Em sua pesquisa Lavinas e Gentil demonstram uma lista de fundo de private equity, também conhecido como Fundo de Investimento em Participações (FIPs). Esses obtiveram ações em empresas abertas que atuavam nos setores de saúde e educação, mais para frente essas mesmas empresas adquiriram o investimento referente a esses fundos.

Os fundos de capital em sua maioria são de capital externo, e esse fato comprova que no fundo, a financeirização também abre o campo de bem estar social do país para as empresas internacionais, e depois que os investimentos ocorrem nessas empresas, os fundos de investimentos entram na bolsa, por meio de abertura de capital, e vendem suas ações obtendo um lucro altíssimo em relação ao que investiu.

Dessa maneira a ação doestado de promover o acumulo em termos financeiros ocorre de 3 maneiras. Por métodos de reajuste de valores de serviço, aumentando esses valores para acima da inflação média, como ocorre na área da saúde. É o caso da correção de 127% para os planos de saúde, que segundo o Índice de preços no consumidor (IPCA) seria em média 82,63%.

Outra maneira é o estado definindo políticas que aumenta as margens de lucro do setor privado e afasta o tesouro público piorando o subfinaciamento dos serviços que são essenciais a sociedade, retirando as estruturas do fornecimento público desses serviços e colocando nas mãos de grupos com grandes riquezas e rendas.

A última maneira vem por meio da sistematização e de políticas sociais que tem foco na inclusão ao qual o estado atua, isso diminui o risco do crédito e estabiliza financeiramente as empresas pois estado atua como fiador do programa, como acorre com as Bolsas do Prouni e o Fies, apesar de boa a intenção, isso corrobora com a concentração do capital. Um dado que comprova isso é o aumento do número de pessoas cursando ensino superior em faculdades privadas, um aumento de 5% sete anos após a implementação dessas políticas.

Fica claro que os FIPs conseguiram valorização acelerada e elevada, por meio de brechas na ação estatal desses setores e de certa forma em cima da população que se encontra em maior vulnerabilidade e necessita da ajuda estatal

Em 2016 o presidente Michel Temer instituiu através de medida provisória os PPI, ou Programas de Parcerias e Investimento, que facilitou o processo de concessões públicas federais para o setor privado, ou seja, um instrumento pelo qual se agilizarão os processos desestatização. A consequência disso foi uma abertura dos serviços públicos para agentes financeiros estrangeiros.

Logo após assume o governo Bolsonaro, que possui como Ministro da Economia Paulo Guedes, esse que entre outras frases polémicas afirmou que iria realizar a ‘’privatização de todas as estatais’’ seguindo a lógica neoliberal de diminuição do estado, e fomentando a uma dominação do capital financeiro sobre o estado, não sobre as privatizações diretas como ele prometeu, mas sim pelas concessões de uso do aparelho público. Esse processo de desestatização clareamento tem sem início na área do saneamento.

Enquanto diversos países pelo mundo caminharam em direção a reestatização dos serviços públicos, podemos observar como o Brasil foi na direção contrária, com intenção de privatizar cada vez mais. Essas privatizações são o que podem causar a financeirização das políticas sociais. Rowena Almeida (2021), em seu TCC, explica que há um aumento do no índice de remunicipalização dos serviços pelo mundo, isso devido a uma gestão ruim das empresas privadas. O objetivo principal com tais ações era de reduzir as taxas cobradas, melhorar os serviços, e ter uma transparência que permita uma participação maior da comunidade civil.

No Brasil o mercado privado de saneamento é concentrado nas mãos de instituições financeiras, e essas ao contrário das estatais possuem um foco maior no lucro do que no valor social que o saneamento possui. A pesquisa ‘’Quem são os proprietários do Saneamento no Brasil?’’ realizada pelo Instituto Mais Democracia, aponta que em 17 anos de gestão, a iniciativa privada não alcançou progresso relevante no Estado de Tocantins. O serviço prestado pela concessionaria teve um alcance de pouco mais de 30%

Após o estabelecimento dos PPI, o BNDES tomou a frente do processo, estruturando o projeto que busca atrair a iniciativa, além de selecionar os projetos que estão no parâmetro de qualificação para ser implementado as parcerias públicas privadas.

Em junho de 2020 o Governo Bolsonaro sanciona então um marco regulatório que acaba com o subsidio cruzado, mecanismo em que os municípios com maior arrecadação prestavam assistência aos municípios de menor arrecadação para que pudessem concluir suas metas de saneamento básico. Essa medida foi um grande golpe ao poder municipal, que perdeu sua autonomia na escolha da forma de prestação do serviço, além de obrigar a abertura da concessão para Licitação, facilitando mais ainda as privatizações.

Dessa forma, a iniciativa privada naturalmente focou seus esforços e investimentos em municípios que já possuíam uma estrutura bem desenvolvida de água e esgoto, já que não precisariam gastar dinheiro com infraestrutura, e esses municípios possuem população com melhores condições financeiras para pagar pelo serviço. Assim os municípios mais pobres, não vão gerar interesse do setor privado, e não podem recorrer ao auxilio dos municípios com maior arrecadamento, sofrendo uma degradação no saneamento, que consequentemente gera um problema na saúde pública, importante lembrar que o acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial reconhecido pela Organização das Nações Unidas. Não é coincidência então que as primeiras privatizações que ocorreram no Governo Bolsonaro foram implantadas no esquema de blocos regionais, priorizando as capitais.

Essa onda de privatizações no Brasil, principalmente do setor do saneamento, teve um dos casos mais alarmantes ocorrendo no Rio de Janeiro. A Companhia Estadual Fluminense de Águas e Esgoto (CEDAE) foi considerada uma das empresas mais importantes no setor da infraestrutura no Brasil, tendo um alcance de 64 municípios do estado do Rio de Janeiro. No início de 2020 o Governador, à época, Wilson Witzel desapossou os conselheiros civis eleitos de forma democraticamente para o conselho metropolitano violando a Lei Complementar Estadual número 184. Como resultado desse ato, houve a aprovação do modelo de concessões da CEDAE, onde foram divididos em 4 blocos os municípios fluminenses, o que resultou no serviço de coleta e tratamento de esgotos sendo entregue para o setor privado, isso tudo ocorreu concomitantemente a pandemia da Covid-19.

Mas essa entrega da CEDAE ao setor privado não ocorreu do dia pra noite, já a alguns governos no Estado do Rio de Janeiro estava ocorrendo uma desestruturação e sucateamento da companhia. Temos como exemplo Wilson Witzel demitindo uma parte considerável do corpo técnico da CEADAE, não apenas 50 técnicos foram demitidos, como também 1.200 funcionários, através de um programa de demissão voluntaria, decidiram “abandonar” a empresa, levando em conta que já havia uma década que não abria um concurso para a entrada de novos funcionários.

No ano de 2021 então foi realizado o Leilão da CEDAE, que daria o direito de concessão ao ganhador, leilão esse que é a maior privatização feita no Governo Bolsonaro e não foi isento de fraudes. No leilão participaram os consórcios, Redentor, AEGEA e IGUÁ, estes que possuem as mesmas instituições financeiras como seus controladores, no caso o Fundo de Pensão Canadense (CPPIB), o Fundo Soberano de Cingapura e o Itaú. Ao fim do Leilão a AEGEA assumiu os blocos 1 e 4 que contemplam as regiões Sul, Norte e Centro da capital e 26 cidades do estado do Rio de Janeiro enquanto a IGUÁ assumiu o bloco 2, que engloba alguns bairros da zona oeste da capital fluminense assim como os Municípios de Paty do Alferes e Miguel Pereira. Já o bloco 3, que engloba 21 municípios e 22 bairros da Zona Oeste, não gerou interesse dos consórcios, pois era maior que os outros e atendia uma população que não possui condição financeira muito elevada. Com isso podemos observar que não houve uma disputa no leilão, apesar dos nomes e endereços diferentes, os consórcios possuíam os mesmos donos. O que corrobora com essa informação é o fato de que o Itaú comprou 10% da AEGEA apena 3 dias antes do leilão, na mesma data em que o Ministro Luiz Fux anulou qualquer decisão judicial futura que pudesse atrasar o leilão. O governador Claudio Castro assinou o contrato de concessão para a AEGEA, algum tempo depois este ocorrido surgiram denúncias de que o consorcio não estava cumprindo com as metas estabelecidas no contrato de concessão.

O saneamento é essencial quando falamos de políticas públicas, mesmo assim, segundo um estudo da SNIS aproximadamente metade da população Brasileira que está fazendo uso do serviço de água e esgoto não tem acesso a esgotamento sanitário, sendo que mais de 90 milhões de pessoas utilizam de métodos alternativos para descarte de dejetos.

Ao falarmos da financeirização do saneamento no Brasil é imprescindível citarmos a pesquisa do Instituto Mais Democracia, que aponta que 5 grandes empresas controlam 85,3% do total de contratos na área do saneamento, além de serem responsáveis por atender 87,8% dos municípios do Rio de Janeiro. Essa financeirização das estruturas do saneamento ambiental leva a especulação dos recursos naturais, ao redor do mundo já existem casos do mercado privado adquirindo controle de empresas de eletricidade para obter acesso aos rios e criar um monopólio da água, esse tipo de especulação leva não só a falta de um direito fundamental apara a população, como também a um prejuízo no ecossistema.

Rowena aponta cinco contradições da lógica de financeirização do saneamento sendo a primeira a inversão de prioridades colocando a distribuição de dividendos, a remuneração dos acionistas, acima dos investimentos na melhoria do serviço. Dando como exemplo o que aconteceu com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais, onde durante o governo de Romeu Zema os acionistas da empresa receberam de dividendos mais que o dobro do investimento feito na empresa, para parâmetro, sob os governos anteriores, a quantia recebida pelos acionistas não passava de 40% do investimento feito pela empresa. Assim o dinheiro que a população paga pelo serviço, ao invés de ser utilizada na melhoria desse, acaba no bolso de alguns poucos que são acionistas

Já a segunda contradição é a exclusão de investimento nas áreas pobres, o que se opõe à tão almejada universalização do saneamento. A universalização do saneamento, para os grupos financeiros e políticos neoliberais aparenta ser apenas um grupo de palavras utilizadas para propaganda, pois não há a anda que garanta uma equivalência na qualidade dos serviços prestados pelos consórcios. Como justificativa para O leilão da CEDAE, há sempre aqueles que digam que era necessária para a melhoria dos serviços, essa melhoria não possui nenhuma comprovação efetiva.

Antes da concessão, a tarifa da CEDAE tinha como objetivo cobrir o custeio e os investimentos nos sistemas de água e esgoto de forma a alcançar a estrutura total. A proposta do BNDES estabeleceu que as tarifas cobradas pelos usuários deveriam ser as mesmas cobradas pela CEDAE previamente. Dessas formas com a isenção da empresa da produção de água, a concessionaria sai mais beneficiada do que a própria CEDAE antes do leilão. Ou seja, não podemos dizer que o objetivo da modelagem do BNDES foi melhorar os serviços prestados, pois seu objetivo real era aumentar a inserção privada, independente se era de fato o que a população fluminense necessitava.

O edital da concessão ainda prevê áreas irregulares entre inelegíveis e elegíveis para investimentos, sendo inelegíveis áreas em que questões jurídicas e técnicas impossibilitam melhorias na estrutura. e da mesma forma como não há um assentamento prévio das áreas contempladas a decisão futura dessa não contempla a população mais pobre. As concessionarias não assumem responsabilidade pelo saneamento e esgotamento em assentamentos informais, dessa forma não podemos afirmar que há de fato uma universalização do saneamento.

A terceira contradição pode ser verificada também no processo de privatização da CEDAE, a qual consistiu no cartelização e, portanto, concentração de capital sobre as estruturas hídricas públicas fluminenses. Como foi citado anteriormente, os consórcios que atuaram no leilão da CEDAE, possuíam os mesmos donos fundo de pensão canadense o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB), GIC e Itaú. Lembrando também de outro fato já citado, que a Aegea e Iguá, que foram os ganhadores do leilão, estão entre as 5 empresas que possuem mais de 80% dos contratos privados de saneamento

O quarto fator contraditório da lógica financeira é a majoração do valor da água e do serviço de saneamento imposto pelo processo especulativo, além da captura do fundo público.

A Aegea que assumiu os blocos 1 e 4 do Rio do janeiro no leilão, atualmente é a concessionaria que cobra a tarifa mais cara do país cobrando duas vezes mais do que a CEDAE cobrava no mesmo ano. O BNDES se ofereceu para financiar os investimentos. O governador Claudio Castro junto com o ministro do Desenvolvimento Regional, Roger Marinho, anunciaram um investimento para aumentar o sistema de coleta e tratamento de esgoto. Isso significa financiar essas concessionarias, e em geral o dinheiro movimentado vem dos cofres públicos e dos impostos do trabalhador.

O quinto fator contraditório sobre financeirização da água é que o aumento dos processos de concentração, especulação e de transformação desse recurso natural significa a diminuição das garantias do acesso ao recurso enquanto direito humano, assim como a gestão do ecossistema que é dependente desse recurso.

Em conclusão, vemos que o avanço da financeirização no Brasil se dá junto as décadas, independente do espectro político do governo atuante, nenhum parece se opor de fato a esses grandes conglomerados, talvez por não ser capaz, devido a influência e a resiliência que esses grupos tem. A tendencia é que esse processo se intensifique ainda mais, o que significa uma retirada das políticas sociais da mão do Estado, para entregar nas mãos dos grupos financeiros. Na gestão do Estado, o objetivo principal era assegurar que essas políticas fossem cumpridas de maneira a alcançar todos que necessitam, e entregar um serviço de qualidade, já sob a supervisão dos grandes agentes econômicos, essas políticas deixam de servir a população e passam a servir a ganância dos grupos de acionistas dessas empresas, pouco importando a qualidade do serviço ou se entende a quem necessita, a prioridade é o lucro, e tanto Rowena quanto Lavinas e Gentil provam com fatos e acontecimentos como esse processo já está ocorrendo.

Bibliografia.

LAVINAS, L. e GENTIL, D. L. “Brasil anos 2000: a política social sob a regência da financeirização”. IN: Novos Estudos. São Paulo: CEBRAP, v. 37 (2): 191-211, mai-ago/2018.

OLIVEIRA, Rowena Almeida de. “O processo de financeirização das políticas públicas de saneamento no Brasil”. UNIRIO, Trabalho de Conclusão de Curso, 2021.

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