Aqui você encontra as etapas para realizar um projeto de Geração
Cidadã de Dados (GCD). Vale lembrar que entendemos a GCD como o
conjunto de ações que possibilitam aos cidadãos, gerar, recolher
e utilizar dados para benefícios de suas comunidades ou
coletivos.
Estas sugestões são baseadas na
experiência do trabalho do data_labe, como também na escuta de
outras iniciativas que geram e coletam dados de forma participativa no
Brasil. Por isso, não consideramos esta recomendação como sendo uma
fórmula única ou que não possa ser completamente adaptada.
Aqui vão, portanto, sete pontos que ajudam a basear
qualquer trabalho de GCD no data_labe. Eles vêm acompanhados de
perguntas importantes que se adequam a qualquer processo,
independentemente da temática ou problema escolhido para o seu projeto.
Atenção: É importante ressaltar que a palavra
“problema” não precisa estar relacionada a uma falta ou
ausência qualquer no seu contexto ou realidade. A GCD é uma metodologia
capaz de oferecer diagnósticos sobre qualquer tema e iniciativa, ainda
que ela seja positiva, como a mensuração de sucesso de uma ação, um
banco de talentos ou um mapeamento comunitário. Ao mesmo tempo é
importante que você entenda que a falta de dados (sobre qualquer
assunto) é sim um problema que precisa ser encarado, afinal de contas,
através de dados entendemos melhor o mundo e nossas realidades.
Qual problema, assunto, experiência ou realidade precisa ser
evidenciada através de dados?
Existem muitos aspectos que merecem
visibilidade e mais dados para possibilitar uma discussão qualificada em
muitas esferas da vida. Porém, nem sempre temos todos os recursos
(financeiros, humanos) para abordar todas essas questões. Por isso, é
necessário selecionar entre todas as urgências que você vive, aquela que
merece sua atenção prioritária e que será melhor abordada com os dados
que você irá levantar.
Imagine que você precisa dividir um bolo
entre cinco pessoas. Sua decisão precisa estar baseada em dados e você
só tem duas informações: a quantidade de pessoas e o tamanho do bolo.
Talvez você decida dividí-lo em cinco partes iguais. Porém, se você
adiciona mais dados para melhor compreender esse grupo, sua decisão
poderá ser tomada de forma mais efetiva. Imagine que entre essas cinco
pessoas, existe apenas uma que possui uma família que ainda não almoçou
naquele dia. Estes dados “adicionais”, sobre a composição familiar e
estado nutricional de cada um dos cinco componentes desse grupo,
possibilitará a você tomar atitudes mais justas e embasadas em uma
realidade mais ampliada.
A maioria dos problemas sociais possuem muitas causas e consequências
e, portanto, é necessário escolher de forma sagaz quais partes desses
problemas você poderá trabalhar. Quais são as causas que melhor poderiam
explicar o problema selecionado por você e seu grupo?
Por exemplo,
quando começamos a levantar irregularides de direitos ao saneamento
básico nas favelas da Maré, escolhemos falar dos subtópicos relacionados
a lixo, esgoto e falta d’água. Pensando apenas no lixo, coletamos
queixas que evidenciavam acúmulo de lixo, essa escolha
foi pensada baseada em muita estratégia, nós poderíamos ter escolhido
recolher dados sobre regularidade do caminhão de lixo, coleta seletiva,
entre outros. Mas entendemos que esse subtópico identifica de forma
específica o problema de saneamento básico. O que é importante você
entender, é que quase nunca apenas um sintoma / subtópico sera
suficiente para diagnosticar o problema, mas é necessário escolher entre
os mais específicos.
Portanto, invista tempo nesse debate, converse
com quem está sendo afetado diretamente pelo problema, veja quais são os
pontos em comum nas conversas com essas diferentes pessoas. Consulte
professores ou pesquisadores que trabalhem com o mesmo problema que você
escolheu. Compartilhe, e reavalie o seu problema e os tópicos escolhidos
para abordá-lo.
Até aqui, você precisou fazer pelo menos duas escolhas muito
difíceis: qual problema você irá atuar e em quais momentos você
escolherá coletar dados. Por isso, é necessário listar e discutir da
melhor forma, para você e seu grupo, os potenciais dessa escolha, bem
como os limites dela. Quais outros subtópicos do problema você não irá
abordar e o quanto isso afeta o seu trabalho? Nesse momento você
precisará ser gentil consigo mesmo e entender que seu trabalho é parte
do enfrentamento e solução do problema. Dificilmente uma iniciativa
conseguirá gerar todos os dados sobre um mesmo problema, pois isso
poderá acarretar processos muito longos e custosos, o que prejudicaria a
repercussão do seu trabalho e as pessoas acabariam desistindo de
participar.
Então, discuta e registre todos os potenciais e limites
das escolhas que você realizou, isso lhe ajudará posteriormente a
explicar melhor os seus dados e análises geradas a partir deles. Além
disso, servirá como guia para futuros trabalhos que queiram aprofundar a
discussão que você mesmo começou.
Existem outras bases de dados que já abordam o mesmo problema que
você escolheu? Estas bases estão publicadas e disponíveis para uso?
Estas duas perguntas servirão para você tanto se certificar que está
trabalhando com um problema e subtópicos adequados, como para garantir
que suas decisões estão também baseadas em dados.
Existem dados
sendo gerados a todo tempo e de diversos aspectos, porém nem todos estão
organizados e disponibilizados para que a sociedade possa analisá-los e
discutí-los. Por isso, o princípio de sempre trabalhar e produzir dados
abertos é muito importante no processo da GCD.
Caso não existam
bases de dados abertas sobre o problema e subtópicos que você escolheu,
esse já é um primeiro sinal de que seu trabalho terá grande relevância,
pois os dados em questão serão os primeiros sobre o assunto.
Entretanto, mesmo com bases de dados existentes e também no formato
aberto, muitas vezes os dados não possuem uma qualidade adequada à
realidade que você e seu grupo enfrentam. Seja porque o problema
escolhido tem muitas camadas e complexidades que apenas uma iniciativa
mais aproximada e local conseguirá abordá-lo efetivamente, ou porque a
forma que os dados foram coletados e disponibilizados não foram tão boas
assim.
Podemos afirmar que a inexistência ou baixa qualidade de
dados é uma realidade quando queremos falar sobre periferias e
territórios populares e tradicionais. Então, além de escolher as bases
de dados auxiliares ao seu problema, é aconselhável que você explore as
análises e relatórios realizados anteriormente por outras organizações
(ou até mesmo pelo governo) para entender em quais brechas você irá
atuar.
Existem bases de dados de extrema qualidade no Brasil, porém,
às vezes, as pessoas e grupos envolvidos nas análises e divulgação dos
resultados, não realizam cruzamentos e diagnósticos importantes para que
você e seu território se sintam representados. Portanto, apenas novas
análises e olhares serão suficientes para aprofundar alguns debates.
Nesses casos você nem precisa empreender um processo de geração de dados
do zero. Por isso, investigue e analise com profundidade as bases de
dados que se relacionam com seu problema e as análises já
disponibilizadas sobre elas. Procure os repositórios de bases de dados
governamentais, da sociedade civil, da pesquisa acadêmica e entre
parceiros que você sabe que atuam no mesmo tema.
Depois desse longo processo de decisões estratégicas chegou a hora de
considerar quem irá te ajudar e participar do processo da coleta e
geração de dados.
É importante considerar as pessoas que mais são
afetadas pelo seu problema, pois elas tem profundo conhecimento sobre as
causas e consequências do mesmo. A geração de dados se torna cidadã
quando os indivíduos possuem lugar de protagonismo em todo o processo.
Por isso não é coerente que você deixe as pessoas mais afetadas de fora
dos processos, ou utilize essas pessoas apenas como fonte dos dados ou
respondentes de questionários. Esse é um processo excludente e
infelizmente muito praticado durante nossa história, aonde as pessoas
que são afetadas pelo problema são apenas ouvidas de forma passiva,
tendo seus conhecimentos e realidades apropriadas ou expropriadas para
produções muito distante de suas realidades.
Por isso, ouça as
pessoas e inclua elas no centro de todas as atividades, construa junto
as formas de coleta, as decisões sobre os dados e as análises. Inclua os
saberes tradicionais e formas de existir desse grupo em todo o processo.
Isso garantirá legitimidade, reconhecimento e validação das informações
geradas.
Por fim, dê prioridade às tecnologias já usadas por esse
grupo na geração dos dados e, caso seja necessário, troque conhecimento
e incorpore novas tecnologias à realidade das pessoas sem jamais
desrespeitar seus modos de viver a vida e o respeito aos valores e
tradições locais.
Quais processos e sistematizações serão necessárias para gerar dados
de forma computacional?
Existem muitas formas de coletar uma mesma
informação e estruturá-la para que sejam geradas bases de dados
possíveis de serem analisadas e comunicadas. Sua escolha pode ser
baseada em quais formas terão mais consistência e efetividade levando em
consideração as práticas e conhecimentos das pessoas selecionadas.
A consistência dessa coleta tem muita relação com a sustentabilidade de
duração do projeto pois você, provavelmente, irá querer que mais pessoas
se envolvam e continuem seu projeto, para que ele tenha longevidade e
consiga realizar um controle de maior prazo sobre o problema. Portanto,
escolher tecnologias extremamente difíceis ou que dependam
especificamente do seu conhecimento terão graves consequências na
manutenção das atividades necessárias para a GCD.
O segundo ponto
que levamos em consideração nessa escolha está baseado na efetividade da
tecnologia. Ela precisa levar em consideração a melhor aplicação no dia
a dia e o oferecimento dos melhores resultados possíveis. Nem sempre o
melhor software é o mais caro ou o último lançamento do mercado. A
melhor ferramenta será sempre a que você e seu grupo decidirem que
funcionará para sua realidade, nos subtópicos escolhidos para o problema
selecionado. Aqui temos outro princípio do trabalho da GCD: o uso de
ferramentas livres e abertas. Elas garantem sua liberdade de empresas ou
corporações privadas que, quase sempre, estão baseadas em princípios
colonizadores e capitalistas. Além disso, os softwares livres garante
que pessoas externas ao seu projeto possam avaliar ou auditar cada etapa
e que outros grupos possam adaptar as metodologias e tecnologias
desenvolvidas às suas realidades.
Esse trabalho colaborativo e
replicável é uma prática que garante a produção de conhecimentos mais
abertos e de tecnologias mais soberanas. Assim você fomenta uma cultura
de maior transparência e garante mais acesso e mais diversidade aos
projetos e iniciativas de dados.
Quais estratégias você e seu grupo criarão para comunicar os
resultados do trabalho?
Nós falamos muito sobre transparência,
participação e colaboração e por isso é muito importante que sua
comunidade seja convocada a conhecer os dados que você e seu grupo
produziram ou analisaram. Para isso utilize as linguagens, estéticas e
referências de seu público-alvo. Quase sempre elas também serão as
suas.
Não podemos esquecer que as pessoas que participaram dos
processos de debate, coleta, análise dos dados merecem conhecer todas as
informações geradas nesse processo, assim como ter a oportunidade de
difundir essas informações para suas redes de trabalho, pesquisa e
militância. Qualquer pessoa, independente de formação técnica ou
acadêmica deve ser capaz de discutir e compreender qualquer trabalho com
dados.
É importante levar em consideração os outros grupos que você
quer informar para além da sua comunidade. Muitas vezes usamos a GCD
para construir políticas públicas e por isso precisaremos identificar os
atores e agentes com poder de decisão que escolheremos para alcançar e
comunicar nossos resultados e demandas.
É importante garantir que o
mesmo protagonismo dado nas atividades anteriores permaneça nesta etapa,
por mais que a comunicação seja feita para outros grupos, pois mais uma
vez, são as pessoas mais afetadas pelo problema que terão mais
propriedade para falar sobre ele e discutir com profunda qualidade os
resultados gerados pelos dados gerados.