e a transparência dos processos decisórios, com mecanismos eficazes de controle social por meio do uso de indicadores claros e objetivos.
O conteúdo do PMSB é estabelecido pelas seguintes Leis Federais:
Lei Federal nº 11.445/2007, que define as diretrizes nacionais para o Saneamento Básico (artigo 19);
Lei Federal nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (artigo 19).
No que concerne ao saneamento básico, observe-se o que estabelece o artigo 19 da Lei Federal nº 11.445/2007:
Art. 19. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano, que poderá ser específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo:
I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas;
II - objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais;
III - programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento;
IV - ações para emergências e contingências;
V - mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas.
O PMSB encontra previsão, também, no Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257, de 2001), uma vez que ali o acesso aos serviços de saneamento básico é apontado como um dos componentes do direito à cidade.
O PMSB é atribuição indelegável do titular dos serviços, sendo imperativo que a sua elaboração conte com participação social, dessa forma garantindo à sociedade o acesso às informações por meio de, por exemplo, consultas e audiências públicas, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação.
Já se observou no presente documento que o planejamento do saneamento básico, definido pelo PMSB, é pilar central da gestão dos serviços, juntamente com a prestação dos serviços, a regulação e fiscalização, e a participação e controle social.
Resumidamente, o PMSB estabelece as condições para a prestação dos serviços de saneamento básico, incluindo objetivos e metas para sua universalização, programas, projetos e ações necessárias para alcançá-los, sendo a principal ferramenta de planejamento e gestão para alcançar a melhoria das condições sanitárias e ambientais do município, impactando diretamente na qualidade de vida da população.
O Plano é, também, condição de validade dos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico, conforme previsto no art. 11, inciso I, da Lei Federal nº 11.445/2007.
Finalmente, o Decreto Federal nº. 7217, de 2010, em seu artigo 26, § 2º (alterado pelo Decreto Federal nº 8.629, de 2015), vincula a existência de Plano de Saneamento Básico, elaborado pelo titular dos serviços, segundo os preceitos estabelecidos na Lei Federal nº11.445, de 2007, como condição de acesso, após 31 de dezembro de 2017, a recursos orçamentários da União ou a recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão ou entidade da Administração Pública Federal, quando destinados a serviços de saneamento básico.
O Plano Municipal de Saneamento Básico tem como objetivos:
Promover a saúde, a qualidade de vida e do meio ambiente;
Contribuir para organizar a gestão e estabelecer as condições para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, universalizando-os, garantindo perenidade, eficiência e qualidade;
Dotar o gestor público municipal de instrumento de planejamento de curto, médio e longo prazos, de forma a atender as necessidades presentes e futuras de infraestrutura sanitária do município;
Contribuir para preservar a saúde pública e as condições de salubridade do habitat humano;
Priorizar a participação e o empoderamento da sociedade, por meio da participação e controle social.
O PMSB deve abranger todo o território do município ou região para o qual foi elaborado, incluindo as áreas urbana e rural ali compreendidas, além de contemplar os quatro componentes do saneamento básico: abastecimento de água; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e drenagem e manejo das águas pluviais. Deve, ainda, ser compatível e integrado com todas as políticas e planos existentes no município ou região a que se refere e contar com participação social efetiva em todas as fases. A Figura 2 mostra as diretrizes necessárias para elaboração dos planos municipais de saneamento básico.
O processo de planejamento do setor de saneamento do município tem caráter contínuo e é desenvolvido em diversas etapas, conforme explicitado na abaixo:
INSERIR FIGURA 3 AQUI !!
O Ministério das Cidades propõe uma classificação quanto à participação e envolvimento da comunidade na elaboração do PMSB em seis níveis, da menor participação para a maior, conforme Tabela 1-.striped a seguir:
Nível | Participação | |
---|---|---|
1 | A comunidade recebe a informação | A comunidade é informada do PMSB e espera-se a sua conformidade |
2 | A comunidade é consultada | Para Promover o PMSB, a administrção busca apoios que facilitem sua aceitação e o cumprimento das formalidades que permitam sua aprovação |
3 | A comunidade Opina | A administração apresenta o PMSB já elaborado à comunidade, mediante audiência ou consulta pública, e a convida para que seja questionado, esperando modificá-lo só no estritamente necessário |
4 | Elaboração conjunta | A administrção apresenta à comunidade uma primeira versão do PMSB para que seja debatida e modificada, esperando que o seja em certa medida. |
5 | A comunidade tem poder delegado para elaborar | A administração apresenta à comunidade uma pré-proposta de plano, junto com o contexto de soluções possíveis, convidando–a a tomar decisões que possam ser incorporadas ao PMSB. |
6 | A comunidade controla o processo | A administrção procura a comunidade para que esta diagnostique a situação e tome decisões sobre os objetivos a alcançar no PMSB |
O PMSB deve partir de um diagnóstico detalhado da situação do abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem pluvial e gestão dos resíduos sólidos no município ou região, contemplando, dentre outros, os seguintes itens:
descrição geral do serviço existente;
principais deficiências e problemas detectados;
mananciais;
estrutura de consumo e demanda;
situação econômico-financeira;
regulação dos serviços;
áreas de risco de contaminação e das fontes pontuais de poluição por esgotos;
balanço entre geração de esgoto e capacidade do sistema existente;
ligações clandestinas;
determinação das bacias hidrográficas;
descrição dos sistemas de macro e microdrenagem existentes;
composição dos resíduos sólidos urbanos;
passivos ambientais relacionados aos resíduos sólidos;
definição das responsabilidades;
regras para o transporte e outras etapas;
soluções consorciadas;
meio de controle e fiscalização;
procedimentos operacionais a serem adotados;
iniciativas de educação ambiental.
principais desafios;
estratégias para soluções dos desafios;
A fase do diagnóstico é complementada com a análise de outros temas relacionados ao saneamento básico, tais como:
informações e indicadores administrativos;
Fundo Municipal de Saneamento Básico;
cemitérios;
inquéritos do Ministério Público de Minas Gerais;
controle de vetores;
zonas de especial interesse social – ZEIS.
Uma vez realizados os diagnósticos necessários, são definidas as diretrizes a serem adotadas para a elaboração dos Programas, Projetos, Ações e Metas que se pretende implementar no município ou região, sempre tendo como base fundamental a Lei Federal nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico.
Para cada uma das diretrizes, e dentro dos Programas, Projetos e Ações propostas, devem ser traçados cenários futuros, propostas de metas a serem atingidas e elaborado o monitoramento de indicadores. Somente dessa forma, o município poderá acompanhar o desenvolvimento e a efetividade dos programas, tendo em mente o ajuste das metas propostas de acordo com a evolução da sociedade e da infraestrutura de saneamento básico.
Para a elaboração dos Programas, Projetos, Ações e Metas deve ser observada, ainda, a compatibilidade do PMSB com outros planos: Plano Diretor, Plano Municipal de Redução de Risco, Plano Municipal de Regularização Fundiária e Plano Plurianual – PPA.
Finalmente devem ser definidos os órgãos envolvidos em emergências e contingências, definindo as responsabilidades e contato de cada órgão, além de ações a serem tomadas, bem como definidos os mecanismos e procedimentos para avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas, que tem por base o Inciso IV, do Artigo 2, do Capítulo I da Lei Federal Nº 11.445/2007, no qual o controle social está definido como o “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participação nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados com os serviços públicos de saneamento básico”.
7 SITUAÇÃO ATUALIZADA DOS PLANOS DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
Os dados mais recentes acerca da situação dos Planos de Saneamento Básico no Brasil e que constam de estudo feito pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), publicado em janeiro de 2017, foram objeto de observações apresentadas no Relatório Preliminar de Levantamento realizado pelo TCE/PE em 2022. A seguir são resumidos os pontos principais. Os técnicos responsáveis pelo estudo da SNSA consideraram razoável o Panorama dos Planos Municipais de Saneamento Básico no Brasil frente às metas definidas no Plansab, que determinaram para o indicador G2 (porcentagem de municípios brasileiros com Plano) o que segue: 32% em 2018; 51% em 2021; 90% em 2033. O resultado apurado pelo Panorama na posição de 19/10/2016 atesta que 30% dos municípios brasileiros declararam possuir o Plano; este patamar sobe para 68% quando se soma o percentual de municípios que declararam estar elaborando o Plano. O Quadro Resumo com a sistematização dos resultados obtidos no Panorama Consolidado é o que se mostra a seguir.
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Registre-se, de antemão, que, de acordo com o estudo da SNSA, ficou evidenciada a representatividade da amostra do Panorama, uma vez que a mesma equivale a 70% do total dos 5.570 municípios brasileiros. Significa que 70% (3.905 municípios) têm informação no Panorama. Já os municípios que não têm informação no Panorama totalizaram 30% do total dos municípios brasileiros (1.667 municípios).
Ainda segundo a SNSA, dos municípios brasileiros com informação no Panorama, 1.692 municípios declararam “Possuir o Plano”, o que representa 30% do total dos municípios brasileiros. Estes municípios perfazem 43% do total da amostra do Panorama, sendo a grande maioria (85,5%) de municípios com população inferior a 50 mil habitantes (1.448). Ou seja, dos 30% dos municípios brasileiros que declararam no Panorama “Possuir o Plano”, 85,5% têm população inferior a 50 mil habitantes.
Ademais, os resultados do Panorama indicam que 38% dos municípios brasileiros estão “Elaborando o Plano”. Estes municípios perfazem 54% do total da amostra do Panorama, sendo também a grande maioria (93%) de municípios com população inferior a 50 mil habitantes (1.950).
Com base nos resultados, o Panorama dos Planos Municipais de Saneamento Básico revelou que 68% dos municípios brasileiros (3.785) declararam ou que possuem o Plano ou que estão elaborando o Plano. Destes municípios, a grande maioria (89,7%) têm população inferior a 50 mil habitantes.
O mapa abaixo apresenta o Panorama com foco nos municípios e sua situação com relação ao Plano Municipal de Saneamento Básico. O mapa mostra os 3.903 municípios que apresentaram informação no estudo sobre o plano, bem como aqueles municípios que não disponibilizaram informação.
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As tabelas e gráficos seguintes detalham o resultado por região.
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8 SANEAMENTO BÁSICO NO NORDESTE
A região nordeste é composta por nove estados a saber: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Cada estado possui suas especificidades econômicas, políticas e administrativas, no entanto, a gestão dos serviços de saneamento, mais especificamente de água e esgoto, é feita de acordo com abrangências regionais, locais e microrregionais.
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Dados extraídos do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades divulgado em 2015 e elaborado a partir das informações contidas no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). As informações divulgadas indicam que 64% das empresas de abrangência local, que prestam o serviço de saneamento, são compostas por empresas da administração direta; 29% de autarquias; as empresas privadas representam 6,0% e as demais naturezas jurídicas representam 0,8%, como evidencia a tabela 1. Fica clara, portanto, no tocante à gestão dos serviços de saneamento, a predominância de autarquias e da administração direta de abrangência cada vez mais local, pois uma das obrigatoriedades da Política Nacional de Saneamento Básico é a criação de Planos Municiais e autorização para prestação direta dos serviços ou por meio da delegação tal como preconiza o artigo 9º da Lei Federal no 11.445/2007:
Art. 9o O titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto: I - elaborar os planos de saneamento básico, nos termos desta Lei; II - prestar diretamente ou autorizar a delegação dos serviços e definir o ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os procedimentos de sua atuação.
A referida lei preconiza a descentralização do serviço, bem como fundamenta-se no princípio da universalização. Na tabela 2, retirada do Relatório de Diagnóstico do SNIS de 2015, são mostrados, em metros, a extensão da rede de água.
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Na tabela 2, vale chamar atenção para a atuação das empresas privadas de abrangência local, pois, apesar de representarem apenas 6,0% das empresas que atuam no país, tais empresas foram responsáveis pelos significativos crescimentos na extensão da rede de água, maiores até mesmo que a média nacional. Outra vez, as prestadoras de serviço de abrangência local, tanto de direito público quanto de direito privado, se destacam na ampliação da rede de água, no ano analisado (2015), uma vez que estenderam, respectivamente, 13,2 e 13 metros a cada ligação de água, superando a média nacional que foi de 11,3 metros por ligação.
Se compararmos com as empresas de abrangência regional, no ano analisado, estas ampliaram a rede em 10,7. Assim, tem-se que, de fato, as empresas regionalizadas são responsáveis por mais localidades, o que promove a pulverização da expansão e a desigualdade na expansão, ou seja, em algumas localidades a expansão é maior enquanto em outras a expansão é quase estagnada. Merece ainda ser evidenciado o fato de que nas regiões Norte e Nordeste observam-se os piores déficits em saneamento de acordo com o diagnóstico do PLANSAB, entretanto, a região Norte avançou na expansão da rede de água enquanto a região Nordeste está abaixo da média nacional.
Na extensão da rede de esgotos (tabela 3), o mesmo comportamento é percebido, ou seja, a região norte tem superado a região nordeste e, também, a média nacional. Logo, a região nordeste se mostra ainda muito deficitária no que se refere a políticas de expansão e ampliação da rede, de extrema importância para se universalizar o acesso à água e coleta adequada de esgotos.
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Para o cálculo dos índices de atendimento total em água e esgotos, o SNIS leva em consideração as informações fornecidas pela prestadora dos serviços, bem como, dados do IBGE. A tabela 4 apresenta importantes avanços no que se refere ao atendimento total em água, mas por outro lado, menos da metade da população é contemplada com a coleta de esgotos. Isto pode evidenciar que outra metade da população ainda usa meios inadequados para o descarte dos seus excretos.
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Para a formulação dos indicadores de água e esgoto o SNIS faz o cruzamento dos dados fornecidos pela as prestadoras de serviços e os dados do IBGE. Por exemplo, para o cálculo do índice de atendimento com rede de água, é feita uma média da população total atendida com abastecimento de água, informado pela prestadora de serviço, dividido pela população total residente dos municípios com abastecimento de água, segundo o IBGE. A mesma metodologia é aplicada para o esgotamento sanitário e a população urbana, todavia, todas essas informações estão contidas no Glossário de Indicadores do Relatório de Diagnóstico do SNIS.
9 BREVE HISTÓRICO DO SANEAMENTO BÁSICO NA PARAÍBA
9.1 Abastecimento d’água na capital paraibana
A capital da Parahyba só deu início às obras para o abastecimento d’água encanada em 1911. Nesse ano, a economia do Estado começava a se recuperar dos prejuízos da seca, dando sinais de crescimento. O governo pôde, então, retomar os antigos planos de dotar a cidade de infraestrutura moderna, inaugurando o serviço de água encanada em 1912 – mesmo ano em que entrava em operação a iluminação elétrica da capital.
Desde sua fundação, a cidade se abastecera de água na bica dos Milagres, localizada em um sítio que foi doado aos padres beneditinos em 1599. Ela situava-se na atual rua Augusto Simões, nas proximidades da ladeira de São Francisco. No período imperial foi aprovada uma lei que determinava a construção de um chafariz nesta fonte – que ganharia uma fachada classicista no ano de 1849.
Mais duas fontes públicas de água de uso público eram a do Gravatá (construída em 1780), que se situava no lado poente do largo que fica diante da atual Casa do Artesão, adjacente à rua Maciel Pinheiro e do Tambiá (construída em 1782), situada no interior do atual Parque Arruda Câmara (a popular Bica) e ainda hoje existente. Foi construída com recursos doados pela população, tendo sido reparada várias vezes no período imperial. Sua água era considerada a melhor de que a cidade dispunha.
Uma quarta fonte foi a Cacimba do Povo, localizada no sítio Riacho e que, na segunda metade do século XIX, abastecia o bairro das Trincheiras. O sítio havia sido adquirido pelo governo em 1866 para que a cacimba pudesse ser utilizada como fonte pública. Nessa ocasião ela foi dotada de uma construção, consistindo num tanque de pedra calcárea com cerca de dois metros de comprimento e pouco menos de um metro de altura.
Há registros de várias tentativas governamentais fracassadas de implantar na capital paraibana, ainda no século XIX, um sistema de abastecimento de água encanada. Nos primeiros anos do século XX, o presidente monsenhor Walfredo Leal se empenharia para implantar o fornecimento de água encanada à capital paraibana.
Foi na administração do presidente João Machado que, em 21 de abril de 1912, quatro anos depois de iniciado, que o sistema de abastecimento d'água paraibana foi orgulhosamente inaugurado e posto em funcionamento. Em um projeto de engenharia que envolveu a criação de uma importante avenida, a atual João Machado (primeiro boulevard da cidade), e que cortaria e interligaria dois outros importantes eixos viários da cidade: a estrada do Jaguaribe (hoje ruas Almeida Barreto e Alberto de Brito) e a estrada da Palmeira (hoje rua Rodrigues de Aquino). A canalização dessa forma pôde ser diminuída em termos de extensão em relação ao originalmente planejado, com redução de atritos na coluna de água, entre outros aspectos, com claras intenções urbanísticas na modificação introduzida. Ainda estimulou o surgimento de um novo bairro, Jaguaribe, traçado logo em seguida (suas ruas já apareciam na planta no projeto de esgotos de 1913). Esse novo bairro apresentava a vantagem de já se iniciar com toda a tubulação de abastecimento d'água passando na sua periferia – o que facilitaria em muito o acesso dos seus moradores a essa inovação infraestrutural.
Nos próximos dez anos, o abastecimento d'água ocorreria de forma híbrida, com a instalação de novos chafarizes para onde a água encanada seria levada e, através deles, distribuída à população de rendimentos insuficientes para fazer frente à instalação de uma pena d'água. Os treze chafarizes integrados ao novo sistema de abastecimento d'água distribuíam-se por diferentes partes da cidade, estando situados nos seguintes locais: rua da Palmeira, rua da Independência, rua do Cajueiro, largo das Mercês, largo do Mercado, largo da Mãe dos Homens, praça de São Francisco, largo do Tesouro, largo do Pocinho, largo da Cadeia, praça Gama e Mello, bairro do Roger e bairro de Jaguaribe.
Em janeiro de 1926 foi concluída uma importante modernização do sistema de abastecimento d'água da capital do Estado, um projeto do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito que entregou uma rede de distribuição que cobria quase toda a zona urbana da cidade e que havia sido concebido para atender a uma população de cerca de 32.000 habitantes.
Em 1938, após novas melhorias no sistema, considerava-se que o serviço de abastecimento d'água na cidade funcionava com regularidade, no entanto, apenas cerca de 44% dos logradouros de João Pessoa eram servidos por água encanada – percentual este que era inferior ao constatado no conjunto das capitais brasileiras, que era de 55%. Por eesa razão é que em 1938 havia também na cidade 21 chafarizes públicos.
9.2 Esgotamento sanitário na capital paraibana
Uma das grandes preocupações dos sanitaristas, nos séculos XIX e XX, era resolver o problema do esgotamento sanitário. Tornava-se cada vez mais urgente, diante do acelerado crescimento populacional, dar destino aos dejetos e às águas pluviais para que o meio urbano se tornasse menos insalubre.
Na ausência desse serviço, a população das cidades utilizava o sistema de fossas domésticas, que nada mais era do que valas escavadas nos quintais ou caixas que recebiam os dejetos e que eram depois enterradas, quando havia a necessidade de se abrir novas valas ou caixas. Nas casas mais abastadas eram utilizados os depósitos móveis – eram barris com capacidade de até 50 litros que eram utilizados para que se depositassem neles todos os dejetos de uma residência, acumulados por vários dias. Esses recipientes eram levados por serviçais, conhecidos como “tigres”, que percorriam as ruas da cidade, infestando-as com mau cheiro, até o mar ou outro corpo de água.
Por volta de 1860 o Rio de Janeiro se tornou a primeira cidade brasileira e a quinta, em todo o mundo, a ser provida de esgotamento sanitário (precedendo importantes capitais européias, como Berlim e Roma). Na década seguinte, Recife implantou seu serviço de esgotos. E, apenas na década de 1880 a capital paulista ganharia sua rede de esgotos.
Somente na Primeira República sistemas de esgotos sanitários chegariam a uma quantidade significativa de centros urbanos brasileiros. Em 1910 já eram em número de 48 as cidades com rede de esgotos, e em 1930 o total delas havia se elevado para 150.
Esse incremento nas primeiras décadas do século XX deve-se à atuação marcante do engenheiro Saturnino de Brito, que prestaria serviços a dezenas de cidades do país até a sua morte, em 1929. Com conceitos próprios e formulando soluções técnicas inovadoras, ele criaria uma verdadeira escola brasileira de engenharia sanitária, distinta das congêneres estrangeiras.
Na capital da Paraíba, importantes intervenções e reformulações da rede de esgotamento sanitário tiveram lugar no início do século XX. O engenheiro Saturnino de Brito projetou sistemas de abastecimento d´água e de esgotos praticamente de forma simultânea, transformando a paisagem urbana da cidade no processo. A partir dos anos 20, o sistema de esgotamento sanitário da capital paraibana se tornaria realidade.
O presidente Solon de Lucena (1920-1924), em um ato considerado de grande coragem e determinação, resolveu iniciar a execução da rede de esgotos da capital, isto por causa das grandes incertezas que tal decisão envolvia. Ele decidiu que o Estado seria o proprietário e gestor da rede, e para realizar a construção desta, por administração, convidou o engenheiro Saturnino de Brito, o próprio autor do projeto (ele já construíra com sucesso os sistemas de esgotamento sanitário de Santos e Recife).
Os trabalhos foram executados, entre dezembro de 1922 e janeiro de 1926, seguindo no geral a solução proposta por Saturnino de Brito em 1913. O projeto propunha a utilização do sistema separador completo ou absoluto no qual há a separação dos dejetos e águas servidas domiciliares das águas pluviais. Estas correriam, em geral pelas sarjetas das ruas, o que era possibilitado pela topografia mais ou menos acidentada da área a ser drenada.
A cidade ficava dividida em três distritos para atender a sua topografia acidentada. Em dois deles o esgotamento se daria por gravidade e no outro, o de cotas mais baixas, através do bombeamento feito por uma estação de elevação mecânica. Os despejos dos três convergiriam para um coletor principal, que os reuniria e os encaminharia a um emissário geral, que se iniciaria numa caixa de junção localizada no pé da ladeira de São Francisco. Esse emissário, em ferro fundido e com cerca de 1.700 metros de extensão, em vez de lançar os esgotos diretamente no corpo receptor – o Rio Paraíba, que tem elevada capacidade depuradora devido à salinidade de sua água – despejava-os em dois tanques, sendo um de acumulação (onde eles ficariam retidos durante a maré montante) e o outro de descarga. Quando a maré estivesse vazante os esgotos seriam lançados in natura, através de uma tubulação, num afluente do rio Paraíba, a camboa Tambiá Grande, a partir de onde eles atravessariam os manguezais até chegar àquele rio, num local distando mais ou menos seis quilômetros da cidade.
A rede de esgotos projetada foi executada quase que exatamente como projetada. Apenas no tocante ao terceiro distrito foi preciso dar nova disposição à rede da área de expansão, isto porque um arruamento de traçado bastante diferente daquele projetado pelo engenheiro no seu plano de 1913 havia sido aberto. Foi também preciso estender a rede a novas ruas que foram criadas entre esse ano e a data do início das obras.
A partir da década de 30 observa-se crescimento acentuado na quantidade das edificações ligadas à rede de esgoto. Essa progressão foi acompanhada de uma considerável expansão da rede coletora, cuja extensão passou de pouco mais de 47 km, em 1926, a 71 km em 1938.
Apesar de todos esses avanços, grande parte da população pessoense continuava sem acesso ao sistema de esgotamento sanitário no início da década de 40, pois só 38,8% dos logradouros da capital eram então servidos por esse sistema. Curiosamente esta situação insatisfatória era menos grave que a existente no mesmo ano no conjunto das capitais do país – onde apenas 25,9% dos logradouros eram servidos por redes de esgotos sanitários.
Naquela época, como hoje, a pobreza dominante em nossas cidades impedia o adequado saneamento delas.
Em 1955 foi criada a Sanesa. Onze anos depois, foram constituídas, no dia 30 de dezembro de 1966, a Sanecap e a Cagepa, que tinha abrangência estadual. As três empresas funcionaram paralelamente até 1972, quando houve a unificação de todas as companhias, que passaram a funcionar como Cagepa. Desde então, praticamente todas as cidades paraibanas passaram a ser atendidas pela companhia.
9.3 Aspectos recentes do Sistema de Saneamento Básico no Estado da Paraíba
Notas de rodapé
Por Leandro Joaquim - Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=709936↩︎