#A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS A PARTIR DA ATUAÇÃO CONDESCENDENTE DO ESTADO EM RELAÇÃO AO CAPITAL

RIO DE JANEIRO 2021

Transformações estruturais, naturais ao processo de desenvolvimento humano, vêm modificando de forma cada vez mais significativa o comportamento do mercado. A precarização do trabalho e a ampliação das desigualdades sociais são sintomas das novas relações capitalistas desempenhadas em um contexto político, econômico e social. O filósofo Zygmunt Bauman (1998) realizou um ensaio sobre as novas características da pós-modernidade que marcariam todas as relações sociais contemporâneas como a inconsistência e a efemeridade. Sob a lógica capitalista, a mutabilidade moderna se traduziu na promoção da descartabilidade massiva da mão de obra humana, e o Estado, que deveria atuar como protetor dos direitos inalienáveis do cidadão sofre uma deturpação, assumindo um papel de instrumento de controle da elite governante e promovendo condições para a reprodução de desigualdades. Segundo ANTUNES (2018, p. 173)

O Estado passou a desempenhar cada vez mais um papel de “gestor dos negócios da burguesia financeira”, cujos governos, em sua imensa maioria, pautam-se pela desregulamentação dos mercados, principalmente o financeiro e o de trabalho.

Para Schumpeter (1984), há apenas uma troca das elites no governo e a elite governante domina as estruturas que permitem o acesso aos recursos que deveriam pertencer ao povo. Marx e Engels (1998), ainda em 1848 em seu “Manifesto do Partido Comunista”, foram certeiros em afirmar que “o poder estatal moderno é apenas uma comissão que administra os negócios comuns do conjunto da classe burguesa”. Desta forma, as marcas da desigualdade já se apresentam na gênese da classe trabalhadora, e esta, naturalizou-se no Brasil. A atuação do Estado como sócio em empreendimentos privados (como por exemplo, concedendo serviços públicos nas áreas de saúde, energia e saneamento ao capital privado) acentua a disparidade social presente no país.

Durante o governo Lula houve um aprofundamento nas Parcerias Público-Privada e uma maquilagem da mobilidade social, ainda que tenham surgido novos postos de emprego, estes se concentraram na base da pirâmide. As privatizações extinguiram postos de trabalho com maiores remunerações, além daqueles com direitos trabalhistas. Desta forma, o Estado se desobriga a manter uma estrutura com muitos funcionários, cedendo o serviço público à iniciativa privada, a fim de uma gestão mais ágil e flexibilidade nos contratos de trabalho. O argumento de economia de recursos e melhora na qualidade de serviços não se sustenta na maioria das concessões (devido ao investimento dos dinheiro público nos empreendimentos via financiamento do BNDS, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e ao fundo garantidor que protege as empresas de perdas ou prejuízos). Lula dizia retomar a soberania do país, porém ao manter uma estrutura interlocutora com o capital estrangeiro, limitava as possibilidades de ação do Estado em relação a estratégias voltadas para a descentralização econômica. Para que um país seja socialmente justo é necessário o entendimento da complexidade da dominação burguesa capitalista, uma vez que o Estado capitalista contemporâneo não atua em favor do interesse público, ao invés disso, é responsável por criar um ambiente de segurança aos investidores. A concessão patrocinada, uma criação do Estado, favorece o setor privado em detrimento do bem comum. Neste modelo de concessão, o Estado entra na sociedade capitalista como sócio majoritário ou minoritário regulando os empreendimentos, isto é, uma “dupla privatização” de acordo com PINTO e MANSOLDO (2018), o Estado abdica de sua função pública de defesa de bens coletivos e serviços sociais e torna-se um Estado-empresa. De acordo com Peci e Sobral (2017) as Parcerias Público-Privada (PPPS) incluíram-se na agenda política brasileira como mais uma tentativa de atração de investimentos privados para setores de infra-estrutura. As PPPS brasileiras são caracterizadas como uma espécie de concessão, baseadas em subsídios públicos parciais ou totais. A privatização, nessa nova fase do capitalismo brasileiro, atende diretamente aos interesses dos grandes grupos econômicos privados, ou seja, do conjunto do grande capital – nacional ou estrangeiro, industrial ou financeiro (BOITO, 2007). Há também uma crescente onda de demissões atreladas aos projetos de privatização em massa. Em fala para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, CORONEL (2018) destaca:

A partir da década de 90 houve intensificação dos investimentos internacionais no Brasil. Os Estados Unidos criaram o Consenso de Washington, que continha recomendações para os países pobres que quisessem se desenvolver. Entre as regras, corte de gastos, câmbio competitivo, investimento estrangeiro direto e restrição dos gastos públicos. A partir disso, o governo Collor de Melo abriu as portas para a entrada para muitas empresas internacionais entrarem no mercado. Vários setores nacionais não estavam preparados e empresas quebraram. Também vale lembrar que nos anos 90 houve forte inflação, com uma taxa diária de 4% de inflação quando o Plano Real foi lançado. Tudo isso acabou na precarização das relações trabalhistas. As privatizações não foram feitas com equidade ou com um estudo de quais setores deveriam ser privatizados.

A precarização do trabalho é um projeto político ainda mais acentuado no governo atual, que tenta implementar uma nova modalidade trabalhista, denominada “contrato verde e amarelo”. Esta, que foi uma promessa de campanha do atual presidente eleito Jair Bolsonaro sofreu diversas alterações em seu texto base devido aos dissentimentos com o Senado. Com uma visão econômica declaradamente neoliberal, o atual Ministro da Economia Paulo Guedes, propôs, ainda no ano de 2019, a Medida Provisória 881/2019. Apelidada de “Medida da Prosperidade” a mesma consistia na redução de um montante de direitos trabalhistas, sob a lógica de que a “ajuda” aos empresários promoveria a geração de empregos e o crescimento econômico do país. Vale ressaltar que desde a Reforma Trabalhista, realizada em 2017 e responsável por regulamentar a precarização do trabalho, o país atingiu números alarmantes de desemprego. Desde então, a lógica de mercado explora cada vez mais o trabalhador e se depender do governo no poder atual, terá permissão para explorar ainda mais. Como demarca Antunes (2018, 174), o “desemprego estrutural” é característico dos tempos modernos, onde a “terceirização, informalidade, precarização, materialidade e imaterialidade são mecanismos vitais”, para a manutenção do neoliberalismo econômico. Embora a Medida contraditória não tenha sido aprovada no Senado, foi aprovada pela Câmara. Para Guedes, o texto polêmico que previa medidas como o fim do E-Social e a regulamentação do trabalho intermitente de trabalhos rurais nos períodos de colheita, não encorajava a fragilização da CLT e sim, promovia a geração de empregos para a juventude. Empregos precarizados para uma juventude marcada pela falta de oportunidades e a aquiescência a modelos de trabalho cada vez mais abusivos.
A reforma trabalhista quebrou os alicerces da CLT num movimento neoliberal, onde o Estado em uma tentativa de gerar mais empregos, opta pela redução de direitos trabalhistas, o que invariavelmente afeta o estado de bem-estar social brasileiro,e principalmente das mulheres. Os recém conquistados direitos trabalhistas das domésticas perderam sua força, e profissionais da área de enfermagem ou cuidadores de idosos cuja maioria são mulheres, e muitas delas são mãe solo, encontram-se em trabalho precarizado conciliado a alternativas autônomas que não garantem direitos trabalhistas que protegem sua segurança social e de seus filhos. A ampliação dos postos de trabalho de baixa remuneração permitiram a absorção da força de trabalho excedentes produzidos pelo neoliberalismo e que tornaram característicos do capitalismo periférico.
Relações de trabalho informais cresceram. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), “o trabalho por conta própria bateu recorde no país, atingindo 24,8 milhões de trabalhadores, o que corresponde a 28,3% de toda a população ocupada. De cada 10 novos postos de trabalho gerados no país no último ano, 7 foram por conta própria”(ALVARENGA; SILVEIRA, 2021). Para Pochmann (2012, 25):

Mesmo que as ocupações informais tendessem a aspirar ao mesmo nível de proteção social e trabalhista dos empregados formais, prevaleceu, na maioria das vezes, a desproteção, quando não a marginalização social, sinal inequívoco da condição de últimos cidadãos brasileiros.

Antunes (2018) demonstra que os discursos a favor da ampliação da terceirização dos postos de trabalho são completamente falaciosos. Para o autor:

As falsidades presentes no projeto que objetiva a terceirização total são conhecidas: ao invés de criar empregos, ela de fato desemprega, uma vez que os terceirizados trabalham mais, recebendo menos. Assim, a terceirização efetivamente reduz os empregos e sup. 25btrai salários. Em vez de “qualificar” e “especializar”, temos fortes evidências em outra direção: é nas atividades terceirizadas que se ampliam os acidentes de trabalho (vejam-se os ramos do setor eletricitário, petroquímico, entre tantos outros), dadas as limitações frequentes daqueles que são responsáveis por atividades sem o preparo adequado. É nessas atividades terceirizadas que as burlas à legislação social protetora do trabalho se tornam mais recorrentes. (…) Nos serviços, em que a terceirização se expande com rapidez, sabemos que viceja de forma ampla a informalidade e a alta rotatividade. (ANTUNES, 2018. p. 192-193)

Enquanto a precarização do trabalho tornou-se um projeto político difundiu-se a cultura de “coaching”, onde a meritocracia é um dos princípios fundamentais e a culpa sobre os ditos “fracassos pessoais” como desemprego, permanência em cargos indesejáveis, baixa remuneração e debilitação psicológica são lançados ao indivíduo. Esta perspectiva distorcida das relações trabalhistas, cada vez mais sustentadas pelo próprio Estado, cria um cenário de competição e deterioração das relações dos indivíduos consigo mesmos e com os seus. O filósofo sul-coreano, Byung-Chul Han (2018), autor da obra “Sociedade do Cansaço”, é enfático:

Vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito”, e se você não é um vencedor, a culpa é sua. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na síndrome de burnout”. E a consequência: “Não há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros”. É “a alienação de si mesmo”.

Para o sociólogo brasileiro Jessé de Souza (2006b), a meritocracia, presente no discurso neoliberal, se apresenta como uma ideologia no país. Esta não passa de uma ilusão criada para articular a presença de uma certa justiça em delimitações e privilégios, onde estes são decorrentes dos esforços particulares e diferenciais de cada indivíduo. A elite cria a ilusão de que só está no topo da pirâmide por méritos próprios e que as oportunidades foram iguais para todos, produzindo a falsa impressão de que aqueles que ocupam as classes sociais mais baixas estão em tais condições por falta de esforço próprio. Desta forma, os indivíduos das classes sociais ditas baixas são responsabilizados pelo “próprio fracasso” e fatores sociais e estruturais, presentes na nossa sociedade são desconsiderados. O autor demonstra que cidadãos que possuem amparo familiar desde pequenos e capacidade de estudar em boas escolas, aprender um novo idioma, instrumento musical e viajar durante o ano já largam na frente daqueles que não possuem as mesmas oportunidades justamente pela aquisição do conhecimento e compreensão daquilo que é valorizado na esfera de mercado. Nas palavras do de SOUZA (2006b, p. 90), “o filho do nordestino vai ser o faxineiro ou lavador de carros de outro ‘chicago boy’”. Na perspectiva do sociólogo, essas desigualdades são transmitidas por herança familiar de modo permanente e constante, permitindo distinguir no Brasil as classes sociais das pessoas que possuem capital cultural incorporado e aquelas que só possuem o próprio corpo para vender como força de trabalho. Acreditamos que é relevante apontar que Paulo Guedes, nosso Ministro da Economia, é, de fato, um Chicago Boy. Detentor de um diploma de pós-graduação pela Universidade de Chicago e, o atual ministro atuou como acadêmico no Departamento de Economia da Universidade do Chile durante a ascensão dos Chicago Boys no país, sob a ditadura de Augusto Pinochet.
É importante lembrar que a consolidação da jornada de trabalho nos moldes atuais é resultado de uma luta de 400 anos entre o Capital e os trabalhadores. Em especial, como aponta Antunes (2018), durante o final da década de 60 houve uma forte ampliação das reivindicações sociais no segmento trabalhista. É papel das leis, ou seja, do Estado, conter o impulso do Capital por uma sucção ilimitada da força do trabalho (MARX, 2013, p. 313). Esta, como mercadoria do Capital, deve dispor do amparo legal do Estado, principalmente em economias capitalistas, onde a “mão-invisível do mercado” dita as regras de produção e oferta de bens. Como aponta Antunes (2018), evidentemente o Capital se reestrutura quando necessário para manter sua hegemonia e se durante o começo do século passado o modo de produção massiva do fordismo/ taylorismo imperava, desde os anos 80s tem se reproduzido o modelo de “acumulação flexível”. Segundo o autor:.

Desse modo, flexibilização, terceirização, subcontratação, círculo de controle de qualidade total, kanban, just-in-time, kaizen, team work, eliminação do desperdício, “gerência participativa”, sindicalismo de empresa, entre tantos outros pontos, tornaram-se dominantes no universo empresarial. (ANTUNES, 2018, p. 176)

Tais conceitos foram prontamente absorvidos e tornaram-se uma ideologia relevante nas novas relações trabalhistas. A assimilação da cultura meritocrática somada ao cenário econômico atual, impactado pelas crises recentes nos últimos governos e pelos efeitos da pandemia provocada pela disseminação do vírus COVID-19, levaram à anuência dos jovens, principalmentes os das classes sociais mais baixas, ao novos postos de trabalho precarizados. Como aponta SACHS (2021), segundo dados do IBGE, jovens da geração Z (aqueles cujo ano de nascimento se deu entre 1996 e 2010) são os mais afetados pelo desemprego. Entre estes, 31% não estão inseridos no mercado de trabalho formal. Em pesquisa divulgada este ano pela empresa de consultoria Deloitte, “o medo de ficar sem emprego e sem perspectiva de carreira seria o principal causador do estresse para 57% dos jovens entre 25 e 39 anos e para 65% dos mais novos, entre 18 e 24 anos” (SACHS, 2021). Tais dados remetem ao Exército Industrial de Reserva, conforme conceituação de Karl Marx. Retomamos, portanto, a questão do desemprego estrutural própria de economias capitalistas exposta no início deste ensaio. Em um país onde o desemprego atinge 14,4 milhões de cidadãos, segundo dados do IBGE, a necessidade amplia a aceitação de postos de trabalho precarizados e abusivos. A exploração torna-se banal, uma vez que é dissimulada com um discurso baseado na superação dos próprios limites e no mito do self made man. Como demonstra Pochmann (2012), enquanto se elevaram os níveis de desemprego e as ocupações trabalhistas precárias, ocorreu um aumento da concentração de renda e riqueza, o que favoreceu, mais uma vez, a expansão do trabalho barato de prestação terceirizada. Desta forma, retornamos ao início deste ensaio, pois a ligação entre atuação oportunista do Estado, a precarização dos postos de trabalhos e a consequente ampliação das disparidades sociais torna-se evidente. O Capital atua em favor de si mesmo, e os detentores dos meios de produção se fortalecem em momentos de crise econômica, impondo às classes mais baixas os efeitos nocivos do acúmulo exacerbado de riquezas por uma pequena parcela da população. Souza (2016a) demonstra como ocorre a reprodução do habitus precarius no subsolo da pirâmide social onde se situa a “ralé”, a qual constitui-se em uma subclasse social. A “ralé” encontra-se abaixo da classe trabalhadora, ou seja, são cidadãos que sequer possuem reconhecimento naquilo que é valorizado no mercado de trabalho. Esta classe já chega derrotada no sistema escolar, com baixa autoestima e com a naturalização da inferioridade por parte de seus membros. São identificados desde cedo como vítimas dos preconceitos, sejam eles raciais ou de gênero. Assim como o fator econômico, as questões raciais constituem um rótulo que categoriza os indivíduos na sociedade brasileira, sendo o estigma racial tão internalizado na sociedade, que em um ambiente competitivo do mercado de trabalho o candidato de cor negra já está em desvantagem. Tais questões moldam a capacidade de sonhar ou planejar um futuro. De acordo com Neri (2011) o planejamento do futuro e controle do tempo é uma das principais características da nova classe média, no entanto este aspecto é refutado por Pochmann (2012) , uma vez que o acesso à universidade privada e aquisição de aparatos para o aprendizado resultaram em endividamento para esta classe, ou seja apenas houve uma mudança no perfil do consumo e não em avanço de direitos sociais Trabalhar na adolescência, tendo que optar entre a formação ou a sobrevivência, ou ainda a gravidez precoce são circunstâncias que levam a privação do direito à educação e explicitam como o país perpetua o fosso social entre os que possuem a oportunidade do trabalho intelectual e aqueles que detém apenas a força do trabalho físico como recurso. De acordo com dados do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH)produzido pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2019, possuímos a 2ª maior concentração de renda mundial (atrás apenas do Catar), figurando entre os 5 países com maior desigualdade do mundo. De acordo com reportagem divulgada pelo Portal G1 (2019):

No Brasil, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total do país (no Catar essa proporção é de 29%). Ou seja, quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Já os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total.

Em seu conceito da “nova classe média’’, o economista Neri (2011) propõe que a redução da pobreza ocorreu a partir da elevação de uma parcela da população a um andar acima na pirâmide social, quando sua renda atingiu o equivalente à um salário mínimo e meio, propiciando o planejamento do futuro. No entanto, Pochmann (2012, p. 22) denomina essa classe como “working poor”, ou seja, aqueles que estão assentados no trabalho, “e está em curso uma crescente polarização entre dois extremos com forte crescimento relativo: os trabalhadores na base da pirâmide social e os detentores de renda derivada da propriedade”. Para Marx (2013), com a gradação hierárquica surgem os mais qualificados e isto gera uma redução no valor da força de trabalho, devido a desvalorização relativa desta. Isto implica imediatamente numa maior valorização do capital e na ampliação da distância econômica entre as classes. Sobre o caso brasilero, Pochmann (2012, p. 27) demonstra que:

Do total líquido de 21 milhões de postos de trabalho criados na primeira década do século XXI, 94,8% foram com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal. Nas ocupações sem remuneração, houve a redução líquida de 1,1 milhão de postos de trabalho, enquanto na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda total atingiu 4,3 milhões de ocupações. Em síntese, ocorreu o avanço das ocupações na base da pirâmide social brasileira.

Segundo SOUZA (2006a), a dinâmica da estratificação social do país e a socialização pelo habitus precarius dificultam as possibilidades de mobilidade social. A formação histórica e cultural da dita “ralé” se qualifica além de dados econômicos, tornando-se uma condição psicossociológica, vinculada ao processo histórico da sociedade brasileira. Ou seja, trata-se de uma construção social baseada nas relações de poder.
A precarização do trabalho e a ampliação das desigualdades, sobre o prisma da interseccionalidade, torna ainda mais dificultoso, para grupos minoritários, o ingresso no mercado formal de trabalho. Podemos citar, como exemplo, o trabalho feminino e sua correlação entre gênero, economia e mercado de trabalho. É preciso ressaltar que o trabalho feminino não era entendido como um trabalho de fato, as mulheres eram limitadas à esfera doméstica, tendo servido a sociedade na condição de exploradas desde antes do seu ingresso no mercado de trabalho formal. Segundo Federici (2019), o trabalho feminino foi fundamental para a acumulação do capital primitivo que possibilitou a industrialização no mundo moderno. Portanto, podemos observar que a precarização crescente do trabalho tem impacto sobre as classes sociais mais baixas, ampliando a desigualdade econômica já acentuada em nosso país. Os mais jovens, principalmente os que estão inseridos nas classes mais baixas e em grupos minoritários, são duramente atingidos pelas novas modalidades trabalhistas, tendo que se adaptar à debilitação do mercado de trabalho, que passou por um processo de reestruturação promovido pela economia capitalista de forma a atender as expectativas da sociedade moderna e garantir a manutenção de seus status quo. O Estado, agente que deveria, em tese, atuar em prol do interesse coletivo abdica de sua função pública, representando o interesse das classes no poder e fomentando as disparidades sociais vigentes.

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